Virgínia, a enfermeira lusa em New York que não comemora a cura de um doente covid-19 porque “estão a morrer muitos” pacientes infectados

 

Uma enfermeira portuguesa num dos maiores hospitais de New York, diz que a sua equipa não celebra a cura de um doente de covid-19, porque “estão a morrer demasiados” pacientes infectados.

 

 

Virgínia Ferreira, paramédica durante mais de oito anos e enfermeira há seis, foi treinada em três dias para cuidar de doentes internados para o tratamento do novo coronavírus num campo universitário, um dos maiores sistemas hospitalares de New York, que está a tratar centenas de pacientes por dia.

 

 

Os Estados Unidos tornaram-se na quinta-feira no país com maior número de infetados do mundo: atualmente, mais de 124 mil infetados com o novo coronavírus e 2.190 mortos, segundo a universidade Johns Hopkins. O número de pessoas curadas é de 2.612.

 

 

Segundo a mesma fonte, New York concentra, no seu Estado, quase metade dos casos de covid-19 nos EUA. Por sua vez, a cidade conta mais de 30.000 casos confirmados e 672 mortes.

 

 

O local de trabalho de Virgínia criou mais uma unidade de internamento na semana passada, para novos doentes de covid-19. Era um espaço pediátrico, de onde tiveram de se retirar crianças. Virgínia foi treinada em três dias.

 

 

A primeira reação da enfermeira, quando descobriu que ia passar a prestar funções no hospital do ‘campus’ universitário, foi falar com o advogado e saber se esse pedido era legítimo. Virgínia rapidamente concordou em ir trabalhar, pelos pacientes e colegas que precisavam de ajuda, com a mentalidade de “apenas se preocupar pelos outros”.

 

 

“Enquanto isto acontecia, eu tive de treinar outras oito pessoas. Alguns colegas, em ‘outpatient setting’ nunca tinham tratado pacientes dentro do hospital”, acrescenta. Nos Estados Unidos, chama-se ‘outpatient’ aos tratamentos que requerem visitas pontuais ao médico e ‘inpatient’ quando os doentes ficam internados pelo menos uma noite.

 

 

A enfermeira portuguesa resume que o hospital universitário se depara com a necessidade de praticar “medicina de desastre”.

 

 

“Por trabalhar e viver em New York, estás sempre preparado para grandes acontecimentos”, declara Virgínia.

 

 

“O 11 de setembro aconteceu aqui [em 2001] ou o furacão Sandy [em 2012], que paralisaram a cidade. Estás sempre preparado para os desastres. Mas os desastres externos são muito diferentes e a principal diferença é que esses têm um fim”, considera a enfermeira.

 

 

“O desafio com a covid-19 é que não existe uma linha temporal” acrescenta Virgínia, referindo que as estimativas apontam que o pico das infeções em New York aconteça entre meados e fim de abril.

 

 

Nas salas de internamento, o medo e a solidão são os maiores problemas, considera a profissional portuguesa.

 

 

“Um dos maiores problemas que temos é que os pacientes estão isolados e estão a passar por algo que pode ser extremamente assustador. O paciente e a família estão muito assustados. Os doentes críticos estão lá sozinhos e morrem sozinhos”, conta.

 

 

Virgínia trabalhou com uma enfermeira que contraiu o vírus enquanto cuidava de um doente. A infectada teve de receber muito oxigénio antes da incubação e “o que acontece a estes pacientes é que eles estão bem até não estar; não há uma alteração gradual na sua condição de saúde”.

 

 

Segundo a profissional, a dificuldade para os enfermeiros é ajudar os doentes sem poder fazer uma avaliação visual, na tentativa de reduzir o tempo de exposição ao coronavírus.

 

 

“Estamos a confiar em monitores para saber se há pressão sanguínea ou se a frequência cardíaca é alta”, conta a enfermeira, enquanto lembra que não existe um monitor para cada paciente internado.

 

 

“No outro dia, depois de uma senhora ser compensada [com oxigénio], recebemos mais quatro doentes, dos quais dois tinham de seguir para incubação e requeriam oxigénio especializado. Nós não tínhamos monitores suficientes e acabámos por tirá-los aos pacientes que achámos que não estavam tão doentes”.

 

 

Sendo um hospital de grandes dimensões, a enfermeira diz que existem, para já, equipamentos de proteção individual suficientes, no entanto o mesmo não acontece para hospitais menores.

