Os Estados Unidos vão limitar entrada a países muçulmanos porque “o mundo está uma confusão total”

Em entrevista à ABC, Donald Trump rejeitou tratar-se de uma interdição contra os muçulmanos: “Não, não é uma proibição dos muçulmanos, mas dos seus países”, porque “as pessoas vão chegar e causar-nos tremendos problemas”.

 

 

“O nosso país já tem problemas suficientes e em muitos ou em alguns casos [há pessoas] que procuram causar tremenda destruição”, adiantou.

 

 

Donald Trump recusou dizer a que países se estava a referir, mas afirmou acreditar que a Europa “cometeu um enorme erro ao permitir que esses milhões de pessoas sigam para a Alemanha e outros países. Basta olhar – é um desastre o que está a acontecer lá”.

 

 

Segundo um projeto de ordem executiva publicado pelos ‘media’ norte-americanos, os refugiados da Síria vão ser banidos por tempo indefinido, o amplo programa norte-americano de admissão de refugiados vai ser suspenso por 120 dias e todos os pedidos de visto oriundos de países considerados uma ameaça terrorista – Iraque, Síria, Sudão, Líbia, Somália e Iémen – vão ser suspensos por 30 dias.

 

 

Questionado sobre se receia provocar a ira dos muçulmanos em todo o mundo, Donald Trump respondeu: “Raiva? Já há muita raiva neste momento. Como é possível haver mais?”

 

 

Para Trump, “o mundo é um lugar de raiva” (…). Fomos para o Iraque, não devíamos ter ido. Não devíamos ter saído da forma que saímos. O mundo está uma confusão total”.

 

 

Segundo o projeto de decreto divulgado pelos ‘media’, o Presidente norte-americano planeia cortar pela metade o número de refugiados que entram nos Estados Unidos durante o ano fiscal de 2017, que termina a 30 de setembro.

 

 

Enquanto a administração do antigo Presidente Barack Obama definiu a meta de aceitar mais de 100 mil refugiados este ano, Trump pretende cortar esse objetivo para 50 mil.

 

 

França e Alemanha manifestam preocupação com decisões de Trump

 

 

A França e a Alemanha estão “preocupadas” com várias decisões tomadas pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, particularmente as restrições à chegada de refugiados, disse hoje o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Marc Ayrault.

 

 

“Acolher os refugiados que fogem da guerra é parte do nosso dever”, disse, ao lado do seu novo congénere alemão, Sigmar Gabriel, depois de um encontro entre ambos.

 

“Devemos (…) assegurar que isso acontece de forma equitativa, justa e solidária”, acrescentou.

 

 

Trump assinou na sexta-feira uma ordem executiva para suspender a chegada de refugiados aos EUA e impor controlos severos a quem viaja com origem em sete países muçulmanos.

 

 

“Essa decisão só pode causar-nos preocupação, mas há um conjunto de outras questões a causar-nos preocupação”, disse Ayrault, quando questionado pelos jornalistas acerca das restrições.

 

 

Jean-Marc Ayrault e o ministro alemão decidiram entrar em contacto com o secretário de Estado norte-americano nomeado, Rex Tillerson, assim que tome posse, “para discutir o assunto ponto por ponto e ter uma relação clara”.

 

 

“A clareza, a coerência e, se necessário, a firmeza são necessárias para defender as nossas crenças, os nossos valores, a nossa visão do mundo, os nossos interesses – o francês, o alemão e o europeu”, acrescentou.

 

 

Gabriel realizou a sua primeira viagem ao estrangeiro desde que foi nomeado, na sexta-feira, para substituir Frank-Walter Steinmeier.

 

 

Pelo seu lado, um porta-voz da Comissão Europeia disse que não tinha “nenhum comentário a fazer” sobre as decisões de Trump.

 

 

No entanto, relembrou “os comentários feitos várias vezes pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, de que a Europa é e permanece aberta a todos aqueles que fogem dos conflitos armados e do terror, qualquer que seja sua religião”.

 

 

 

Associações de direitos humanos processam Trump por causa de decreto anti-refugiados

 

 

 

Várias organizações norte-americanas de defesa dos direitos civis, recorreram hoje à justiça contra o decreto de Donald Trump que impede a entrada de refugiados e viajantes de vários países muçulmanos nos Estados Unidos.

 

A queixa contra o Presidente Trump, que deu ontem entrada num tribunal federal de Nova Iorque, foi apresentada pela União Americana das Liberdades Civis e outras organizações de defesa dos direitos humanos e dos imigrantes, que exigem a libertação dos dois cidadãos iraquianos que foram detidos na sexta-feira no aeroporto JF Kennedy, devido ao decreto.

 

 

A Casa Branca anunciou na sexta-feira ter proibido durante três meses a entrada de cidadãos de sete países muçulmanos: Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen. As exceções são os cidadãos com vistos diplomáticos e oficiais e os que trabalham para instituições internacionais.

 

 

O Presidente, Donald Trump, justificou a controversa medida, muito criticada pelos democratas e por organizações de defesa dos direitos cívicos e dos direitos humanos, com o argumento de que visa lutar contra os “terroristas islâmicos radicais”.

 

 

“Crio novas medidas de controlo para manter os terroristas islâmicos radicais fora dos Estados Unidos. Nós não os queremos cá”, insistiu o Presidente norte-americano durante a cerimónia, no Pentágono, da tomada de posse do seu secretário da Defesa, James Mattis.

 

 

O decreto intitulado “Proteção da Nação contra a entrada de terroristas estrangeiros nos Estados Unidos” era esperado desde quarta-feira, quando o jornal Washington Post divulgou um projeto do documento.

 

 

“Isto é uma coisa em grande”, disse o Presidente, perante a hierarquia militar reunida no Pentágono.

 

 

“Queremos assegurarmo-nos de que não deixaremos entrar no nosso país as mesmas ameaças que os nossos soldados combatem no estrangeiro (…). Não esqueceremos jamais as lições do 11 de setembro” de 2001, adiantou Trump, numa alusão aos atentados realizados nos Estados Unidos pelo grupo extremista Al-Qaida.

 

 

De 1 de outubro de 2015 a 30 de setembro de 2016, os Estados Unidos acolheram 84.994 refugiados de várias nacionalidades, incluindo cerca de 10.000 sírios.

 

 

A administração de Barack Obama tinha previsto como objetivo os 110.000 refugiados para o exercício orçamental seguinte, mas a de Donald Trump visará apenas 50.000, de acordo com o projeto de decreto.

 

 

TPT com: AFP//Reuters//Lusa//Washington Post// 28 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

 

Construção do muro com o México abre guerra de Trump à imigração ilegal e aos criminosos que cruzam a fronteira

Se bastasse uma assinatura num papel para fazer nascer um “grande e belo muro” ao longo da fronteira Sul dos Estados Unidos da América, ele tinha nascido esta quarta-feira quando Donald Trump pôs o seu nome num decreto presidencial a dizer “faça-se”. E mais do que isso, a custo zero para o país, uma vez que será o México a pagar a obra “absolutamente, a 100%”, garantiu o líder norte-americano.

 

 

A acção executiva do Presidente é, por si só, insuficiente para levantar a “muralha impenetrável” prometida no lançamento da sua candidatura à Casa Branca e destinada a travar o fluxo de – disse – traficantes e violadores mexicanos e imigrantes latino-americanos para os EUA. O decreto presidencial não deixa, contudo, de ser profundamente simbólico da intenção de Donald Trump de levar avante a sua controversa política anti-imigração, assente na premissa do muro pago pelo México ou no desejo de proibir a entrada de muçulmanos – e de o fazer avançando contra tudo e contra todos.

 

“Uma nação sem fronteiras não é uma nação”, declarou Donald Trump, numa cerimónia no Departamento de Segurança Interna onde assinou o decreto para iniciar a construção do muro “imediatamente”. O acto marca, para o Presidente, o momento em que o país recuperou o controlo da fronteira e reafirmou o direito de aplicar as leis “na sua máxima força”. “Estamos a viver uma crise na nossa fronteira Sul”, afirmou.

 

 

O decreto autoriza o redireccionamento de verbas alocadas àquela agência federal para projectos de infraestruturas para a construção do muro. Para já, desconhecem-se os montantes, mas os analistas dizem que serão suficientes para para pôr o projecto em marcha. Mesmo assim, a execução continua a estar dependente do financiamento do Congresso e condicionada pelo cumprimento de regras fixadas na legislação nacional e em tratados internacionais.

 

 

Pelas contas de vários consultores e especialistas, os custos dos trabalhos deverão ultrapassar os 30 mil milhões de dólares – e a obra pode prolongar-se por mais de cinco anos. A aritmética de Trump é muito diferente. O Presidente estimou que a construção do muro ficará entre os oito e dez mil milhões de dólares e pode ser concluída em “poucos meses”.

 

Numa entrevista à ABC, o Presidente repetiu que o projecto não será financiado pelos contribuintes norte-americanos, insistindo que todo o dinheiro público que tiver de ser aplicado no projecto será posteriormente recuperado através de uma “complicada fórmula de reembolso” a ser negociada com o México “muito em breve”. Confrontado com a recusa do Presidente Peña Nieto em assumir esse custo, Trump limitou-se a dizer que “haverá um pagamento”. “O que as pessoas têm de compreender é que o que estou a fazer é o melhor para os Estados Unidos. E também vai ser bom para o México”, acrescentou.

 

 

Essa não é, naturalmente, a interpretação do Governo mexicano, que insiste que não vai pagar nem um cêntimo do muro de Trump. O anúncio feito pelo Presidente terá apanhado de surpresa os ministros da Economia e Negócios Estrangeiros do país, que viajaram até Washington para discutir com os conselheiros da Casa Branca o igualmente controverso plano de Trump para desfazer o acordo de livre comércio da América do Norte (NAFTA). Aliás, a cena lembrou a postura de Trump na sua inusitada visita ao México durante a campanha eleitoral: depois de falar de tudo menos do muro no seu encontro com o Presidente Peña Nieto, disse aos jornalistas que estava garantido o seu pagamento. “Ele ainda não sabe, mas quem vai pagar é ele.”

 

 

Num outro decreto, intitulado “promover a segurança pública dentro dos EUA”, o Presidente instruiu as agências respectivas a triplicar o número de agentes envolvidos em operações de detenção e deportação de clandestinos e a aumentar o número e o espaço dos centros de detenção de fronteira para mais rapidamente expulsar os clandestinos para os seus países. Trump quer ainda abrir mais 5000 vagas para a patrulha da fronteira – para já não se percebe como essa autorização se coaduna com a ordem de congelamento de todas as contratações em agências federais que assinou na segunda-feira.

 

 

Outra” incompatibilidade” que ficou por explicar diz respeito à diferença de opinião entre Donald Trump e o homem que escolheu para dirigir o departamento de Segurança Interna, o general (na reforma) John Kelly, sobre a utilidade e “eficácia” da construção de um muro na fronteira Sul do país. Nas audiências de confirmação no Senado, Kelly considerou que a infraestrutura não resolveria o problema da imigração. “Simplesmente não funciona”, afirmou.

 

E não é só com a construção de um muro que o Presidente dos Estados Unidos se propõe proteger o país das “ameaças” representadas pelo acesso de estrangeiros. Um outro decreto executivo assinado esta quarta-feira pretende acabar com as chamadas “cidades santuário” distribuídas pelo país: são localidades que se afirmam como refúgio para imigrantes não documentados e se eximem de cooperar com as autoridades federais nas deportações.

 

 

A Administração não facultou ainda o texto da directiva de Trump, mas explicou que a ordem é para suspender o financiamento federal das cidades que se identificam como “santuário”. Vários líderes locais garantiram já que não vão acatar a ordem presidencial. Após a eleição, o mayor de Phoenix, no Arizona, escreveu que o departamento de polícia da sua cidade “nunca se converteria numa força de deportação maciça, mesmo que o novo Governo de Washington ameace revogar todas as verbas federais a que temos direito. Jamais seremos coagidos a andar para trás no que diz respeito a direitos humanos e cívicos”, sublinhou Greg Stanton, citado pelo jornal The Republic.

 

 

Essa directiva, destinada a acelerar as deportações, pode não resistir à jurisprudência do Supremo Tribunal, que limita a discricionariedade do Governo nas transferências de verbas de programas federais – e à própria realidade. Ainda assim, vários estados do México começaram já a preparar-se para o eventual regresso a casa de milhares de cidadãos que vivem e trabalham do outro lado da fronteira: quase metade dos imigrantes (com visto e sem visto) nos EUA são mexicanos.

 

 

A 31 de Janeiro, Donald Trump vai receber o presidente do México, Enrique Peña Nieto, para debater “mudanças comerciais, a imigração e segurança”, segundo o porta-voz do presidente americano, Sean Spicer. Esta quarta-feira, numa sessão sobre as novas medidas de segurança nacional, Trump disse aguardar com expectativa o encontro com o líder mexicano, admitindo ter uma “grande admiração pelos mexicanos”.

 

 

Em Washington, Trump disse que os Estados Unidos enfrentam uma crise relativa à imigração ilegal “que afecta negativamente tanto o México como os EUA”. “As pessoas ficam surpreendidas ao ouvir que não precisamos de novas leis, que trabalharemos dentro do sistema existente”, disse o Presidente, considerando que uma das missões mais importantes do departamento de segurança nacional é o cumprimento dessas mesmas leis.

