Vladimir Putin – O novo czar dos russos

30/12/2014

 
Ao anexar a Crimeia, ao apoiar os separatistas ucranianos e ao desafiar os EUA e a União Europeia, apesar das duras sanções, o Presidente russo fez ressurgir, 25 anos após a queda do Muro de Berlim, o espetro da guerra fria. A Vladimir Putin só uma coisa parece meter-lhe medo: a queda do preço do petróleo.

 
Há 40 anos que não havia uma anexação na Europa. A tomada da parte norte da ilha de Chipre pelos turcos, em 1974 — criando a República Turca de Chipre do Norte, que só Ancara reconhece — foi a última apropriação de território alheio… até este ano. A Crimeia, uma república até agora pertencente à Ucrânia, passou a integrar a Federação Russa. A península fora cedida a Kiev em 1953, uma oferta da República Socialista Soviética Russa à sua congénere ucraniana, ainda no quadro da URSS, para celebrar os 300 anos da união entre ambas. O que Khrutschov deu, outro senhor do Kremlin volta a tirar: Vladimir Putin.

 

Há que recuar a 21 de novembro de 2013 para contar a história da primeira anexação europeia do século XXI. Nesse dia, o então Presidente ucraniano, Viktor Ianukovitch, rasgou o acordo de cooperação que negociara com a União Europeia, voltando a aproximar-se de Moscovo. Num país a precisar de dinheiro e dividido entre pró-ocidentais e pró-russos, os primeiros ocuparam a Praça Maidan (Independência), no centro da capital, e nasceu o movimento Euromaidan.

 
Se predominavam os manifestantes pacíficos, é verdade que a multidão incluía de tudo, incluindo ultras nacionalistas e militantes da extrema-direita que se envolveram em duros confrontos com a polícia de choque.

 
A 22 de fevereiro, após semanas de manifestações, o Parlamento ucraniano destituiu Ianukovitch. Entretanto, o Governo da Crimeia, pró-russo, tal como a maioria dos habitantes da península, avançou com um referendo sobre o eventual regresso à Mãe-Rússia. A 16 de março, 96,77% dos eleitores escolheram essa opção.

 

Passados dois dias, tropas não-identificadas (forças especiais russas e elementos da Marinha vindos das bases navais russas na Crimeia) tomaram a sede do Governo regional e nomearam primeiro-ministro Serguei Aksyonov, líder do partido minoritário Unidade Rússia. Putin reconheceu a independência da Crimeia, relativamente à Ucrânia, para logo a anexar. Em defesa do legado da URSS.

 
Foi o ato mais simbólico do ano por parte do Presidente russo, que já mostrara não ter contemplações para com a integridade das ex-repúblicas soviéticas. Putin considera a desintegração da União Soviética “a maior tragédia geopolítica do século XX” e assume uma postura de líder — “czar”, dizem as más-línguas — de todos os russos, vivam onde viverem. Protegê-los é, não raro, o pretexto para ações pouco edificantes à luz do direito internacional.

 

Em 2008, Putin liderou uma ação armada contra as tropas georgianas na Ossétia do Sul, legalmente território da Geórgia, mas “de facto” independente sob a égide do Kremlin. É, tal como a Abecásia (também georgiana no papel), reconhecida apenas pela Rússia, Nicarágua, Venezuela e Nauru. Também é useiro e vezeiro em aproveitar a dependência das exportações russas de energia para fins políticos, “fechando a torneira” quando os ventos não sopram de feição.

 
Vladimir Putin cumpriu o seu 10º ano como chefe de Estado. Presidente desde 2000, por nomeação do demissionário antecessor Boris Ieltsin, o ex-agente do KGB (serviços secretos) venceu as presidenciais desse ano com 53,4% dos votos e foi reeleito, em 2004 com 71%. Em 2008, e dado que a Constituição proibia um terceiro mandato, trocou de lugar com o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev. Este assumiu a presidência, Putin a chefia do Governo.

 
NO KREMLIN ATÉ 2024?

 
Poucos tiveram dúvidas sobre quem mandava no país mais vasto do mundo. E ninguém abriu a boca de espanto quando a troca de chapéus se desfez em 2012, não sem antes medvedev ter feito alargar o mandato presidencial de quatro para seis anos. Ou seja, putin poderá, no limite, mandar sem interrupções até 2024.

 
Nada disto acontece à margem da propaganda e do culto da personalidade. Ficaram célebres as fotos de putin — que é cinturão negro de judo — em tronco nu ou a cavalo, mostrando a sua robustez. Quando, em 2007, fez aparecer o seu cão, koni, numa reunião com angela merkel, a chanceler alemã comentou: “eu percebo porque tem ele de fazer isto. Para provar que é homem. Tem medo das suas próprias fraquezas. A rússia não tem nada, não tem êxito na política nem na economia. Isto é tudo o que tem”.

 
Implacável face aos movimentos que contestaram o seu regresso ao kremlin, putin apoia o seu poder em organizações como o movimento juvenil nashi (que se declara “antifascista”, mas tem traços de milícia ultranacionalista).

 

No ocidente acusam-no de recriar a guerra fria, por saudosismo da grandeza soviética que se esforça por recuperar, em eventos como os jogos olímpicos de inverno, organizados este ano em sochi, perto da crimeia. A fatura de 41 mil milhões de euros bateu todos os recordes olímpicos.
Uma cadeia de operações de charme

 
Para conquistar simpatias, putin até libertou o seu arqui-inimigo mikhail khodorkovsky, ex-oligarca encarcerado há nove anos, cuja petrolífera yukos o presidente fez absorver pela estatal gazprom. Idem para elementos da banda contestatária pussy riot. Segue-se, no calendário dos eventos, o mundial de futebol de 2018.

 
Encolhendo os ombros às sanções impostas pelos estados unidos e a união europeia na sequência dos tumultos da ucrânia e da violência nas regiões separatistas pró-russas de donetsk e lugansk, putin ri-se — pelo menos para consumo externo — e não hesita em brincar com o espaço dos demais. Ainda este ano dois caças f-16 da força aérea portuguesa intercetaram, ao serviço da nato, dois aviões militares russos que tinham entrado no espaço aéreo vigiado por portugal.

 
Resta saber até quando durará o império de putin. Se é inegável que marcou o ano 2014, não é menos certo que a baixa do preço do petróleo (quase 50% entre junho e dezembro) representou um rude golpe na economia russa. Nas últimas semanas, juntou-se-lhe uma quebra abissal do valor da moeda nacional, o rublo, nos mercados cambiais. As bolsas russas caíram 30% na primeira quinzena deste mês, o que deixa adivinhar uma quadra natalícia pouco simpática. Os votos de “próspero ano novo” nunca devem ter sido tão desejados.

 

 

Expresso

Texto: Pedro Cordeiro

Vídeo: André de Atayde
Foto: REUTERS

 

 

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