 

 

Virgínia diz que, no seu hospital, já está a ser pedido que as máscaras N95 – material de uma só utilização –, sejam utilizadas durante uma semana inteira, antes de serem recolhidas e esterilizadas novamente.

 

 

A enfermeira considera que o hospital universitário localizado numa das cidades mais afetadas do mundo é diferente de outros sistemas de saúde vigentes: um hospital académico que pode tratar uma grande parte da população, com hospitais comunitários afiliados em diferentes áreas da cidade, e que recebe muito suporte do Estado, ao contrário de outros centros médicos.

 

 

A portuguesa reforça o pedido de todos os profissionais de saúde nesta altura: que as pessoas fiquem em casa, prestem atenção às precauções indicadas pelos seus governos, lavem as mãos, não levem as mãos à cara e pratiquem distanciamento social.

 

 

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 667 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 31.000.

 

 

Dos casos de infeção, pelo menos 134.700 são considerados curados.

 

 

Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.

 

 

 

TPT com: Sapo24//MadreMedia / Lusa//  29 de Março de 2020

 

 

 

 

 

 

 

Março é um mês que os Estados Unidos não irão esquecer. Os dados para entender que América é esta, que está no epicentro da pandemia

“Os Estados Unidos têm chegado tarde às grandes guerras, mas, em regra, quando entram a sério, resolvem”. Esta é uma frase que tem sido usada para espelhar, ao mesmo tempo, a resposta tardia do país à pandemia e a esperança numa resposta futura que seja parte da solução global. Na semana em que os EUA se tornaram o novo epicentro do surto de Covid-19, vamos olhar mais de perto para a realidade norte-americana.

 

 

Dia 26 de março é uma data que os Estados Unidos irão lembrar. Foi o dia em que o país se tornou o n.º 1 num ranking indesejado: maior número de casos de Covid-19 confirmados no mundo. Dois dias depois, a 28 de março, são 105.470 pessoas infectadas e 1.710 mortes registadas, sendo Nova Iorque o local mais duramente atingido, com 450 mortes (dados da Johns Hopkins University & Medicine, às 15h45 de 28 de março).

 

Os números dos últimos dois dias desviaram muitos olhares da Europa para os Estados Unidos, que são agora apontados como o próximo epicentro da pandemia. A verdade é que os números absolutos, por agora, impressionam pela escala: a dimensão dos EUA, o terceiro país mais populoso do mundo, ultrapassa em muito a de Itália ou Espanha. O mesmo não se poderá dizer em relação ao país onde tudo começou, a China, que, estando ao que tudo indica na fase descendente da curva, regista 81.997 casos e 3.299 mortes (dados da Johns Hopkins University & Medicine, às 15h45 de 28 de março).

 

 

Alguns dados para entender a situação:

 

 

Como referido, os EUA são o terceiro país com mais população no mundo e por isso importa não só olhar para números absolutos, mas também para racios comparativos. Por exemplo, Itália tem 1 caso de Covid-19 por cada 750 habitantes, os EUA têm 1 por 4000 – sendo que este racio é de 1 por 400 em Nova Iorque.

 

Ainda nos termos comparativos: Itália fechou todas as escolas a 4 de março e declarou emergência em todo o país quando ultrapassou os 10 mil casos.

 

Os EUA passaram os 10 mil casos a 19 de março, os 20 mil a 21 de março e os 50 mil a 24 de março – e tudo aconteceu sem que fosse dada ordem ao nível federal para reduzir as atividades não essenciais.

 

Ainda assim, os governos estaduais anteciparam decisões e, no dia 15 de março, 50 estados já tinham declarado estado de emergência – ainda que com níveis diferentes de restrições.

 

A lógica muitas vezes usada ao nível de Governo federal nos EUA de que estados não afectados ajudam estados afectados funciona para desastres naturais como incêndios ou tempestades – mas não para um vírus.

 

Um estudo do Harvard Global Health Institute mostra realidades bastante distintas consoante a percentagem de norte-americanos que sejam infetados por Covid-19, projeções que a Propublica traduziu em três cenários em que o mapa dos EUA vai de verde (o melhor cenário) a vermelho (o pior).