 

 

Na cerimónia no Departamento de Segurança Interna, o presidente anunciou que iria criar uma repartição para apoiar as vítimas de crimes relacionados com imigrantes ilegais, invocando o nome de alguns americanos que morreram desta forma. “Não tenho maior dever do que aquele de proteger as vidas dos cidadãos americanos”, concluiu.

 

 

Presidente do México está a “considerar” cancelamento da visita aos EUA

 

 

 

Na próxima semana está prevista uma visita do Presidente do México, Enrique Peña Nieto, aos EUA, mas o líder mexicano está a “considerar” cancelar essa deslocação, depois de Donald Trump ter assinado o decreto presidencial para a construção do muro entre os dois países, noticia a Associated Press citando uma fonte oficial.

 

Peña Nieto tem sido alvo de intensas críticas e pressão pela abordagem em relação ao agora Presidente dos EUA e às considerações e promessas que Trump tem feito em torno do México.

 

 

A fonte ouvida pela AP, que falou sob a condição de anonimato, apenas revelou que o Presidente do México está a “considerar” cancelar a viagem marcada para o próximo dia 31 de Janeiro.

 

 

Trump pôs a “América primeiro” e a China começou a liderar o mundo

 

 

 

A China está calmamente a concretizar a sua aspiração de assumir a liderança mundial, do comércio global às alterações climáticas, marcando a diferença entre a liderança segura de Xi Jinping em relação ao Presidente dos EUA, Donald Trump, cujos primeiros dias no cargo estão a ser marcados por polémicas com os media e protestos.

 

Dias depois de Trump ter tomado posse, um muito seguro Xi esteve na Suíça onde foi o principal orador do Fórum Económico Mundial de Davos, tendo defendido vigorosamente a globalização e sublinhando o desejo de Pequim ter um maior papel no palco mundial.

 

 

Até na questão espinhosa do Mar do Sul da China, Pequim não mordeu o isco que foram as declarações da Casa Branca, proferidas esta semana, sobre “defender territórios internacionais” em águas disputadas. Em vez disso, a China vincou o seu desejo de paz e pediu contenção a Washington.

 

 

“Vocês têm o vosso lema ‘América primeiro’, nós temos o nosso ‘Um destino comum para a humanidade’”, escreveu no seu blogue o general na reserva chinês Luo Yuan, uma figura de proa do aparelho militar chinês que era conhecido pelo seu tom agressivo. “Vocês têm o vosso ‘país fechado’, nós temos a nossa ‘uma via, uma rota’”, escreveu, referindo-se ao programa de biliões de dólares de comércio e investimento conhecido por Nova Rota da Seda.

 

 

E enquanto a China tem dito, repetidamente, que não deseja desempenhar o papel tradicional dos EUA como líder do mundo, um alto diplomata chinês admitiu esta semana que esse papel pode ser imposto à China. “Se alguém disser que a China está a assumir a liderança do mundo, eu digo que não é a China que se está a chegar à frente, mas os que estavam no primeiro pelotão que se chegaram para trás, deixando o lugar à China”, disse Zhang Jun, director-geral do departamento de economia do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

 

 

A mensagem foi reforçada esta semana quando Trump retirou os EUA do acordo de comércio Parceria Transpacífico (TTP, na sigla inglesa), distanciando o país dos seus aliados asiáticos. Vários membros do TPP disseram querer incluir a China no pacto, ou aderir ao acordo de comércio livre alternativo lançado por Pequim.

 

 

“Em muitos importantes fóruns multilaterais, o líder chinês tem apresentado as propostas da China, acrescentando ímpeto positivo para o desenvolvimento do mundo”, escreveu na edição internacional do Diário do Povo (oficial) Su Xiaohui, investigador do Instituto de Estudos Internacionais, apoiado pelo MNE de Pequim.

 

 

“No processo de integração económica da Ásia-Pacífico, comparado com certos países que constantemente recordam a sua liderança do mundo, aquilo a que a China dá mais importância é à ‘responsabilidade’ e à ‘aceleração’”, considerou Su.

 

 

Em Maio, a China vai realizar uma conferência internacional sobre a sua “Uma via, uma rota”, no que é a oportunidade de Pequim mostrar que lidera em infra-estruturas e investimento. Uma fonte diplomática que está por dentro dos preparativos disse que a China deverá realizar a conferência no mesmo imponente centro de conferências usado para a cimeira de Cooperação Económica Ásia-Pacífico no Verão de 2014, criando um palco para o acontecimento diplomático mais importante do ano promovido por Xi. “A China está a convidar toda a gente”, disse o diplomata.

 

 

Outra área em que a China gostaria de ser vista como líder são as alterações climáticas. Trump considerou-as um “esquema” e prometeu retirar os EUA do Acordo de Paris. Li Junhua, chefe do departamento do MNE chinês para as organizações internacionais e conferências, disse: “No que diz respeito à China, o meu Presidente deixou claro, bem claro, que a China vai cumprir a sua parte.”

 

 

Nem sempre foi assim. A China está a atravessar um longo e duro caminho de aprendizagem para se tornar uma potência mais responsável. Em 2013, a China, furiosa com Manila devido às disputas no Mar do Sul da China, enviou uma magra ajuda para as Filipinas, que tinham sido atingidas pelo super-tufão Haiyan, o que provocou uma rara dissidência por parte do influente, e estatal, jornal Global Times, que escreveu que a imagem da China seria afectada por isso.

 

 

Mas também não vai ser tudo um mar de rosas. Em certos temas-chave, como o estatuto de Taiwan, a China não recuará. Na primeira reacção à tomada de posse de Trump, o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros pediu à nova Administração para perceber a importância do princípio “uma China”, que Trump questionou, segundo o qual Washington reconhece a posição da China sobre a soberania de Taiwan.

 

 

A China também espera que a Administração Trump não toque numa questão que tem provocado fricção com Washington — os direitos humanos. A conta WeChat da edição para o estrangeiro do jornal do Partido Comunista Chinês, o Diário do Povo, notou com agrado que no discurso inaugural Trump não mencionou as palavras “democracia” e “direitos humanos”. “Olhando para trás, talvez estas coisas tenham sido demasiado empoladas pelos políticos americanos”, lia-se.

 

 

Trump quer reduzir papel dos EUA na ONU

 

 

 

A Administração Trump está a preparar um decreto para reduzir drasticamente ao papel dos EUA nas Nações Unidas e retirar o país de tratados multilaterais internacionais, noticia o New York Times.

 

A proposta é de retirar o financiamento a qualquer agência das Nações Unidas – ou organização internacional – que por exemplo aceite a Autoridade Palestiniana como membro de pleno direito, ou apoie programas que sirvam para dar a volta às sanções económicas conta o Irão e a Coreia do Norte. Em troca, é prometido um aumento de 40% no financiamento que sobrar para outras agências da ONU ou organizações internacionais.

 

 

Em causa estão organizações como o Tribunal Penal Internacional, ajuda ao desenvolvimento em “países que se opõem a importantes políticas dos Estados Unidos, “missões de manutenção da paz” e o Fundo das Nações Unidas para a População.

 

 

Outro decreto, vista pela agência Reuters, dá ordem ao Pentágono e ao Departamento de Estado para desenvolverem um plano para criar zonas seguras para civis dentro da Síria – algo que corresponde a um desejo há muito veiculado pela Turquia. São dados 90 dias a estes dois departamentos do Governo americano para criar um plano para instalar deslocados sírios, enquanto aguardam a recolocação definitiva, seja num outro país, ou no interior da Síria, diz o documento, citado também pelo New York Times.

 

 

TPT com: AFP//CNN///Jose Luis Gonzalez//EDGARD GARRIDO// Xi Jinping //Ben Blanchard// Kevin Lamarque//Reuters // New York Times//Claudia Carvalho Silva///Público// 25 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

 

Saiba tudo sobre o dia da tomada de posse do novo presidente dos Estados Unidos da América

É já esta sexta-feira que Donald Trump toma posse como 45.º presidente dos Estados Unidos, mas esta quinta-feira já há uma primeira cerimónia de boas vindas.

 

Quinta-feira

 

As cerimónias de boas-vindas começam já esta quinta-feira, dia 19 de janeiro, no memorial a Abraham Lincoln, em Washington, ao longo de todo o dia.

 

A cerimónia inclui, além de várias bandas universitárias e militares, que vão desfilar no jardim do memorial, a atuação, junto ao memorial, de uma série de celebridades. É o caso dos 3 Doors Down, de Toby Keith e dos The Piano Guys, os cabeças de cartaz da cerimónia. Vai ainda atuar Lee Greenwood, estrela da música country, que já marcou presença nas tomadas de posse dos presidentes republicanos Ronald Reagan, George Bush pai e George Bush filho.

 

 

Sexta-feira – 14h30

 

 

O primeiro momento da cerimónia oficial, que vai decorrer na escadaria da ala oeste do Capitólio, é um espetáculo musical, logo às 9h30 locais, 14h30 em Lisboa. Antes disto, contudo, Trump e Obama encontram-se na Casa Branca para descerem juntos a Pennsylvania Avenue, a avenida que liga a Casa Branca ao Capitólio, logo após um pequeno-almoço oferecido por Trump a um pequeno conjunto de convidados.

 

 

A cabeça de cartaz deste momento é Jackie Evancho, uma jovem cantora de 16 anos que ganhou notoriedade ao ficar em segundo lugar no programa de televisão America’s Got Talent. A jovem irá cantar o hino norte-americano no início da cerimónia. Já não é a primeira vez que Jackie Evancho canta em cerimónias presidenciais, recorda a CBS. Em 2010, cantou perante Barack Obama e a família, na cerimónia de iluminação da árvore de Natal da Casa Branca, e em 2012 atuou no Pequeno-Almoço Nacional de Oração, um evento anual de encontro entre empresários promovido pelo Congresso.

 

 

Neste momento vão ainda atuar dois coros, o Missouri State University Chorale e o Mormon Tabernacle Choir. O primeiro está confirmado desde outubro, ainda antes da eleição de Trump. Já o segundo coro, o Mormon Tabernacle Choir, viu-se a braços com um conjunto de polémicas ao aceitar o convite para participar na tomada de posse. A participação do conjunto na cerimónia motivou até a demissão de um dos cantores. Jan Chamberlin escreveu no Facebook que “nunca conseguiria atirar rosas a Hitler, e certamente nunca conseguiria cantar para ele [Trump]”, antes de sair do grupo coral.

 

 

Também polémica é a participação das Radio City Rockettes, um grupo de dança que atuou em ambas as tomadas de posse de George W. Bush. Algumas das bailarinas anunciaram que não queriam participar na cerimónia. Uma chegou mesmo a escrever no Instagram: “A decisão de atuar perante um homem que representa tudo aquilo que nós somos contra é assustadora”. A empresa que detém o grupo de dança emitiu depois um comunicado às bailarinas, no qual as obrigava a participar. “Vocês são funcionárias, e, enquanto empresa, o sr. Dolan quer obviamente que as Rockettes estejam representadas na inauguração presidencial do nosso país, tal como estiveram em 2001 e em 2005”. A bailarina Amanda Duarte respondeu a este email através do Facebook: “É perfeito. O que se adequaria mais a esta tomada de posse do que obrigar um grupo de mulheres a fazer uma coisa com os seus corpos que vai contra a sua vontade?”. A verdade é que o grupo irá mesmo atuar, mas num regime de voluntariado — só as bailarinas que quiserem é que irão participar na atuação para Trump.

 

 

Sexta-feira – 16h30

 

 

Depois do momento musical que dá início à tomada de posse, começam as intervenções. A abertura será feita pelo senador Roy Blunt, do estado do Missouri, que é o responsável pelo comité organizador da tomada de posse.

 

 

Sexta-feira – 17 h

 

 

Está marcado para esta hora o momento em que Donald Trump se vai tornar presidente dos Estados Unidos da América. Mas antes, é Mike Pence que faz o seu juramento como vice-presidente, perante o juiz Clarence Thomas, do Supremo Tribunal de Justiça. Depois de uma atuação do Mormon Tabernacle Choir começa então o juramento de Trump. O presidente-eleito vai fazer o juramente com a mão em cima de duas cópias da Bíblia. Uma sua, a que guarda desde criança, e ainda outra, a Bíblia de Lincoln, que pertenceu ao presidente Abraham Lincoln e que está guardada na biblioteca do Congresso. E vai dizer o seguinte:

 

 

I do solemnly swear that I will faithfully execute the Office of President of the United States, and will to the best of my ability, preserve, protect and defend the Constitution of the United States.”

 

 

Que significa: “Eu prometo solenemente que irei desempenhar fielmente as funções de Presidente dos Estados Unidos, e irei dar o meu melhor para preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos”.

 

 

Depois deste momento, vai ouvir-se o Hail to the Chief, o hino do presidente dos Estados Unidos, e Trump vai saudar a multidão presente na avenida. Logo de seguida, Donald Trump irá fazer o seu primeiro discurso como presidente dos EUA, que, segundo o Politico, se deverá focar na agenda para os primeiros 100 dias de governo. Logo de seguida, Barack e Michelle Obama vão acenar à multidão e abandonar o Capitólio.