 

Segundo o Global Health Security Index, um ranking que avalia as capacidades dos sistemas de saúde em 195 países, nomeadamente no que respeita à capacidade de resposta em caso de pandemia, os Estados Unidos estão entre os “melhor preparados”.

 

 

Indicadores que explicam as razões de preocupação com a situação nos Estados Unidos:

 

 

Segundo um estudo do Imperial College (a mesma instituição que assustou Boris Johnson com previsões de que 250 mil pessoas poderiam vir a morrer de Covid-19 no Reino Unido), se não forem tomadas medidas de controlo ou se não houver mudanças espontâneas no comportamento individual, o pico de mortalidade é esperado três meses depois do início da pandemia; o mesmo estudo prevê, neste âmbito, uma taxa de infeção de 81% nos EUA e um cenário de 2,2 milhões de mortes.

 

A Universidade da Pensilvânia estima que o distanciamento social pode reduzir a taxa de infeção em 95% mas que, ainda assim, 960 mil americanos venham a precisar de cuidados intensivos.

 

 

Com todos os problemas de testagem iniciais e a demora a encontrar um rumo eficiente, o país esteve várias semanas sem dados reais sobre a propagação do vírus. O sistema de saúde já sobrecarregado não teve planos de preparação e agora os materiais de proteção começam a escassear.

 

Trump disse esta semana que os Estados Unidos estão a recuperar o ritmo de testagem, o que é verdade, embora não seja suficiente. Nos últimos dias, o número total aumentou em larga escala e o país contabiliza já mais de 670 mil testes feitos, segundo a plataforma COVID Tracking, que monitoriza os números relativos ao novo coronavírus nos Estados Unidos. A 26 de março, o The New York Times referia que estavam a ser realizados 65 mil testes por dia. No entanto, o país ainda se encontrava muito atrás da Coreia do Sul (uma referência pela testagem intensiva da população) e de Itália, em termos de número de testes per capita, com menos de 200 por cada 100 mil pessoas.

 

 

A 28 de fevereiro, o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) reportava 15 americanos infetados, dos quais 12 em pessoas que tinham viajado, sendo o total de pessoas testadas 459. O número de testes, a esta data, é considerado irrelevante quando comparado com o número de americanos que viajam (número de fevereiro de 2019 apontavam para que nesse mês 6,3 milhões de americanos tivessem viajado).

 

 

 

O que pode ser feito:

 

 

Para já o que vai ser feito: uma abordagem “laser-focused”. A explicação foi dada na quinta-feira numa conferência de imprensa na Casa Branca. A ideia é aplicar medidas de combate ao surto diferentes de condado para condado (divisão administrativa dentro dos estados), de forma a evitar uma estratégia que paralize todo o país. As medidas, mais ou menos restritivas, serão definidas de acordo com o nível de risco em que o condado se encontre: alto, médio ou baixo. A classificação será atribuída em função dos resultados dos testes realizados em cada local.

 

Esta abordagem traz algumas dúvidas: haverá capacidade de testagem suficiente? Os resultados poderão induzir em erro e levar condados a implementar medidas desajustadas? Como se fará o controlo da mobilização entre condados? A Administração de Trump já enviou uma carta aos governadores dos estados a explicar que serão consideradas novas linhas de orientação na atuação contra a Covid-19, embora estas não tenham sido definidas no documento.

 

 

O que precisa de ser feito: uma das principais recomendações é que o país produza rapidamente mais equipamento de proteção. Uma decisão que pode ajudar é através do chamado Defense Production Act – uma lei aprovada em 1950 na presidência de Harry Truman em resposta à Guerra na Coreia – e que permite convocar um esforço de produção equiparável ao do estado de guerra.

 

Depois de muita pressão, Donald Trump só hoje, 28 de março, invocou o uso desta lei pedindo à General Motors que produza ventiladores.

 

 

Por curiosidade, o Defense Production Act foi utilizado em vários contextos, como por exemplo em 2001 por Clinton e depois por George W. Bush para garantir gás natural e eletricidade na Califórnia, que estava em crise energética. Bush voltou a usá-lo também em 2003 para que fosse dada prioridade à produção de GPS para as tropas britânicas no Iraque.

 

Uma das possibilidades é também associar a Defense Logistics Agency, uma estrutura com 26 mil pessoas que prepara as tropas norte-americanas no estrangeiro e que esteve por exemplo no combate ao surto de ébola em 2014.

 

 

Há responsabilidades políticas da Administração Trump nesta pandemia?

 

 

O tema tem sido debatido devido a algumas decisões que hoje se conhecem e que, na opinião de alguns analistas, contribuíram para uma menor preparação ou antecipação da pandemia.

 

Por exemplo, a agência Reuters noticiou esta semana que a equipa norte-americana no Centro de Prevenção e Controlo de Doenças na China passou de 47 para 14 pessoas desde 2017 e que várias agências científicas foram reduzidas.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, embora não tenha respondido sobre os cortes que ocorreram na sua sede em Pequim, afirmou, no entanto, que as medidas relativas aos seus colaboradores não dificultaram a resposta norte-americana à Covid-19. “O problema era a China, não o facto de não se ter pessoal na China”, diz um antigo epidemiologista da organização, que agora é investigador e professor na Universidade Emory.

 

Outro tema que veio a lume foi a extinção, em 2018, da equipa de resposta a pandemias que fazia parte do Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos.

 

A 28 de janeiro, Luciana Borio, que fazia parte dessa equipa apelou ao governo para “agir agora e prevenir uma epidemia na América”, cooperando com o setor privado e sobretudo investindo em testes.

 

Um nome emerge como símbolo de segurança: Anthony Fauci, director do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, conselheiro da Casa Branca desde Reagan, e agora parte da equipa de combate ao Covid-19.

 

 

 

E na economia, o que está a ser feito?

 

 

 

O Senado dos Estados Unidos da América aprovou, com apoio de democratas e republicanos, um plano de apoio económico de 1,8 biliões de euros (ou seja, dois biliões de dólares), o maior de sempre na história dos Estados Unidos da América.

 

Este investimento é igual à metade do orçamento anual federal, ou seja, do orçamento que suporta os serviços do governo norte-americano em todo o território nacional.

 

Dentro deste plano, será providenciado um apoio que vai até 1.200 dólares (1,093 euros, sensivelmente) para os cidadãos norte-americanos com rendimentos até 75 mil dólares/ano que necessitem de apoio financeiro. Para quem ganhe acima deste valor, o apoio desce cinco dólares por cada 100 dólares a mais de salário. Quem ganhe acima de 99 mil dólares por ano, deixa de ter direito a apoio.

 

A Tax Foundation estima que 93,6% dos norte-americanos sejam elegíveis para um apoio.

 

As famílias receberão ainda mais 500 dólares por cada criança no agregado familiar.

 

Os desempregados irão receber 600 dólares além do subsídio que já tenham atribuído pelo estado a que pertencem, e o apoio tem duração de 13 semanas. A medida é extensível aos trabalhadores independentes.

 

Foi também aprovado um programa para negócios, cidades e estados, que corresponde a 500 mil milhões de dólares (no valor de cerca de 455 mil milhões de euros).

 

E um fundo de 367 mil milhões de dólares (cerca de 334 mil milhões de euros) para as pequenas empresas.

 

Os estados de New Jersey, New York e Connecticut aguardam ainda com esperança a vinda do bem equipado navio hospital Comfort, para ajudar nesta batalha contra o Covid-19.

 

 

É provável que o novo coronavírus se torne sazonal. É a opinião de Anthony Fauci, consultor científico da Casa Branca

 

 

 

O principal consultor científico do presidente dos Estados Unidos sobre a pandemia em curso insistiu na necessidade de encontrar uma vacina e tratamento eficazes.

 

O novo coronavírus pode tornar-se sazonal, na opinião de Anthony Fauci, um especialista conceituado que dirige investigações sobre doenças infecciosas nos Institutos Nacionais de Saúde e consultor de Donald Trump. Fauci justificou a sua alegação destacando que o vírus está a espalhar-se com mais intensidade no hemisfério sul, a região do planeta que se aproxima do inverno.

 

 

“O que estamos a começar a ver agora … no sul da África e nos países do hemisfério sul é que estamos a começar a ter casos que aparecem à medida que se aproxima a temporada de inverno”, disse em conferência de imprensa.

 

 

“E se, de verdade, sofrerem uma grande epidemia, será inevitável que tenhamos que estar preparados para a possibilidade de um ciclo repetido”, explicou.

 

 

“Isso destaca a necessidade de fazer o que estamos a fazer para encontrar uma vacina, testá-la rapidamente e tentar ter uma vacina pronta para o próximo ciclo”, acrescentou.