 

 

Sexta-feira – Almoço

 

 

Depois do discurso inaugural, Trump, Pence e os membros da equipa presidencial vão juntar-se num almoço, no Capitólio, oferecido a um conjunto de convidados, que deverá estender-se até ao início da tarde e que contará com atuações musicais e um menu elaborado, escreve o The New York Times.

 

 

Sexta-feira – Tarde

 

 

Após o almoço, o recém-empossado presidente irá proceder pela primeira vez à revista das tropas, ainda à saída do Capitólio. Depois, Trump e Pence seguem à cabeça da parada inaugural, com “milhares de militares, representantes de cada ramo”, segundo o mesmo jornal. O presidente e o vice-presidente chegam depois à Casa Branca e assistem ao resto da parada militar a partir de uma escadaria instalada no local.

 

 

Sexta-feira – Fim da noite

 

 

A noite acaba com três bailes em simultâneo: dois oficiais, no centro de convenções Walter E. Washington, e um outro para as forças armadas. Donald Trump deverá aparecer nos três bailes, para discursar e para dançar com a sua mulher, Melania Trump.

 

 

Os pormenores a que vamos estar atentos na tomada de posse de Donald Trump

 

 

À medida que se aproxima o momento em que Donald Trump se torna oficialmente presidente dos Estados Unidos, as atenções voltam-se para a cerimónia do juramento constitucional. O dia vai ser cheio mas há pormenores que vão saltar à vista, e questões que ainda estão por responder.

 

Como vai reagir, por exemplo, Hillary Clinton, que estará na tribuna a poucos metros de Trump, devido à sua condição de antiga primeira-dama? E outros, mais mundanos: Trump vai ou não dizer so help me God no fim do juramento. É para estes momentos que as câmaras vão apontar esta sexta-feira.

 

 

Com ou sem “so help me God”?

 

 

I do solemnly swear that I will faithfully execute the Office of President of the United States, and will to the best of my ability, preserve, protect and defend the Constitution of the United States.”

 

 

“Eu prometo solenemente que irei desempenhar fielmente as funções de Presidente dos Estados Unidos, e irei dar o meu melhor para preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos”. Esta é a fórmula que a Constituição prevê para o juramento da posse do presidente. Sem o famoso so help me God, ou “que Deus me ajude”, que todos os presidentes desde Franklin D. Roosevelt, que tomou posse em 1933, têm acrescentado no final do juramento.

 

 

A verdade é que há um artigo na Constituição norte-americana, conhecido como No Religious Test Clause, que determina que nenhum juramento religioso deverá ser exigido a quem ocupe um cargo público. A tradição diz que foi George Washington, o primeiro presidente dos EUA, a dizer a expressão ao jurar fidelidade à constituição, mas, segundo os historiadores, trata-se apenas de um mito. Resta saber se Donald Trump irá ou não dizê-la.

 

Duas bíblias

 

 

A utilização da Bíblia no juramento também não é uma imposição constitucional, mas é uma tradição desde a fundação do país, quando George Washington fez o seu juramento sobre uma Bíblia. Contam-se, aliás, pelos dedos das mãos os presidentes que não utilizaram a Bíblia no juramento: Theodore Roosevelt, em 1901, foi o primeiro a romper com a tradição, seguido de John Quincy Adams e Franklin Pierce, que utilizaram o texto da Constituição. Outra exceção foi Lyndon Johnson, que fez o juramento com a mão sobre um missal, a bordo do Air Force One, numa cerimónia improvisada após o assassinato de John F. Kennedy.

 

Barack Obama também fez o seu juramento com a mão em cima de duas cópias da Bíblia.

 

 

Esta sexta-feira, e à semelhança do que alguns presidentes já têm feito, Donald Trump vai jurar com a mão em cima de duas cópias da Bíblia. Uma delas é a chamada Lincoln Bible, que foi a utilizada por Abraham Lincoln, no seu juramento, em 1861. Atualmente, este exemplar está guardado na biblioteca do Congresso dos EUA. A outra Bíblia que estará sob a mão de Donald Trump quando o juiz John G. Roberts presidir ao juramento é a que o presidente eleito guarda desde criança.

 

 

Juramento com Hillary a poucos metros

 

 

Um dos detalhes mais aguardados na cerimónia está relacionado com Hillary Clinton. É que a candidata derrotada por Trump é também a antiga primeira-dama dos EUA, mulher de Bill Clinton, motivo que a levará a estar na tribuna a poucos metros de Donald Trump durante o juramento. O momento inédito deverá ser seguido ao detalhe pelas máquinas fotográficas, já que, como escreve a Associated Press, Hillary deverá “tentar manter uma cara de póquer”. O que se pode revelar uma tarefa difícil, caso Trump se refira a ela durante o discurso.

 

A plataforma onde Donald Trump vai fazer o juramento já está a ser preparada. Hillary Clinton vai ficar pouco atrás, junto ao seu marido, Bill Clinton, e aos outros antigos presidentes norte-americanos

 

 

Estilista para Melania? Tarefa difícil

 

 

Arranjar um estilista para vestir a nova primeira-dama não foi tarefa fácil. Depois de vários terem recusado, a imprensa especializada avança que havia dois estilistas a trabalhar nas roupas de Melania para o fim de semana: Ralph Lauren e Karl Lagerfeld. Mas o facto de tantos designers terem recusado vestir Melania, como recorda a AP, é político. São estilistas que discordam das ideias políticas de Trump e que não querem ver o seu nome associado à administração.

 

O presidente eleito chegou a desvalorizar o assunto, ao afirmar que Melania não queria ser vestida por quem discorda do marido. É um dos grandes mistérios do dia, e só será desvendado amanhã.

 

 

A música que Fiona Apple compôs para protestar contra Trump

 

 

No sábado, dia em que ainda se vivem os últimos momentos das cerimónias de tomada de posse de Trump, vai realizar-se uma marcha de protesto em defesa dos direitos das mulheres, em Washington. Segundo a revista Time, deverão participar cerca de 200 mil pessoas na manifestação, e uma das palavras de ordem será “We Don’t Want Your Tiny Hands, Anywhere Near Our Underpants”, que se traduz em qualquer coisa como “não queremos as tuas mãos pequenas perto das nossas cuecas”. Trata-se de uma música composta especialmente para a ocasião pela cantora Fiona Apple, gravada com um telemóvel:

 

 

“Números recorde”? Nem por isso

 

 

Donald Trump escreveu, num tweet, que se dirigem para Washington pessoas “em números recorde”. A verdade é que, escreve a AP, ainda há muitos quartos de hotel por alugar. A primeira tomada de posse de Barack Obama, em 2009, teve cerca de 1,8 milhões de pessoas nos jardins a assistir, e tudo indica que a cerimónia de posse de Trump não se aproxime deste valor. Ainda assim, Trump insiste no apoio que terá, sobretudo dos Bikers for Trump, ciclistas apoiantes do novo presidente que querem proteger os restantes apoiantes “com um muro de carne”.

 

As estrelas que (não) vão ao concerto inaugural de Trump

 

 

Amanhã, dia 20 de janeiro de 2017, Donald Trump toma posse e passa a ser o 45º presidente dos Estados Unidos da América. Um dia antes acontece o concerto inaugural com o mote “Tornar a América grande novamente” — slogan da campanha presidencial –, no Monumento Lincoln. E de entre as estrelas que vão marcar presença no evento, Trump é sem tirar nem pôr a maior delas, isto depois de nomes sonantes terem recusado o seu convite.

 

 

Andrea Boceli, Elton John e Celine Dion são alguns dos artistas que foram convidados a comparecer na cerimónia e são, também, alguns dos que disseram “não”.

 

 

O concerto vai ser transmitido à nação norte-americana em direto e vai contar o músico de countryToby Keith — que já se defendeu dizendo que tocou em eventos tanto para Obama como para Bush –, o grupo The Piano Guys, o DJ Ravi Drums e a banda de rock3 Doors Down, entre outros nomes.

 

 

O presidente-eleito vai falar no concerto e está ainda prevista a aparição de Jon Voight, pai da atriz Angelina Jolie e apoiante assumido de Trump.

 

 

De referir que, tal como lembra a CNN, quando foi a vez de Barack Obama, em 2009, foram várias as participações, desde Jon Bon Jovi e Bruce Springsteen a Mary J. Blige, U2, Stevie Wonder e até Tom Hanks.

 

 

Escreve o espanhol El Mundo que, desta vez, as grandes estrelas vão primar pela ausência.

 

 

TPT com: AFP//Washington Post//FOX// KEVIN DIETSCH/POOL/EPA// SAUL LOEB/AFP//João Francisco Gomes//Observador// 19 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

 

Como Trump conquistou a América: primeiro foi o imobiliário, depois a capa da Playboy

A obsessão por Nova Iorque e os planos que levaram à construção de um dos mais famosos arranha-céus da cidade: a Trump Tower. O negócio do Hyatt, do Commodore e as histórias à volta da Penn Station. O casamento com a primeira mulher, Ivana, o divórcio e o luxo que rodeava uma vida de ambição. Sempre com os olhos postos no poder e com dedos apontados aos imigrantes.

 

 

 

Este é o capítulo da biografia “Trump Revelado”, agora publicado em Portugal pela Planeta — e assinado pelos jornalistas Michael Kranish e Marc Fisher — que recorda os momentos fundamentais na transformação de Donald Trump num dos nomes mais influentes do negócio do imobiliário a nível mundial. Chegar à capa da Playboy em março de 1990 tornou-se quase inevitável.

 

“A cidade de Nova Iorque estava desesperada por dinheiro e em perigo de insolvência. No início dos anos de 1970, a cidade perdeu 250 mil empregos, o que esventrou a sua base de colecta de impostos, apesar de os custos dos serviços na cidade terem subido em flecha1 . O assessor de imprensa do presidente Gerald Ford, Ron Nessen, comparou a dependência da cidade da ajuda federal a «uma filha rebelde viciada em heroína» . Era uma época miserável para se ser construtor. Em 1971, o ano em que Donald se mudou para Manhattan, a ocupação hoteleira caiu para 62 por cento, o ponto mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1975, cortes obrigaram a cidade e o Estado a parar a construção de novas casas subsidiadas, a base do negócio da família Trump . No escritório do pai, na Avenue Z, Donald estava desejoso de se libertar da construção de casas básicas para famílias de classe média nos subúrbios. Quando Fred Trump se expandiu para lá de Brooklyn, foi para comprar terrenos baratos de vendedores desesperados da Califórnia, do Nevada, do Ohio e da Virginia. Donald queria algo maior. Há muito que instava o pai a aceder às dezenas de milhões de dólares que tinha de capital próprio acumulado em mais de 80 edifícios de apartamentos, para usar esse valor para investir em Manhattan, onde estava a acção. Donald andava pela rede urbana, a avaliar edifícios, a sonhar acordado com aquilo que faria com cada lote.

 

 

 

Fred Trump era cauteloso sobre a despesa e a dificuldade de construir em Manhattan, mas Donald não conseguia afastar‑se do sítio que o cativava desde a infância.

 

 

 

Enquanto a cidade de Nova Iorque se desmoronava, ele viu a oportunidade que iria mudar‑lhe a vida. A Penn Central, a outrora gigante dos caminhos‑de‑ferro, estava a afundar‑se. Em 1970, naquele que era, na época, o maior caso de falência na história dos Estados Unidos, a empresa de caminhos‑de‑ferro tinha precisado de um resgate de emergência de $300 milhões, de 53 bancos. Agora, os credores estavam desejosos de desmembrar a Penn Central e de vender as suas partes mais lucrativas, incluindo alguns dos maiores traçados ao ar livre de Manhattan: muitos estaleiros de comboios no meio da cidade e em Upper West Side. A falência da sociedade de caminhos‑de‑ferro despertou o interesse de xeques árabes, de banqueiros e de quem procurava terrenos para hotéis. Mas alguns sítios eram mais atraentes do que outros. A Penn Central possuía quatro outrora bons hotéis no centro da cidade, que há muito que tinham entrado em degradação. Foram feitas muitas ofertas por algumas das propriedades, mas o decrépito e infestado Hotel Commodore, cheio de ratos, na East 42 St., mesmo ao lado do terminal da Grand Central, não recebeu nenhuma oferta.

 

 

 

Três das propriedades da Penn Central tinham cativado a imaginação de Trump: uma faixa junto ao rio Hudson, das ruas 59 à 72, um estaleiro invulgar na 34, e o Commodore, o hotel mais deplorável, que Trump acreditava que era uma jóia subvalorizada. No Verão de 1974, Trump começou a apresentar propostas para estas propriedades, dizendo ao The New York Times que planeava comprá‑las por mais de $100 milhões. Embora o Times o tratasse como um «importante construtor de Nova Iorque», ele ainda não tinha o dinheiro para comprar as propriedades. Mesmo assim, começou a cortejar o homem que estava encarregado de vender os bens da Penn Central. Trump até lhe enviou uma televisão como presente de Natal, entregue pelo motorista. O funcionário recusou o presente. Trump teve mais sorte a usar a reputação do pai. Donald coordenou uma reunião com o homem dos caminhos‑de‑ferro e o mayor de Nova Iorque, Abe Beame, um amigo de longa data do pai. Beame abraçou ambos os Trump e afirmou: «Em tudo aquilo que Donald e Fred desejarem, têm todo o meu apoio».

 

 

 

Trump era um novato na construção, mas já era perito a dar a volta aos opositores. David Berger, um advogado que representava os accionistas dos caminhos‑de‑ferro, opôs‑se inicialmente a vender a Trump o Commodore, mas, num momento crucial das negociações, Berger passou a apoiar a proposta de Trump. Uns anos mais tarde, investigadores federais questionaram se a mudança súbita de Berger estava relacionada com a decisão de Trump de o ajudar num processo não relacionado, de $100 milhões, interposto pelos senhorios de Nova Iorque contra nove grandes empresas petrolíferas por estas combinarem os preços do combustível para aquecimento. A investigação federal acabou sem haver acusados. Tanto Trump como Berger negaram ter havido qualquer contrapartida.

 

 

 

Em Março de 1975, um juiz questionou se os mandatários da Penn Central tinham dado aos outros construtores que queriam os terrenos dos caminhos‑de‑ferro a mesma oportunidade que tinham dado a Trump. Mas o tribunal aprovou, mesmo assim, um acordo que dava a Trump uma opção para desenvolver a propriedade na 34th St., onde ele planeava construir um centro de convenções financiado pela cidade e 20 mil apartamentos, criando de uma só vez um império rival ao do pai.

 

 

 

O plano dos apartamentos colapsou rapidamente, mas Trump avançou com o centro de convenções ao usar um conhecimento na política.

 

 

 

Em 1974, contratou Louise Sunshine, na altura a principal angariadora de fundos para a campanha de Hugh Carey para governador, para o ajudar a persuadir os líderes da cidade a construir o seu centro de convenções nos estaleiros de caminhos‑de‑ferro de que Trump tinha agora opção. Donald e o pai eram grandes apoiantes de Carey, tendo doado mais de $135 mil (o equivalente a quase $390 mil em 2016) à campanha, mais do que qualquer outra pessoa, excepto o irmão do candidato.

 

 

 

Em 1978, a cidade decidiu construir o seu centro de convenções na 34th St. e Trump defendeu que a sua opção sobre a propriedade lhe dava o direito a uma comissão de mais de $4 milhões. Mas ofereceu se para abdicar desse valor se a cidade chamasse às instalações Centro de Convenções Fred C. Trump.

 

 

 

Donald conheceu Sunshine quando, depois de Carey ter sido eleito governador, Trump pensou que ela lhe poderia conseguir uma matrícula personalizada com as suas iniciais – na altura um raro privilégio. Tinha razão. Todas as manhãs, Donald ia de Manhattan a Brooklyn, agora numa limusina Cadillac com motorista e matrículas a dizer DJT – a sua versão do Cadillac azul do pai, com as iniciais FCT. Sunshine tornou‑se uma das mais eficazes defensoras do jovem construtor. «Toda a gente pensava que Donald era um jovem insolente e agressivo», disse Sunshine. «Era eu que fazia o Donald entrar em todo o lado […] independentemente de quem fosse, porque eles não conheciam realmente o Donald. Eu era o factor de credibilidade do Donald.»

 

 

 

Trump não tinha vergonha de usar os conhecimentos políticos de Sunshine. Ele tinha a ideia de comprar o World Trade Center, que era propriedade da Port Authority of New York. Pediu para se encontrar com o director executivo, Peter Goldmark, e durante o almoço no café dos executivos da Port Authority, no quadragésimo terceiro andar, Goldmark pressionou Trump para lhe dar pormenores sobre que tipo de negócio tinha em mente. Trump ficou‑se pelas generalidades. Sendo um novo jogador na cidade, Trump era um candidato improvável para tomar conta das icónicas torres e muitos outros promotores imobiliários já tinham demonstrado interesse nos edifícios. Mas as hipóteses de Trump dispararam em flecha quando ele começou a usar os seus conhecimentos. «Ele ameaçou: “Não se aguentava muito no seu cargo se o governador Carey decidisse que não estava a fazer as coisas da forma correcta neste caso”», recordou Goldmark. «“Tem de saber que eu tenho muito peso em Albany”.» Trump usou o nome de Sunshine. «Assim que ele fez as ameaças, deixei claro que não queria continuar a conversa», disse Goldmark.

 

 

«Ele esperava que eu ficasse a tremer.» Trump nega a versão de Goldmark, dizendo: «Eu não falo dessa maneira.»

 

 

 

Um Trump na cidade

 

 

 

 

 

Em 1978, a cidade decidiu construir o seu centro de convenções na 34th St. e Trump defendeu que a sua opção sobre a propriedade lhe dava o direito a uma comissão de mais de $4 milhões. Mas ofereceu‑se para abdicar desse valor se a cidade chamasse às instalações Centro de Convenções Fred C. Trump. A cidade estava a considerar a ideia quando, um mês depois, um funcionário reviu o contrato de Trump com a Penn Central e reparou que, na realidade, ele tinha direito a receber um décimo daquilo que estava a exigir. A cidade acabou por pagar a Trump $833 mil de comissão quando comprou o terreno para o Centro de Convenções Jacob K. Javits. Trump não negou este relato, mas disse: «Se alguém tivesse vindo ter comigo da forma correcta, eu teria abdicado da minha comissão sem pedir que pusessem o nome do meu pai no edifício. Mas não vieram.»

 

 

 

Ao ganhar o direito de reconstruir o Hotel Commodore, Trump ganhou uma esquina de Grand Central, um bairro arruinado que até ele acreditava que era um desastre. O crime estava em crescimento no centro da cidade e cada vez menos passageiros usavam as linhas de metro sob a Grand Central. O edifício Chrysler, o marco de art déco do bairro, mesmo em frente ao Commodore, acabou por fechar. A Texaco, o seu principal inquilino, acabou por seguir algumas outras das maiores empresas norte‑americanas que fugiram para os subúrbios.

 

 

 

O hotel de 1900 quartos, um dos maiores de Nova Iorque, era uma tristeza para os olhos, após o negócio ter sido esmagado pela substituição pós‑guerra dos comboios de luxo pelos aeroportos e as auto‑estradas.

 

 

 

Quando abriu, em 1919, o hotel – designado em honra do «Commodore» Cornelius Vanderbild, o barão ladrão que se tornou um dos primeiros magnatas celebridade na América – exibia um lobby palaciano e o maior quarto de Nova Iorque, adornado ao estilo de um pátio italiano, incluindo uma cascata interior. No lounge, funcionários afixavam nas paredes os preços actualizados das acções e noutra sala havia uma orquestra.

 

 

 

Modernizar o Commodore ia ser uma tarefa gigantesca. O hotel não tinha garagem. As fundações, atravessadas por duas linhas de metro, não podiam ser acrescentadas. Os quartos eram demasiado pequenos para converter em apartamentos e não tinha instalação moderna de gás nem de electricidade. Os quartos estavam vazios metade do tempo e as poucas lojas para a rua incluíam uma questionável casa de massagens chamada Relaxation Plus (relaxamento mais). («Ninguém falava sobre o que o Mais significava»36, brincava Trump.) Um perito imobiliário estimou que o edifício valia «o verdadeiro valor do terreno menos o custo da demolição» – noutras palavras, nada. A perder $1,5 milhões por ano, o encerramento do hotel estava previsto para o Verão de 1976, por volta da altura em que a cidade devia receber a Convenção Nacional Democrática, em Madison Square Garden.

 

 

 

Fred Trump tinha dúvidas sobre o plano do filho. O pai nunca tinha compreendido a atracção de Manhattan, que originava alguns dos mais elevados preços de terreno do mundo e as maiores chatices de construção. «Comprar o Commodore numa altura em que o Chrysler Building está em liquidação judicial», disse ele, «é como lutar por um lugar no Titanic.» Mas Donald estava determinado.

 

 

 

 

«Sou basicamente um optimista», disse ele, «e vi o problema da cidade como uma grande oportunidade para mim. Por ter crescido em Queens acreditava, talvez até um grau irracional, que Manhattan ia ser sempre o melhor lugar para viver – o centro do mundo.»

 

 

 

 

Apesar das dúvidas, Fred apoiou‑o, disponibilizando o seu próprio capital para o sucesso do filho – um sinal de que embora o pai não tivesse qualquer interesse em investir em Manhattan, ele ficaria sempre ao lado do filho, ajudando‑o em momentos cruciais nos anos de formação da carreira de Donald. Fred seria sempre também fiador dos empréstimos do Manufacturers Hanover Trust, garantindo que os banqueiros seriam pagos mesmo que os negócios de Donald colapsassem.

 

 

 

Para o plano de Donald ter sucesso, a Penn Central tinha de lhe vender o hotel, a burocracia de Nova Iorque tinha de aprovar a sua abordagem e dar‑lhe isenção fiscal, uma empresa de gestão tinha de se associar a ele para administrar o hotel e os bancos tinham de lhe avançar o dinheiro para pagar tudo. Donald cortejou a Hyatt, a cadeia de hotéis da riquíssima família Pritzker, para gerir o remodelado Commodore. Desde que abrira o seu primeiro hotel perto do aeroporto de Los Angeles, a empresa tinha explorado a sua popularidade, mas ficava atrás dos seus rivais num aspecto fundamental: não tinha nenhum hotel em Nova Iorque. Trump lançou uma ofensiva de charme. Antes de almoçar com Ben Lambert, um investidor imobiliário amigo dos Pritzker, Trump deu ao potencial parceiro uma boleia na sua limusina (que na realidade era alugada pela empresa do pai). No banco traseiro, tinha disposto rascunhos do plano de renovação. Trump sugeriu que o hotel beneficiaria de impostos imobiliários muito reduzidos – uma ideia atraente, mas um negócio que ele ainda não tinha assegurado.

 

Trump em novembro de 1990, na Quinta Avenida, Nova Iorque

 

 

 

Trump enganou a cidade, os vendedores e a cadeia de hotéis uns a seguir aos outros, utilizando um para alavancar o acordo com o outro. Assegurou aos negociadores da Penn Central que tinha um negócio sólido com o Hyatt quando não tinha e os caminhos‑de‑ferro deram‑lhe uma oportunidade exclusiva e não vinculativa para comprar a propriedade de $10 milhões. Trump não tinha os $250 mil de que necessitava para assegurar a posição, quanto mais o dinheiro para financiar o projecto de $70 milhões. O pai até tinha tido de lhe adiantar dinheiro para ele contratar um arquitecto. Mas em Maio de 1975, Trump convocou mesmo assim uma conferência de imprensa. Ao lado do co‑fundador do Hyatt, Jay Pritzker, Trump apresentou as elaboradas alterações da renovação do Commodore: 1400 quartos, 6,5 mil metros quadrados de espaço, um deslumbrante átrio ao estilo Hyatt e paredes de espelho a revestir o esqueleto envelhecido do hotel. Trump anunciou que tinha um contrato assinado com a Penn Central para comprar o hotel. Estava assinado, mas apenas por ele, porque ainda precisava de pagar 250 mil dólares. Depois, fez um truque de ilusionismo de que mais tarde se haveria de gabar. Quando um funcionário da cidade lhe pediu provas do compromisso da Penn Central, Trump enviou aquilo que parecia um acordo com os ven‑ dedores. Trump depois usou a consequente autorização da cidade para concretizar o negócio com a Hyatt.

 

 

 

Mostrem-me o dinheiro

 

 

 

Agora, Trump precisava de dinheiro. Sem garantias para apoiar a dívida, teve dificuldade em persuadir os bancos a adiantar‑lhe um empréstimo para construção. Após uma rejeição, Trump quis desistir. Disse ao seu agente imobiliário: «Vamos pegar neste negócio e enterrá‑lo.» Mas Trump, que cresceu a ver o pai a construir um império baseado em empreendimentos subsidiados, foi salvo pela primeira isenção fiscal de Nova Iorque a uma propriedade comercial. A Urban Development Corporation – uma agência quase na falência, lançada em 1968 para construir habitações integradas – tinha o poder de isentar as propriedades de impostos. Podia comprar o hotel por 1 dólar, depois arrendá‑lo a Trump e à Hyatt por 99 anos – um acordo que pouparia a Trump uns estimados $400 milhões durante os 40 anos seguintes. Sunshine ajudou Trump a conseguir uma reunião com o presidente da UDC, Richard Ravitch, que tinha crescido no sector da construção. O pai de Ravitch, Saul, era o fundador da HRH Construction, que Fred Trump tinha contratado para construir a Trump Village. Agora, Ravitch viu que o jovem Trump tinha uma forma diferente de fazer negócios. Donald foi ver Ravitch e disse‑lhe que tinha comprado o Commodore para o converter num Grand Hyatt. «Quero que me dê uma isenção de impostos», disse Trump.

 

 

 

Um Hyatt seria óptimo para a cidade, respondeu Ravitch, mas o projecto não se qualificava para uma isenção fiscal porque seria provavel‑ mente viável por si próprio. Trump levantou‑se e repetiu o pedido: «Quero uma isenção.» Quando Ravitch voltou a negar dar apoio à ideia, Trump disse: «Vou fazer com que seja despedido», e saiu do escritório, contou Ravitch. (Trump negou o relato de Ravitch e chamou‑lhe «uma pes‑ soa altamente sobrestimada».) Hoteleiros rivais concordaram com Ravitch e opuseram‑se àquilo que viam como um acordo chorudo para Trump. A Hotel Association of New York disse que os membros pagavam mais de $50 milhões por ano em impostos imobiliários e perguntou por que um jovem construtor impertinente, que nunca tinha construído um hotel e que não ia investir nenhum dinheiro próprio, merecia ajuda.