 

Duas vacinas estão a ser testadas em seres humanos, uma nos Estados Unidos e uma na China, mas, mesmo que bem-sucedidas, é improvável que estejam disponíveis dentro de um ano.

 

Os tratamentos também estão a ser investigados, incluindo novos medicamentos ou alguns que já são usados para outras doenças, como a cloroquina, usada contra a malária.

 

“Sei que seremos capazes de parar isto agora, mas realmente precisamos estar prontos para outro ciclo”, insistiu Fauci.

 

 

 

 

O que fez a China para conter o vírus (e que lições podem ser retiradas)

 

 

 

Após um início caótico, a China reverteu a curva de contágio do novo coronavírus em poucas semanas e desde quinta-feira não regista nenhum novo caso de origem local, de acordo com o balanço oficial.

 

A epidemia é agora mais mortal no resto do mundo, mas a experiência da China não é necessariamente aplicável em todos os lugares, e a sua eficácia a longo prazo ainda precisa deser demonstrada. Mas, numa altura em que o resto do mundo se debate com a pandemia, vale a pena revisitar a estratégia seguida por Pequim.

Estas foram as medidas postas em prática no país onde tudo começou.

 

 

Quarentena em Wuhan

 

 

Em 23 de janeiro, Wuhan, onde o novo coronavírus apareceu no final de 2019, foi colocada em quarentena, bem como quase toda a província de Hubei – da qual é a capital. Mais de 50 milhões de habitantes foram isolados do mundo.

 

 

Mas o isolamento de Wuhan apenas atrasou em quatro dias a propagação do vírus no país, de acordo com um estudo publicado a 6 de março na revista americana Science.

 

 

No resto do mundo, a interrupção dos voos daquela cidade reduziu a contaminação em duas a três semanas.

 

 

Transportes reduzidos

 

 

Desde o início da crise, a circulação de comboios e o tráfego interregional de autocarros foram reduzidos para atrasar o regresso dos trabalhadores migrantes que viajaram para passar as férias do Ano Novo Chinês nos seus locais de origem. Viajar para o exterior também foi proibido.

 

 

 

Confinamento em casa

 

Em todo o país, os moradores foram fortemente incentivados a ficar em casa. Isto foi facilitado pelo facto de centenas de milhões de chineses viverem em complexos residenciais fechados, podendo os comités de bairro limitar as saídas ao mínimo.

Escolas, universidades e locais turísticos foram fechados.

 

 

“O confinamento funciona. Duas semanas após o fechamento de Wuhan, exatamente o período de incubação, os números (de contaminação) começaram a cair”, disse à AFP Sharon Lewin, professora de medicina da Universidade de Melbourne.

 

 

 

“Face a essas medidas, os especialistas estimaram que cada pessoa infectada transmitia o coronavírus a mais de duas pessoas. Entre 16 e 30 de janeiro, durante os primeiros sete dias de confinamento, essa proporção caiu para 1,05”, de acordo com o revista britânica Nature.

 

 

 

Entregas

 

Confinados, os chineses aumentaram seus pedidos de comida em casa. Os funcionários de entregas, na maioria dos casos, deixam a comida na porta do condomínio, reduzindo assim as saídas para o supermercado.

 

 

 

Controles de temperatura

 

 

A temperatura dos cidadãos na entrada de edifícios, empresas ou locais públicos é monitorizada várias vezes ao dia.

 

 

“Se ultrapassar os 37,3 ºC, será isolado”, alerta o guarda de um parque em Pequim. Mas uma febre simples não distingue uma infecção por coronavírus de uma constipação.

 

 

 

Uso de máscara

 

 

A máscara foi rapidamente imposta nas grandes cidades e obrigatória em vários locais.

 

Pode ser necessária, “especialmente quando tantos portadores assintomáticos do vírus correm o risco de infectar outras pessoas”, explica o professor Zheng Zhijie, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Pequim.

 

Segundo a agência Xinhua, a produção diária de máscaras N95, considerada a mais eficaz, subiu de 200.000 para 1,6 milhão de unidades durante a crise. Mas é difícil verificar se as máscaras são trocadas regularmente e se ainda são eficazes.

 

 

 

Detecção

 

 

 

A detecção é considerada crucial pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas o governo chinês não fornece dados sobre os testes realizados.