 

 

 

No dia anterior à influente autoridade nova‑iorquina sobre o uso dos terrenos, o Board of Estimate, votar a isenção fiscal, três legisladores de Manhattan convocaram uma conferência de imprensa à porta do hotel para exigir que a cidade procurasse um acordo melhor. Quando os políticos terminaram, Trump, que tinha aparecido para refutar os seus argumentos, disse aos jornalistas que se a cidade não aprovasse a ajuda, ele retirava‑se e o Commodore ficava a apodrecer. Para dramatizar o quão decrépito o Commodore ficaria sem ele, Trump tinha instruído os seus funcionários para substituírem as tábuas limpas que cobriam os vidros do hotel por madeira velha e suja.

 

 

 

Na realidade, havia outros investidores interessados no hotel, que se tinham oferecido para o renovar, pagar mais em impostos e partilhar mais dos lucros com a cidade do que Trump. Mas as ofertas alternativas foram ignoradas por causa do contrato que Trump tinha com a Penn Central – embora esse acordo ainda não estivesse assinado e concluído.

 

 

 

Em última análise, a opção de compra de Trump, a sua energia, os conhecimentos políticos e as promessas de partilha de lucros viraram a desesperada cidade a seu favor. Algumas semanas depois de os últimos turistas saírem do Commodore, o Board of Estimate concordou em abdicar de todos os impostos imobiliários, desde que o projecto de Trump fosse gerido como um hotel de «primeira classe». Trump exibiu a sua vitória no Times, gabando‑se da sua «criatividade financeira» ao poupar nos impostos e deixando clara a distinção entre o sucesso do pai e as suas próprias ambições em Manhattan: «O meu pai conhecia Brooklynn muito bem e conhecia Queens muito bem. Mas agora essa psicologia acabou.»

 

 

 

Trump tinha garantido ao Times que valia mais de $200 milhões, embora um ano antes os negociadores da Penn Central tivessem estimado que o capital próprio da família Trump era de cerca de $25 milhões, todos sob o controlo de Fred. Em Dezembro de 1976, um mês depois de aquele artigo ser publicado, Fred Trump abriu oito fundos para os filhos e netos e transferiu 1 milhão de dólares para cada um. Durante os cinco anos seguintes, Donald recolheria $440 mil de juros só desse fundo.

 

 

 

Apesar de ter vencido a batalha do Commodore, Trump mantinha um ressentimento contra aqueles que se lhe tinham oposto. Cinco anos depois da reunião contenciosa de Trump com Ravitch, o Conselho da Metropolitan Transportation Authority, onde Ravitch se tinha tornado presidente, disse‑lhe que o advogado buldogue de Trump queria que a MTA gastasse fundos dos contribuintes para ligar o Commodore à estação de metro da 42nd St. Ravitch era contra. Na manhã seguinte, o mayor Ed Koch chamou‑o e perguntou‑lhe: «O que é que você fez ao Donald Trump? Ele quer que eu o despeça.» Ravitch referiu aquilo que o mayor já sabia: Ravitch tinha sido nomeado pelo governador. Ele mantinha o cargo.

 

 

Trump não atravessou a ponte apenas para construir um negócio. Ele também queria o estilo de vida de Manhattan. Tinha agora três quartos e vivia nos apartamentos Phoenix, na 65th St., a um quilómetro e meio de distância do Commodore, em direcção à alta da cidade.

 

 

 

Em 1977, enquanto Trump lutava para arranjar empréstimos, a cidade de Nova Iorque continuava a decair. A crise financeira tornou‑se mais grave. Um assassino em série, conhecido como Filho de Sam, aterrorizava a cidade. Durante uma vaga de calor em Julho, um apagão histórico deixou a cidade na escuridão, dando origem a incêndios devastadores, pilhagens de lojas e detenções. Mas a verdadeira ameaça a Trump era bem mais subtil. O mayor Beame, um amigo de longa data de Fred Trump e um forte apoiante do projecto de Donald, perdeu a reeleição para Koch, um assumido adversário da generosidade e do favoritismo políticos. A redução fiscal de Trump estava de repente em risco. Mas foi salva de novo quando Trump descobriu um aliado fundamental em Stanley Friedman, o número dois de Beame. Com a sua barbicha e um charuto Te‑Amo Toro sempre entre os dentes, Friedman era uma caricatura de Hollywood de um manda‑chuva da cidade. O seu ADN tinha lá escrito Nova Iorque. Cresceu no Bronx, era filho de um taxista chamado Moe, andou na escola pública, no City College e na Brooklyn Law School. Em Trump, Friedman viu outro tipo dos subúrbios a tentar estabelecer‑se em Manhattan, onde já se tinham cruzado em sítios como o Le Club e o Maxwell’s Plum.

 

 

 

Na última semana do mandato de Beame, em 1977, Friedman trabalhou intensamente, com maratonas de reuniões, para selar o acordo do Commodore. Na altura em que Beame abandonou o cargo, o apoio pago pelos contribuintes ao hotel de Trump tinha sido tornado à prova de bala – e Friedman tinha encontrado um novo emprego, na firma de advogados de Roy Cohn. «O Grand Central estava a transformar‑se no Times Square – um bairro moribundo», disse Friedman. «Independentemente de quem fosse o dinheiro que ele ia usar – o da cidade, o seu próprio ou o da Hyatt –, ele ia pegar num edifício de porcaria e criar uma operação de primeira classe. Era a coisa mais importante feita na cidade nos últimos anos.»

 

 

 

New York, New York

 

 

 

Trump não atravessou a ponte apenas para construir um negócio. Ele também queria o estilo de vida de Manhattan. Tinha agora três quartos e vivia nos apartamentos Phoenix, na 65th St., a um quilómetro e meio de distância do Commodore, em direcção à alta da cidade. Quando Mike Scadron, o amigo da academia militar, o visitou, ficou surpreendido pela pouca mobília que havia no apartamento – uma parede de espelho, um tapete felpudo, uma pequena mesa de vidro e uma representação do Commodore. A atenção de Trump estava focada em ser bem‑sucedido na grande cidade. Disse a Scadron que ia ultrapassar o sucesso do pai ao conquistar Manhattan, onde Fred Trump nunca tinha colocado um tijolo. Noutra altura, no escritório da Avenue Z, Scadron tinha assistido ao confronto entre pai e filho, «a falarem um por cima do outro. Podiam estar em salas separadas. Donald tinha algo a provar.» Mas, de regresso ao apartamento de Donald, havia um outro objecto com destaque: uma foto da nova namorada de Trump.

 

 

 

A história de como Trump e Ivana Zelníbková Winklmayr se conhe‑ ceram tem duas versões. Trump lembra‑se de os dois se terem visto pela primeira vez nos Jogos Olímpicos de Verão de Montreal, em 1976. Ivana, de acordo com a história oficial, tinha sido membro da equipa checa olímpica de esqui em 1972, em Sapporo, no Japão. Ambos os Trump o referiram a determinada altura. Mais tarde, Trump escreveu que Ivana era uma substituta na equipa olímpica. Mas quando a revista Spy entrevistou o secretário do comité olímpico checo, ele disse que não tinha essa pessoa nos seus registos.

 

 

 

A história mais popular sobre como o casal se conheceu tem Trump a apresentar‑se a Ivana na fila à porta do Maxwell’s Plum, o famoso bar de Warner LeRoy para solteiros, em East Side, atafulhado de candeeiros Tiffany e encimado por um tecto de vitral. Ivana estava em Nova Iorque durante uma semana para um desfile de moda que promovia os Jogos Olímpicos que se aproximavam.

 

 

 

Estava com as amigas à espera de entrar no bar quando Trump lhe tocou no ombro, lhe disse que conhecia o dono e que as conseguia fazer entrar. Entraram. Trump pagou as festividades da noite, levou as senhoras ao hotel e depois encantou Ivana, no dia seguinte, com três dúzias de rosas.

 

 

 

Ivana, que cresceu na Checoslováquia sob o regime comunista, era filha única, uma modelo que emigrou para o Canadá antes de ir para os Estados Unidos. Assim que ela e Trump começaram a namorar, a história da vida dela tornou‑se tão cheia de superlativos Trump como muitas das suas propriedades. Ivana era «uma das maiores modelos do Canadá», escreveu Trump. Ela tinha desfilado em lojas de Montreal e posado para peleiros. Também tinha sido casada, durante pouco tempo, com Alfred Winklmayr, um esquiador austríaco. Mas esse casamento desapareceu da narrativa oficial, não sendo mencionado nas memórias de Ivana, de 1995, The Best Is Yet to Come: Coping with Divorce and Enjoying Life Again. Winklmayr tinha ajudado Ivana a mudar‑se para o Oeste e o casamento acabou imediatamente depois.

 

 

 

Aos 30 anos, Trump estava pronto para assentar. O casamento dos pais era o seu modelo. «Para um homem ter sucesso, precisa de apoio em casa, tal como o meu pai tinha da minha mãe, não de alguém que está sempre a reclamar e a queixar‑se», disse Trump. Ivana, uma imigrante como a mãe de Donald, parecia caber no molde. «Encontrei a combinação quase inacreditável de beleza e miolos», disse ele. «Como muitos outros homens, fui ensinado por Hollywood que uma mulher não pode ter as duas coisas.»

 

 

 

Ivana viu Trump apenas como «um rapaz típico americano, alto e esperto, com muita energia, muito inteligente e muito bem‑parecido».

 

 

 

Ela definiu Trump por aquilo que ele ainda tinha de alcançar. Ele «não era famoso» e «não era incrivelmente rico».

 

Na passagem de ano de 1976, Trump pediu Ivana em casamento, oferecendo‑lhe mais tarde um anel de diamante com três quilates, da Tiffany. Mas antes de poder haver um casamento, menos de um ano depois de se conhecerem, houve o acordo pré‑nupcial – algo com quatro ou cinco contratos. As negociações entre Trump e Ivana – Roy Cohn aconselhou Donald a começar a vida de casado com acordos financeiros codificados – seguiram um padrão que veio a definir o Trumpismo: ostentação de riqueza e de influência, demonstrações muito públicas de desgosto e uma batalha dramática encenada nas colunas de mexericos e nos tribunais. O casamento começaria – e mais tarde explodiria – com o acompanhamento de advogados. Cohn negociou o acordo pré‑nupcial, que foi assinado duas semanas antes do casamento. Ivana foi representada por um advogado que Cohn tinha recomendado. Numa sessão de negociação, em casa de Cohn, Cohn usou apenas um roupão de banho. Ivana estava preparada para assinar o acordo, mas recuou quando soube que a proposta de Cohn contemplava que ela devolvesse todas as prendas de Donald em caso de divórcio. Em resposta à fúria dela, Cohn adicionou algumas linhas que permitiam que ela ficasse com as roupas e as prendas. Com o consentimento de Trump, Cohn também adicionou um fundo para «uma emergência», de 100 mil dólares. Ivana podia começar a usar o fundo um mês após o casamento.

 

Trump uma conferência de imprensa, sobre o divórcio de Ivana, em 1990

 

 

 

Ao mesmo tempo que Cohn ajudava Donald e Ivana a preparar o casamento, conduzia‑os pelo mundo hedonístico e movido a drogas da disco do final dos anos de 1970. Embora prezasse a sua reputação de abstémico, Donald adorava participar, pela noite dentro, na mistura de destacáveis e de mulheres bonitas. Em Abril de 1977, Trump e Ivana foram à noite de inauguração da Studio 54, a discoteca que se tornaria o icónico lar do movimento disco. Os donos, Steve Rubell e Ian Schrager, confiaram em Cohn para lhes dar aconselhamento legal e, em troca, ele servia como um porteiro informal, passando os ricos e os famosos à frente da fila de pessoas desesperadas para entrar na festa onde se encontravam pessoas como Andy Warhol, Liza Minelli, Truman Capote, Margaux Hemingway e David Bowie. Cohn também usou a sua influência para conseguir a entrada de grupos de jovens homossexuais. Embora Cohn sempre tivesse afirmado ser heterossexual, os amigos sabiam que não era assim.

 

 

 

(Apesar da sua sexualidade, Cohn manteve‑se fortemente anti‑homos‑ sexual em termos de políticas. Convidado para representar um professor despedido por ser homossexual, Cohn recusou, dizendo a um grupo de activistas gay que «os professores homossexuais são uma ameaça séria para as nossas crianças e não devem poluir as escolas da América».)

 

 

 

Trump tornou‑se uma presença habitual na discoteca e, mais tarde, contou: «Vi lá acontecerem coisas que até hoje nunca mais vi outra vez.»

 

 

 

«Vi supermodelos a ser comidas, supermodelos bem conhecidas a ser comidas num banco no meio da sala. Eram sete e cada uma delas estava a ser comida por um tipo diferente. Isto era no meio da sala. Hoje em dia isso não podia acontecer, por causa dos problemas de morte.»