 

Como indicativo, de acordo com a cidade de Wuhan, em fevereiro, no auge da epidemia, cerca de 20.000 pessoas eram testadas todos os dias.

 

O número caiu para metade nos últimos dias. Em meados de fevereiro, o número de infecções aumentou acentuadamente em 15.000 após uma expansão do método de detecção.

 

 

 

Mobilização de pessoal médico

 

 

 

Segundo a Xinhua, mais de 42.000 médicos e profissionais de saúde foram enviados para Hubei. “Importante e necessário, tendo em vista do colapso do sistema de saúde local”, segundo Zheng.

 

De acordo com as autoridades, 3.300 funcionários da saúde foram infectados em todo o país até o início de março e 13 morreram.

 

 

 

Hospitais de campanha

 

 

Em dez dias, dois hospitais com um total de 2.300 camas foram construídos em Wuhan.

A cidade transformou fábricas, estádios e centros de conferências em 16 hospitais de campanha.

 

 

 

Desinfecção

 

 

Camiões-tanque lavavam as ruas de Wuhan com desinfetante. Mas essa limpeza “pode não ser necessária porque não há provas de sua eficácia”, disse Zheng Zhijie, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Pequim.

 

 

A desinfecção de locais públicos fechados e meios de transporte foram, segundo o professor, “mais importantes e necessárias”.

 

 

 

Campanhas de propaganda

 

 

O regime comunista colocou a propaganda ao serviço da luta contra o vírus. As mensagens nos medida apelam aos chineses que respeitem as medidas de higiene, a sair o menos possível e a ventilar as casas.

 

Segundo um porta-voz da OMS, um critério “essencial” é “convencer as pessoas a tomar as medidas necessárias”.

 

 

Códigos QR

 

 

 

Um software permite saber se o utilizador de um telefone móvel passou ou viajou por uma área de risco ou perto de um portador do vírus. Cada cidadão tem um código QR colorido no seu telefone que pode ser apresentado às autoridades: laranja indica sete dias em quarentena e o vermelho 14 dias.

 

 

Balanço

 

Por fim, a detecção, o confinamento e a limitação do transporte impediram um aumento de 17 vezes nos casos de contaminação que chegaria a cerca de oito milhões até o final de fevereiro, de acordo com um estudo citado pela Nature.

 

Resta saber se estas medidas são aplicáveis a longo prazo, enfatiza o Imperial College London, num estudo de 16 de março, destacando os “enormes custos sociais e económicos”, alertando porém que se antecipa que “a transmissão recomece rapidamente se as medidas forem retiradas”.

 

 

 

 

TPT com: Centers for Disease Control and Prevention//Global Health Security Index//Johns Hopkins University & Medicine// Margarida Alpuin//Rute Sousa Vasco//24Sapo//MadreMedia/AFP// 28 de Março de 2020

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O navio que se tornou um “laboratório flutuante” da transmissão do Covid-19

 

Os passageiros e tripulantes do navio de cruzeiro Diamond Princess ficaram em quarentena devido ao novo coronavírus. Agora, o surto que aconteceu nesta embarcação é alvo de diferentes investigações científicas.

 

 

Durante largos dias, o navio de cruzeiro Diamond Princess prendeu a  nossa atenção. Atracada no Japão, esta embarcação teve mais de 700 passageiros e tripulantes infectados com o novo coronavírus, incluindo o português Adriano Maranhão.

 

Este cruzeiro continua a ter a atenção de cientistas, que já publicaram alguns trabalhos sobre o coronavírus no interior no navio desde a forma como se propaga até estimativas sobre as pessoas infectadas sem sintomas. Neste “laboratório flutuante”, como já lhe chamam, investigadores esperam usar estas informações para aprender mais sobre o vírus.

 

 

Mais de 20 navios de cruzeiro confirmaram casos de passageiros ou tripulantes que com covid-19 (a doença causada pelo coronavírus SARS-Cov-2). O Diamond Princess tornou-se um dos mais mediáticos. A embarcação entrou em quarentena no início de Fevereiro, depois do teste a um passageiro que desembarcou em Hong Kong ter dado positivo. A bordo estavam mais de 3700 passageiros e tripulantes.