 

 

 

No sábado antes da Páscoa, Donald e Ivana foram casados pelo reverendo Norman Vincent Peale – autor do bestseller motivacional de 1952, O Poder do Pensamento Positivo, um pilar da cultura norte‑americana de auto‑ajuda, e pastor da Marble Collegiate Church de Nova Iorque, que os pais de Donald frequentavam ocasionalmente. Peale era a única pessoa, para além do pai, que Donald chamava de mentor (resistia a usar esse termo em relação a Cohn, insistindo que o advogado era «apenas um advogado, um advogado muito bom»). Peale «dava os melhores sermões, era um fantástico orador», disse Trump. «Ele achava que eu era o seu melhor aluno de sempre.» Os pais de Trump levaram‑no pela primeira vez a ouvir os sermões de Peale nos anos de 1950, quando o pastor estava no auge da fama, com uma coluna no jornal e um programa de rádio que chegava a milhões de pessoas. «Sei que com a ajuda de Deus eu consigo vender aspiradores», disse uma vez Peale, numa perspectiva que agradava aos empreendedores, incluindo Fred Trump e o filho. Quando Donald Trump obteve êxito, Peale previu que Donald se tornaria «o maior construtor do nosso tempo».

 

 

 

Trump, por seu lado, dava crédito a Peale por o ter ensinado a vencer, por pensar apenas no melhor dos resultados: «A mente pode vencer qualquer obstáculo. Nunca penso na negativa.»

 

 

 

A boda de Donald e Ivana realizou‑se no 21 Club, anteriormente um bar clandestino famoso pela sua clientela de celebridades. Foram convidadas cerca de 200 pessoas, incluindo o mayor Beame, Cohn e um grupo de políticos e de advogados de Trump. Apenas um membro da família de Ivana, o pai, Milos, apareceu.

 

 

 

A 31 de Dezembro de 1977, um ano após o noivado, Ivana deu à luz Donald John Trump Jr., o primeiro dos seus três filhos. Ivanka chegou em 1981 e Eric em 1984. A nova família mudou‑se para um apartamento de oito assoalhadas no número 800 da Fifth Avenue, decorado de forma moderna e com poucos dos excessos que eventualmente se tornariam uma imagem de marca do estilo Trump. Depressa ofereceram aos fotógrafos uma sessão fotográfica com a deslumbrante modelo‑esquiadora e o rapaz‑maravilha do imobiliário. «Ele entrava numa sala e toda a gente olhava para ele», disse Stanley Friedman.

 

 

 

«O mundo inteiro girava à volta de Donald. Ele era sempre o tipo que estava a falar contigo, mas a olhar por cima do ombro à procura da próxima pessoa. Sempre a trabalhar. […] Estava sempre à procura do próximo negócio, estava sempre à procura da próxima alguma coisa.»

 

 

 

Uma família mais ou menos às direitas

 

 

 

Essa próxima coisa geralmente envolvia mais o trabalho do que ser pai. Tal como o seu próprio pai tinha feito, Donald via os filhos sobretudo no escritório, onde eram sempre bem‑vindos. «Eu estava sempre lá para os meus filhos quando eles precisavam de mim», disse ele. «Agora, isso não significa empurrar o carrinho de bebé pela Fifth Avenue durante duas horas». Trump «não sabia o que fazer com os miúdos quando eles eram pequenos», disse Ivana. «Ele amava‑os, beijava‑os e pegava‑lhes ao colo, mas depois entregávamos porque não fazia ideia do que devia fazer». Os filhos acabariam por recordar estes primeiros anos com uma forte confiança no amor do pai e uma certa melancolia sobre as suas prioridades. «Não era uma relação pai‑filho do género: “Ei, vamos brincar à apanhada no quintal”», recordou Donald Jr. «Era: “Ei, chegaste da escola, vem ao meu escritório.” Por isso, eu sentava‑me no escritório, brincava com camiões no chão do escritório, ia pedir doces ou travessuras no escritório. Portanto, passava muito tempo com ele, mas nos termos dele. […] Nunca se escondia de nós, nunca era distante, mas nos seus termos. Sabe, essa tende a ser a forma como ele faz as coisas.»

 

 

 

Trump adicionou rapidamente Ivana ao seu pessoal no escritório, colocando‑a a trabalhar como vice‑presidente com responsabilidades sobre a decoração de interiores no Commodore, e mais tarde na Trump Tower, no Plaza Hotel e num dos casinos de Donald em Atlantic City.

 

 

«Nunca se tinha ouvido falar num empresário que, nestes círculos, desse à mulher, à sua nova mulher, alguém que não tinha estado por ali toda a vida, tão grandes responsabilidades», disse Nikki Haskell, uma amiga de ambos os Trump. «Muitos homens ricos não deixam as mulheres ir ao escritório. Muitas mulheres não sabem o que os maridos fazem.»

 

 

 

«Donald e Ivana eram farinha do mesmo saco», disse Louise Sunshine. «Eles eram exactamente o mesmo tipo de pessoa – muito, muito determinados, focados, muito espertos […] muito sinergéticos e muito parecidos, demasiado parecidos. Era difícil diferenciá‑los. Podiam ter vindo do mesmo esperma.»

 

 

 

Trump controlava agora o contrato de arrendamento do edifício que ele considerava ter «a melhor localização em todo o mundo» – mas precisava de duas outras peças: do terreno por baixo, que era da gigante dos seguros Equitable, e dos direitos para construir em altura, que eram controlados pela Tiffany & Co.

 

 

 

No Commodore, Ivana entrava muitas vezes em conflito com o capataz da obra. Mas quando o trabalho encontrava obstáculos, Trump tendia a culpar o gestor de projecto e os assistentes, não a mulher. O Commodore era um trabalho difícil, enorme, com a reabilitação dos seus 26 andares a ser mais complicada do que qualquer coisa que o pai dele tivesse tentado. Quando as equipas de demolição chegaram ao trabalho, em Maio de 1978, encontraram piores condições do que esperavam. Estavam sem‑abrigo a viver na casa das caldeiras, quente e livre de piolhos. A moldura de aço sobre a qual Trump queria construir estava enferrujada e em perigo. Nas caves, os trabalhadores largaram gatos para caçar as hordas de ratos do tamanho de coelhos. Os gatos morreram e os ratos sobreviveram. Os custos rapidamente engrossaram. Vinte e seis andares de pedra exterior eram para ser forrados a espelho. Pisos inteiros eram para ser eviscerados. Os fornecedores e os empreiteiros estavam ansiosos para ser pagos. Quando Barbara Res, uma assistente de projecto da HRH Construction, a empresa que Trump tinha contratado para gerir as coisas, chegou ao local das obras, o patrão entregou‑lhe o contrato e deu‑lhe instruções para tomar nota de todos os segundos de trabalho que tinham de ser pagos: «Lê isto e decora‑o. […] Estas pessoas vão matar‑te. Mantém registo de tudo.»

 

 

 

A liderar o seu primeiro projecto, Trump era muito «insolente e extremamente autoconfiante», disse Res, mesmo quando muitas das suas decisões pareciam amadoras para os experientes trabalhadores de construção.

 

 

 

Os arquitectos e os empreiteiros tinham medo de o desafiar, criando aquilo a que Res chamou uma «combinação fatal: […] uma pessoa agressiva e poderosa a mandar, que também é inexperiente». Com os credores a observar, Trump tentava poupar. Acreditava que podia recuperar alguns dólares salvando os velhos canos e o aço do Commodore. A ideia foi copiada do pai, um lendário forreta que uma vez se gabou de ter poupado 13 mil dólares num dia, ao convencer o empreiteiro a baixar o preço da pintura de 13 mil apartamentos em um dólar cada. A tentativa de poupança de Donald saiu‑lhe pela culatra. Os trabalhadores sindicalizados passaram muitas horas a pintar códigos de cor em cada objecto de metal – vermelho para o lixo, verde para guardar – atrasando imenso o ritmo das obras.

 

 

 

Como arquitecto, Trump tinha recrutado Der Scutt, uma estrela em ascenção no design modernista de Nova Iorque, que fumava cachimbo. Após o seu primeiro encontro, numa sexta‑feira à noite no Maxwell’s Plum, Trump convidou Scutt para ir ao seu apartamento. Tal como Trump, Scutt tinha a sua própria mistura de excentricidades motivadas pelo ego: tinha mudado o primeiro nome, de Donald para a palavra alemã «o». Estava perturbado pela técnica de venda «extremamente agressiva» de Trump e pela sua tendência para exagerar. Ainda assim, sentia‑se cheio de energia devido às exigências imparáveis de Trump. «Ele não se importa de me telefonar às sete da manhã num domingo e dizer: “Tenho uma ideia. Encontramo‑nos no escritório daqui a 40 minutos.”», disse Scutt. «E vou sempre.»

 

 

 

O modernizado Grand Hyatt abriu a 25 de Setembro de 1980, seis anos depois de Trump ter desejado o Commodore pela primeira vez. Criado inicialmente para servir os viajantes de classe média, o hotel de 1400 quartos tinha ganhado um luxo considerável, com acessórios de latão e preços de quarto que começavam nos 115 dólares por noite (o equivalente a cerca de 330 dólares em 2016).

 

 

 

Para celebrar a abertura, o Grand Hyatt organizou uma festa cheia de estrelas, no salão de baile, em que participaram o governador, o mayor, o anterior mayor, Cohn e outros membros da elite do imobiliário de Nova Iorque.

 

 

 

O Grand Hyatt seria a prova do estilo com que Trump desenvolveria os seus projectos: com generosas isenções fiscais, grande ousadia financeira e um toque de magia, alavancando os diferentes interesses em conflito. Trump defendeu que o hotel ajudou a dinamizar o bairro de Grand Central e a começar uma nova época de glamour em Manhattan. Trump disse que o projecto lhe mudou a vida: «Se eu não tivesse convencido a cidade a escolher o meu local, na 34th St., para o centro de convenções e depois avançado para desenvolver o Grand Hyatt, provavelmente estava hoje em Brooklyn, a recolher rendas.»

 

 

 

A ruína que Trump tinha previsto para o bairro nunca chegou a concretizar‑se. Quando começaram os trabalhos no Commodore, uma dúzia de outros projectos de escritórios, apartamentos e hotéis estavam já a surgir nos quarteirões circundantes – sem a ajuda governamental que Trump disse que era essencial para fazer alguma coisa naquela zona degradada. Agora, com os visitantes do hotel a entrar em grande número, ele apertou a bolsa naquilo que tinha sido uma das poucas concessões que tinha feito para conseguir a isenção fiscal. Em 1987, Trump disse aos contabilistas para alterarem os seus métodos de relatório, limitando a quantia que, segundo o acordo de partilha de lucros do Hyatt, deveria entregar à cidade. Quando a auditora geral da cidade, Karen Burstein, analisou os registos do hotel, descobriu que as «aberrantes» práticas de contabilidade tinham retirado à cidade milhões de dólares em impostos. Questionado anos mais tarde sobre essas alterações, Trump disse que não se lembrava da investigação.

 

 

 

Nos anos seguintes, Trump iria entrar muitas vezes em conflito com a família que geria a Hyatt, incluindo um processo desagradável que acabou com os Pritzker a concordarem, em 1995, pagar $25 milhões para fazer renovações.

 

 

 

Lutando contra enormes dívidas, enquanto o império se expandia, Trump acabou por vender a sua parte do Hyatt à família, em 1996, acabando o seu envolvimento no projecto que lançou a sua carreira.

 

 

 

Trump ficou com cerca de 25 dos 142 milhões de dólares do preço de venda, mas a maioria do dinheiro acabaria por ir para o pagamento de parte dos milhares de milhões que os seus negócios deviam na altura, incluindo centenas de milhões que Trump tinha dado pessoalmente como garantia.

 

 

 

Subir ao alto da Torre

 

 

 

Nesses dias, Trump e Sunshine andavam a passear por Manhattan, na limusina de Trump, à procura de potenciais projectos. Um dia, passaram na Fifth Avenue pela Bonwit Teller, uma grande loja cara de roupa de mulher, que estava a passar por maus momentos. «Oh, adoro aquela localização, vamos descobrir quem é o dono e vamos deitar o edifício abaixo», disse Trump. Este, decidiu Trump, seria o local para o seu projecto emblemático, a Trump Tower, uma cintilante afirmação na avenida mais majestosa de Nova Iorque. Sunshine direcionou Donald até um dos maiores accionistas da Genesco, o conglomerado proprietário do contrato de arrendamento da Bonwit Teller. Em Novembro de 1978, quando Trump soube que a empresa estava disponível para vender, ele garantiu, sem pagar nada, uma opção que lhe permitia comprar o contrato de arrendamento por 25 milhões – uma enorme oportunidade num dos mais importantes quarteirões do centro de Manhattan. Quando os construtores rivais souberam do negócio e ofereceram preços melhores, Trump lutou, ameaçando ir a tribunal se os administradores não honrassem a sua palavra.

 

 

 

Trump controlava agora o contrato de arrendamento do edifício que ele considerava ter «a melhor localização em todo o mundo» – mas precisava de duas outras peças: do terreno por baixo, que era da gigante dos seguros Equitable, e dos direitos para construir em altura, que eram controlados pela Tiffany & Co., a icónica joalharia, no edifício ao lado, cuja montra Audrey Hepburn namora no filme “Boneca de Luxo”, e onde Trump tinha comprado o anel de noivado de diamante para Ivana.

 

 

 

Com o Grand Hyatt construído e aberto, Trump já não tinha de lutar pelos empréstimos.

 

O Chase Manhattan adiantou‑lhe fundos para comprar os direitos por cima e por baixo da Bonwit Teller, mais $100 milhões para a construção. Trump persuadiu a Equitable, um dos credores do Grand Hyatt, a vender‑lhe o terreno em troca de 50 por cento das acções do projecto.

 

 

 

Der Scutt foi de novo contratado como arquitecto e desenhou um imponente edifício de contornos serrilhados que, visto de lado, parecia uma escadaria. Os apartamentos superiores da Trump Tower teriam duas vistas da cidade, uma razão para Trump cobrar preços mais elevados. A crítica de arquitectura do Times, Ada Louise Huxtable, elogiou a torre de vidro escuro, «uma estrutura dramaticamente atraente», com «28 lados brilhantes». As leis da cidade teriam bloqueado uma torre tão alta num terreno tão pequeno, mas Trump usou de forma inteligente os direitos de construção em altura da Tifanny e outras regras menos rigorosas dos projectos combinados de escritórios, lojas e residências, para se expandir para cima. A torre também aproveitou uma cláusula que permitia maior altura se o construtor providenciasse espaços públicos, como átrios. Os planeadores da cidade tinham‑se tornado desconfiados sobre os novos arranha‑céus, sobretudo numa altura em que o público se manifestava contra a falta de sol em Manhattan. Mas o desenho de Scutt e a capacidade de negociação de Trump venceram. Os responsáveis da cidade reduziram o projecto de 63 para 58 andares, mas Trump ficou com a última palavra, renomeando simplesmente os pisos para, no total, contabilizarem 68.

 

 

 

Primeiro, a elegante fachada da Bonwit Teller tinha de desaparecer. Mas alguns nova‑iorquinos adoravam o edifício art déco, sobretudo o trabalhado em bronze sobre a entrada e um par de esculturas em baixo‑relevo de quatro metros e meio, com deusas quase nuas a dançarem sobre a Fifth Avenue. («Um mau anúncio, poderia pensar‑se, para uma loja dedicada a roupa de senhora», escreveu um colunista de arquitectura da New Yorker, em 1930.)

 

 

 

Robert Miller, dono de uma galeria de arte do outro lado da rua, e Penelope Hunter‑Stiebel, a curadora do Metropolitan Museum of Art, acreditaram que conseguiam convencer Trump a preservar as peças, ao doá‑las ao museu a troco de uma avaliação generosa – estimada em mais de $200 mil – que ele poderia usar para descontar nos impostos. Hunter‑Stiebel tinha experiência a apelar ao sentido de história dos senhorios: o MET tinha adquirido do Rockefeller Center um elevador dos anos de 1930 que representava o estilo de arte moderna. Talvez Trump também cooperasse. Ele pareceu entusiasmado. «Isto vai ser um óptimo negócio!», disse Trump quando se encontraram no escritório dele.

 

 

 

Mas a 5 de Junho de 1980, Miller telefonou a Hunter‑Stiebel da sua galeria e disse‑lhe que podia ver os trabalhadores de construção em andaimes à porta da Bonwit Teller. Estavam a rebentar com as esculturas. Hunter‑Stiebel, grávida de nove meses, saiu a correr do MET, saltou para dentro de um táxi e, quando ficaram presos no trânsito, correu os últimos 10 quarteirões até à Bonwit Teller. Entretanto, no local, Miller ofereceu dinheiro ao capataz para poupar as esculturas.

 

 

 

O capataz recusou, dizendo‑lhe: «O jovem Donald disse que há uma mulher estúpida na alta da cidade, num museu, que as quer e que nós temos de as destruir.»

 

 

 

Hunter‑Stiebel chegou a arfar com «um horror incrédulo», recordou ela. «Estavam com um martelo pneumático a arrancar o pescoço de uma das figuras. Era inacreditável.»

 

 

 

Friedrich Trump, avô de Donald, imigrou para Nova Iorque aos 16 anos e mudou-se para a costa oeste, onde prosperou na corrida ao ouro, antes de regressar a Nova Iorque e constituir família.

 

 

 

«Construtor destrói as esculturas Bonwit», lia‑se na manchete de primeira página do Times da manhã seguinte. O artigo citava «John Baron», um «vice‑presidente da Trump Organization», que explicava que a empresa se tinha decidido pela demolição após três avaliadores independentes terem concluído que as esculturas não tinham «mérito artístico», valiam menos de $9 mil e teriam custado 33 mil a remover. John Barron – geralmente escrito com dois r – era um pseudónimo que Trump usava com frequência, quando não se queria identificar perante um jornalista. Dois dias depois, Trump, a usar o seu verdadeiro nome, falou sobre o incidente, dizendo que a remoção das esculturas teria custado mais de 500 mil dólares. «O meu maior receio era a segurança das pessoas que passavam na rua», insistiu ele. «Se uma dessas pedras tivesse resvalado, podiam morrer pessoas.»

 

 

 

O incidente tornou‑se o primeiro fracasso de relações públicas de Trump.

 

 

 

«O Sr. Trump pode assumir que o vandalismo estético desaparece depressa da memória cívica», escreveu o Times no editorial.

 

 

 

«Mas aquilo que ele destruiu com as esculturas foi a imagem pública que estava a construir com o seu novo arranha‑céus da Fifth Avenue.» Kent Barwick, presidente da Comissão para a Conservação de Monumentos Históricos de Nova Iorque, disse que a demolição estabelecia Trump como «um mau tipo, afinal de contas, certa ou errada, havia uma questão de confiança». Trump manifestou mais tarde «arrependimento» pela demolição e argumentou que tinha de avançar depressa com a demolição para evitar longos atrasos causados pelos conservacionistas históricos. Porém, no livro Trump: The Art of the Deal, disse que estava encantado com a reacção negativa da imprensa, porque tinha gerado publicidade grátis e ajudado a vender apartamentos. Nos anos de 1980, Trump disse que as esculturas «não eram nada» e eram «lixo». Uma década depois, visitantes da sua penthouse de 53 quartos repararam numa peça particularmente notável de baixo‑relevo na sua sala de jantar de dois andares: um painel de marfim esculpido.

 

 

 

A Bonwit Teller estava tão bem inserida entre os edifícios da Fifth Avenue que as equipas de construção não podiam usar ferramentas tradicionais de demolição, como a bola de demolição ou a dinamite. Em vez disso, o edifício histórico teve de ser desmantelado, peça a peça. Para realizar este extenuante trabalho, Trump recorreu à Kaszycki & Sons Contractors, que tinha dado um orçamento muito baixo. O trabalho foi feito por centenas de imigrante polacos sem documentos, conhecidos como a «brigada polaca». Os homens trabalharam durante a Primavera e o Verão de 1980 com martelos e maçaricos, mas sem capacetes, 12 a 18 horas por dia, sete dias por semana, a dormir muitas vezes no chão da Bonwit Teller. Ganhavam menos de cinco dólares à hora e às vezes recebiam em vodca. Muitos acabaram por não ser pagos e eram ameaçados com a deportação se se queixassem. Em 1983, no ano em que a Torre de Trump abriu, membros do sindicato Housewreckers Local 95 processaram Trump, acusando‑o de ter imigrantes ilegais a trabalhar na torre. John Szabo, um advogado de imigração que representava os trabalhadores, disse que um Sr. Barron – esse nome outra vez – lhe tinha telefonado da Trump Organization e o tinha ameaçado com um processo se os trabalhadores não abandonassem as exigências de ser indemnizados. Em 1990, após anos de adiamentos, Trump testemunhou que não sabia que os trabalhadores não tinham documentos. Culpou a Kaszycki & Sons.

 

 

 

O juiz decidiu contra Trump e o empreiteiro, dizendo que um dos principais assistentes de Trump na obra, Thomas Macari, «estava envolvido em todos os aspectos do trabalho de demolição». Trump apresentou recurso e conseguiu uma inversão parcial, mas o tribunal decidiu que Trump «devia saber» sobre os trabalhadores polacos. O caso acabou em 1999 com um acordo.

 

 

Anos mais tarde, Trump chamaria à imigração ilegal «uma bola de demolição apontada aos contribuintes dos Estados Unidos».

 

 

 

Com a Bonwit Teller demolida, começou a sério a complicada construção da Trump Tower. Alguns dias depois da festa de inauguração do Grand Hyatt, Donald e Ivana tinham convidado Res para ir ao cintilante apartamento da Fifth Avenue. A sala de estar tinha uma vista deslumbrante sobre o Central Park e a mobília, as cortinas e os tapetes combinavam, com o mesmo tom de branco. Quando Ivana ofereceu a Res um sumo de laranja, ela recusou, com medo de deixar alguma nódoa. No Grand Hyatt, Res – com 1,65 metros, cabelo castanho pelos ombros, muitas vezes vista com um capacete, camisa de flanela, calças de bombazina e botas de trabalho – tinha‑se aguentado como uma das poucas mulheres na obra, onde os trabalhadores urinavam livremente contra as colunas e cobriam as paredes com desenhos grosseiros dela e de Ivana nuas. Mas embora Res soubesse que tinha ganho o respeito de Trump, não estava à espera do pedido que Donald lhe fez.

 

 

 

«Quero que tu construas a Trump Tower por mim», disse ele. O arranha‑céus teria as lojas mais glamorosas, escritórios topo de gama e os apartamentos mais luxuosos. Trump não tinha tempo para estar tão envolvido como tinha estado no Grand Hyatt. Precisava de alguém que fosse os seus olhos e ouvidos, uma «Donna Trump», como lhe chamou, encarregue da construção do «mais importante projecto do mundo». Res tornar‑se‑ia a engenheira‑chefe da torre, responsável por toda a construção, quando tinha apenas 31 anos. Era uma de muito poucas mulheres com uma função executiva no sector imobiliário, na altura, e Donald nomeou‑a apesar da objecção do pai de que aquele tipo de trabalho não era para mulheres.

 

 

 

Nos primeiros cinco andares da torre ficava uma galeria comercial. Sobre esta haveria 11 andares de escritórios, 38 andares de apartamentos de luxo e vários pisos de manutenção, para manter tudo a funcionar.

 

 

Trump queria que a torre, ao contrário da maioria dos arranha‑céus com estrutura de aço, fosse construída sobretudo com betão reforçado, permitindo uma gestão mais flexível dos andares. A construção, disse Res, foi elaborada para ser de «alta velocidade», com equipas a começarem a trabalhar ainda antes de os desenhos estarem completos. As equipas trabalhavam seis dias por semana, colocando um piso de betão a cada dois dias. Um responsável pelo betão, Eddie Bispo, disse que o planeamento de construção era tão exigente que ele ia para o trabalho às seis da manhã e por vezes não saía antes das onze e meia da noite.

 

Os inquilinos diziam que Trump tentou intimidá los para os forçar a sair. Ele propôs trazer pessoas sem abrigo para viverem dentro de pelo menos 10 apartamentos que estavam vagos, mas a cidade declinou a generosa proposta.

 

 

 

A decisão de acelerar o trabalho obrigou Trump a cruzar‑se com o poderoso «clube de betão» de Nova Iorque, um cartel de sindicatos controlados pela Máfia e de empreiteiros que conspiravam para fazer subir os preços, bloquear os adversários e punir, com greves dispendiosas, os construtores que resistiam. Muitos outros construtores de Nova Iorque sentiam‑se, na altura, obrigados a entrar no mesmo tipo de acordos. O betão da Trump Tower vinha da S&A Concrete, na altura propriedade dos líderes de duas famílias do crime de Nova Iorque: «Fat» Tony Salerno, da família Genovese, e Paul «Big Paul» Castellano, dos Gambino (Castellano foi assassinado em 1985, à porta da Sparks Steak House, no East Side de Manhattan, num ataque da Máfia organizado pelo mafioso John Gotti). Roy Cohn tinha representado Saleno e outras personalidades da Máfia e conhecia outro chefe, John Cody, que mandava no sindicato Teamsters, que controlava os camiões de cimento. Documentos citados pelo Subcomité para a Justiça Criminal, em 1989, chamaram a Cody «o maior extorsionário de mão‑de‑obra, a aproveitar‑se da indústria da construção em Nova Iorque».

 

 

 

Em 1982, quando as greves sindicais congelaram as obras pela cidade, a construção da Trump Tower não parou um segundo.

 

 

 

Quando a torre abriu, no ano seguinte, foram vendidos a Cody e à sua namorada, Verina Hixon, três enormes duplex nos pisos 64 e 66, mesmo por baixo da penthouse de Trump. Apartamentos esses que levaram dispendiosos melhoramentos, incluindo a única piscina interior da torre. Os engenheiros de estrutura de Trump fizeram o trabalho, incluindo desenhar uma moldura especial para acomodar a piscina. Durante seis meses após se instalar, Hixon teve 30 a 50 homens a trabalhar nos seus apartamentos todos os dias, a instalar cedros e roupeiros lacados, grandes espelhos e uma sauna, num custo total de $150 mil. Quando Trump resistiu a um dos pedidos de Hixon, ela telefonou a Cody e as entregas de materiais de construção no edifício pararam até as obras no apartamento recomeçarem.