 

 

 

O regresso ao “normal” (e ao exterior) da província de Hubei, onde tudo começou

 

 

Ao longo desse mês, confirmou-se que mais de 700 passageiros e membros da tripulação estavam infectados através dos testes efectuados pelas autoridades japonesas e vieram a registar-se sete mortes relacionadas com este surto, segundo o site da revista Nature. Este navio atracado no Japão era assim um foco de transmissão fora da China, o epicentro da epidemia naquela altura.

 

 

Agora, a embarcação tornou-se um caso de estudo para cientistas. Num artigo no site da Nature, que compilou algumas investigações já feitas sobre o surto no Diamond Princess, aponta-se que os “surtos se espalham com facilidade nos navios [de cruzeiros] porque são espaços confinados e com elevadas proporções de idosos, que tendem a ser mais vulneráveis à doença”. Além disso, no Diamond Princess alguns passeiros foram testados mais do que uma vez, o que permite observar como o vírus se dispersa ao longo do tempo.

 

Comecemos pelos estudos publicados sobre a eficácia da quarentena no navio. Dois epidemiologistas do Japão e dos Estados Unidos analisaram a eficácia das medidas de contenção na transmissão do vírus. Concluíram num artigo publicado na revista Infectious Disease Modelling que no dia em que a quarentena começou, uma pessoa podia infectar mais de sete outros indivíduos. “A taxa de infecção até foi provavelmente mais elevada porque as pessoas viviam em cabines próximas e tocavam em superfícies contaminadas com o vírus”, disse à Nature Gerardo Chowell, investigador da Universidade Estadual da Georgia, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.

 

 

Mas, depois de as pessoas terem ficado resguardadas nas suas cabines, a média de pessoas que cada indivíduo podia infectar era abaixo de uma. “Isto mostra que a quarentena evita muitas infecções”, refere ainda. Mesmo assim, faz questão de salientar que as condições não eram “perfeitas”, visto que os passageiros podiam infectar os seus colegas de quarto e tripulantes.

 

 

 

Quatro portugueses da tripulação do Diamond Princess sem coronavírus

 

 

 

Já um relatório do Centro de Controlo de Doenças do Japão analisou os casos de covid-19 nos tripulantes durante a quarentena. No documento exemplifica-se que oito de 20 membros do navio confirmados com a doença partilhavam as suas cabines com outros tripulantes. Veio a confirmar-se que cinco companheiros desses oito tripulantes acabaram também por ficar infectados, o que mostra como o SARS-Cov-2 é contagioso.

 

Os dados recolhidos do Diamond Princess também permitem estudar os casos de pessoas infectadas sem sintomas da doença. Por um lado, um relatório publicado na revista médica Eurosurveillance, a 20 de Fevereiro 18% das pessoas infectadas na embarcação não tinham sintomas. “É um número substancial”, afirmou à Nature Gerardo Chowell, que também participou neste estudo.

 

 

Por outro lado, num estudo publicado na revista Radiology: Cardiothoracic Imaging teve-se em conta tomografias computorizadas de 112 pessoas com covid-19. Viu-se que 73% dos 112 doentes (ou seja, 82) não tinham qualquer sintoma óbvio da doença, mas que metade tinha algumas alterações nos pulmões, o que indicava algum nível de pneumonia. “Os casos sintomáticos mostraram opacidades pulmonares e anomalias nas tomografias computorizadas de forma mais frequente do que os casos assintomáticos”, destaca-se no artigo.

 

Este tipo de informações pode dar assim um contributo na tomada de decisões sobre a pandemia. “Os navios de cruzeiro são como uma experiência ideal de uma população isolada. Sabe-se exactamente quem é que está lá e quem está em risco, e todos podem ser analisados”, explicou à Nature John Ioannidis, epidemiologista da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

 

O cientista sugere ainda que se devia juntar o historial médico das pessoas a bordo, como se são fumadoras ou têm uma doença crónica, aos dados recolhidos durante o surto para que se possam obter mais resultados.

 

 

Mesmo que as informações recolhidas no Diamond Princess sejam “valiosas”, John Ioannidis alerta que é difícil estabelecer medidas para um país com base nas que foram aplicadas numa embarcação: “Um país inteiro não é um navio.”

 

 

 

TPT com: Nature//Turu Hanai//Lusa//Teresa Sofia Serafim//Público// Carl Court/Getty//  28 de Março de 2020