 

 

 

Hixon destacava‑se entre a clientela incrivelmente rica dos apartamentos da Trump Tower. Num depoimento, em 1986, conduzido após ela ter falhado os pagamentos de um empréstimo de $3 milhões, Hixon disse que nunca tinha tido um emprego ou possuído uma conta bancária com dois dólares, e que não tinha poupanças, acções ou propriedades para além do seu apartamento na Trump Tower. Disse que o ex‑marido, um empresário rico do Texas, lhe dava 2000 dólares por mês de pensão de alimentos, pagava os 7800 de custos de manutenção mensal do apartamento e a escola do filho de 16 anos de ambos. Hixon disse que o seu apartamento estava na maioria por mobilar, com apenas um par de cadeiras e «mesas muito usadas», para condizer com a piscina interior. Tinha outra mobília armazenada, mas não se lembrava onde: «Algures na América, Brooklyn, sabe‑se lá para onde estas coisas vão?» Ela disse que nunca comia em casa e que preferia comer em bons restaurantes, incluindo o La Côte Basque, o La Grenouille e o 21. Como pagava isso tudo? «Tenho amigos ricos», disse ela. «Eles adoram convidar‑me.» Depois de Cody ter sido condenado por acusações de extorsão, em 1982, e enviado para a prisão, Trump levou Hixon a tribunal. Depois de ela ter falhado o pagamento de 300 mil dólares de manutenção dos apartamentos, Hixon abriu falência e os credores ficaram com os apartamentos na Trump Tower.

 

 

 

Intimado pelos investigadores federais, em 1980, Trump negou ter cedido os apartamentos para manter o projecto em construção. Cody, entretanto, disse que «conhecia Trump muito bem», acrescentando:

 

 

 

«Donald gostava de negociar comigo através de Roy Cohn.» Após a morte de Cody, em 2001, Trump chamou‑lhe «um filho‑da‑mãe psicótico» e «escumalha».

 

 

 

Um passeio no parque

 

 

Ainda a torre estava a ser construída, já Trump estava a avançar com planos para construir um enorme complexo de apartamentos na ponta sul de Central Park. Em 1981, comprou dois edifícios velhos – o Barbizon Plaza Hotel e um edifício de apartamentos de 15 andares ao lado, no número 100 de Central Park South – por $13 milhões. Comprou‑os para os demolir, mas encontrou forte resistência dos inquilinos, desejosos de manter as suas casas de renda controlada. Trump descreveu os seus adversários como «milionários de casacos de vison e a conduzir Rolls‑Royce». Alguns dos resistentes eram séniores com rendimentos fixos, outros eram, realmente, estrelas bem na vida.

 

 

 

Os inquilinos diziam que Trump tentou intimidá‑los para os forçar a sair. Ele propôs trazer pessoas sem‑abrigo para viverem dentro de pelo menos 10 apartamentos que estavam vagos, mas a cidade declinou a generosa proposta. Os encarregados da manutenção ignoravam as torneiras a pingar e os electrodomésticos estragados e cobriam as janelas dos apartamentos vazios com folhas de alumínio feias. Um grupo de inquilinos acusou Trump de assédio, mas ele negou tudo. «Deixem‑me dizer‑lhes uma coisa sobre os ricos», disse ele. «Têm uma resistência muito baixa à dor.»

 

 

 

Após um impasse de cinco anos, Trump abandonou os planos de demolição e disse que ia reconverter o número 100 de Central Park South em 26 apartamentos de luxo. Os actuais inquilinos podiam ficar. O Barbizon Plaza Hotel estava fechado, portanto, os seus 950 quartos podiam ser convertidos em 400 apartamentos de luxo. No início de 1983, antes de Trump iniciar a reconversão, perguntou a Stephen N. Ifshin, um vendedor de imóveis comerciais de nicho, se ele conseguia encontrar um comprador tanto para o Barbizon Hotel como para o prédio ao lado. Ifshin estava convencido de que conseguia.

 

Em 1991 com a noiva, Marla Maples, no Open dos EUA

 

 

 

– Quero 100 milhões de dólares pelos dois edifícios juntos – disse Trump.

 

 

 

– É muito dinheiro – disse Ifshin, surpreendido por aquele preço tão elevado. Era um valor nunca antes visto no sector imobiliário de Manhattan, mesmo como um valor oficioso para pôr a circular entre clientes ricos, o chamado «número sussurro». Mas ser intermediário de uma venda destas poderia representar vários milhões de comissão para Ifshin, portanto, ele espalhou palavra de que os edifícios podiam ser comprados. Sherman Cohen, um negociador duro no mercado de propriedades de Manhattan, mostrou interesse e Ifshin marcou uma reunião no escritório de Trump. Antes de se sentar à mesa de conferências de Trump, Cohen acendeu um cigarro. Mas quando agarrou o cinzeiro que estava no meio da mesa, este não se mexeu.

 

 

 

– Donald – disse Cohen –, tem esta coisa aparafusada?

 

 

 

– Esta mesa de conferências vem do meu hotel, o Barbizon – disse Trump –, e nós aparafusámos todos os cinzeiros porque as pessoas estavam a roubá‑los como lembranças.

 

 

 

O sorriso de auto‑satisfação de Trump sugeria que ele estava apenas a proteger o seu investimento. Começaram a negociar e Trump anunciou, de forma firme, que os edifícios estavam à venda por 100 milhões de dólares.

 

 

 

– Quando refiro um preço, esse é o preço – disse ele.

 

 

 

Cohen respondeu que não tinha 100 milhões de dólares para oferecer, mas que podia chegar aos 90 milhões.

 

 

 

Eles estavam quase, mesmo quase, pensou Ifshin. Agora podia começar uma negociação a sério. Mas Trump agradeceu simplesmente a Cohen e repetiu o preço, 100 milhões, nunca menos. Cohen não disse mais nada. Trump não disse mais nada. E ficaram a olhar um para o outro, num impasse. A reunião acabou em menos de meia hora. Cohen foi‑se embora, mas Ifshin ficou perplexo.

 

 

 

– Porquê? – perguntou a Trump. – Porquê recusar uma oferta daquelas? Vocês estavam perto.

 

 

 

– Não era o que eu estava a pedir – disse Trump. – Nunca vendo por menos do que aquilo que peço.

 

 

 

Que absurdo, pensou Ifshin. Há sempre uma negociação. E depois Ifshin percebeu que tinha sido usado.

 

 

 

– Donald – disse ele. – Esta foi a sua forma de obter uma avaliação informal, de ver se alguém mordia o isco e por quanto. – Trump negou, mas Ifshin reagiu: isto tinha sido só um estratagema para saber quanto os edifícios podiam valer no mercado, e agora Trump sabia que valiam, pelo menos, 84 milhões.

 

 

 

– Deve‑me uma comissão por lhe ter arranjado uma avaliação informal do meu comprador – disse Ifshin. – Deve‑me 10 mil dólares.

 

 

 

Trump olhou para ele como se ele estivesse louco, mas disse‑lhe que o recompensava com um favor no futuro. Isso nunca aconteceu. Ifshin nunca mais lidou com Trump e Trump não vendeu os edifícios. «Ele não foi frontal», disse Ifshin.

 

 

 

«Ele escondeu as suas intenções. E foi isso que me aborreceu – foi muito esperto, mas não correcto.»  Ifshin concluiu que Trump era alguém em quem não se podia confiar, que não se importava com relações de longo prazo e que usava as pessoas. Trump ficou com os edifícios. O Barbizon foi mais tarde renomeado Trump Parc East e passou a ter lareiras a lenha, e o edifício de apartamentos tornou‑se o Trump Parc. Três décadas depois, o filho de Trump, Eric, viveu no décimo terceiro andar.

 

 

 

Era suposto o primeiro filho de Fred Trump, Freddy, suceder ao pai no negócio de família. Com os dois primeiros nomes do pai (Frederick Christ), Freddy era o primeiro foco das altíssimas expectativas do pai. (Freddy era o segundo filho, a seguir a Maryanne, a filha mais velha.) Freddy andou numa escola episcopal em Long Island, depois entrou na Lehigh University, onde a sua paixão era a aviação. Depois de se licenciar, em 1960, regressou ao escritório da Avenue Z e juntou‑se ao pai. Fred era um chefe rígido e o afável Freddy esforçava‑se para conseguir estar à altura das exigências do pai. Quando Freddy instalou janelas novas num edifício velho, durante a renovação, o pai repreendeu‑o por ser gastador. Freddy queixou‑se aos colegas da fraternidade que o pai não lhe dava valor.

 

 

 

Donald admirava o irmão mais velho. No início dos anos de 1960, Freddy levava Donald, na altura no liceu, em viagens de Verão para pescar na sua lancha Century.

 

 

 

No dormitório da academia militar, Donald tinha uma fotografia com o irmão ao lado de um avião. No início, ao crescer na sombra do irmão, Donald competia pela afeição do pai. Mas assim que viu que o irmão não conseguia obter a aprovação do pai, Donald achou que faltava ao irmão a dureza para sobreviver na sua competitiva família. «O Freddy não era um matador», disse Donald, repetindo o termo que o pai gostava de usar para um filho bem‑sucedido.

 

 

 

Depois de um empreendimento proposto pelos Trump para o Steeplechase Park, em Coney Island, não ter avançado, Freddy deixou o negócio e foi trabalhar como piloto da Trans World Airlines. Aos 23 anos, casou com uma assistente de bordo e o casal teve dois filhos, Fred e Mary. Freddy parecia muito mais feliz do que tinha sido sob o jugo do pai. Donald, no entanto, não resistia a embirrar com a falta de ambição de Freddy e perguntava‑lhe: «Qual é a diferença entre aquilo que fazes e conduzir um autocarro?» O consumo de tabaco e de bebida de Freddy, que piorou quando tinha 20 e poucos anos, levaria Donald a evitar os cigarros e o álcool para o resto da vida. Freddy divorciou‑se e deixou de voar. No final dos anos de 1970, voltou a viver com os pais e era supervisor de uma equipa de manutenção num dos complexos de apartamentos do pai, em Brooklyn. Em 1977, Donald pediu a Freddy para ser o padrinho do seu casamento com Ivana, dizendo que acreditava que seria «uma coisa boa para ele».

 

 

 

A 26 de Setembro de 1981, Freddy, oito anos mais velho do que Donald, morreu de ataque cardíaco após anos de alcoolismo. Tinha 43 anos.

 

 

Freddy foi enterrado em Queens, no talhão da família, num cemitério luterano. Donald chamou à sua morte «a coisa mais triste» por que já tinha passado. Disse que aprendeu com o fracasso do irmão a «manter‑se 100 por cento à defesa». «O homem é o mais perigoso de todos os animais e a vida é uma série de batalhas que acabam em vitória ou em derrota», disse Trump dois meses após a morte do irmão. «Não podemos deixar que as pessoas façam pouco de nós.»

 

 

 

Trump espalhou o rumor, publicado nos jornais de Nova Iorque, de que a família real britânica – Carlos, príncipe de Gales, e a mulher, a princesa Diana – estavam interessados em gastar 5 milhões de dólares para comprar um apartamento de 21 quartos, um piso inteiro da Trump Tower. Eles nunca apareceram.

 

 

 

A Trump Tower foi um êxito. Os seus 266 apartamentos, que começaram a ser vendidos no final de 1982, com preços a partir de $500 mil por um apartamento com um quarto, renderam no total $277 milhões, o suficiente para pagar todo o investimento ainda antes de o primeiro inquilino se instalar. Os compradores interessados encontravam‑se com Sunshine e Trump, que por vezes os levavam a dar uma volta pelo edifício. As brochuras de venda elogiavam uma entrada escondida para a 56th St., «totalmente inacessível para o público». Trump explicou a sua estratégia para conquistar os compradores dos apartamentos: «Vendemos‑lhes uma fantasia.» Muitas unidades foram vendidas como apartamentos corporativos ou como segunda habitação para estrangeiros ricos. Mas para a satisfação promocional de Trump, várias celebrida­des também compraram, incluindo Steven Spielberg, Michael Jackson e Johhny Carson, que acusaria dois trabalhadores da construção de lhe roubarem o seu casaco de lã de vicunha. Depois de Trump ter despedido os homens, Carson encontrou o casaco no roupeiro.

Trump espalhou o rumor, publicado nos jornais de Nova Iorque, de que a família real britânica – Carlos, príncipe de Gales, e a mulher, a princesa Diana – estavam interessados em gastar 5 milhões de dólares para comprar um apartamento de 21 quartos, um piso inteiro da Trump Tower. Eles nunca apareceram.

 

 

 

Trump não confessou ter criado o rumor, que o Times atribuiu a «alguém do sector imobiliário», mas disse: «O rumor de certeza que não nos prejudicou.»

 

 

Para aumentar a imagem da torre, Trump procurou marcas de renome mundial para a galeria comercial. Os primeiros 48 inquilinos de retalho incluíam a Mondi (roupa), a Botticellino (moda), a Charles Jourdan (sapatos), a Buccellati (joalheiro italiano), a Ludwig Beck (cadeia alemã), a Harry Winston (joalharia) e a Asprey (joalheiro de Londres), e alguns pagavam rendas que chegavam a $1 milhão por ano. Nos primeiros anos, alguns dos inquilinos iniciais saíram, com dificuldades em ter lucro com os muitos turistas americanos de classe média que visitavam a torre.

 

 

 

Ao mesmo tempo que a fama da Trump Tower crescia, aconteceu a mesma coisa com os mitos sobre Trump. Em 1982, Trump entrou na primeira lista da Forbes das 400 pessoas mais ricas da América, com a revista a estimar que ele valia $100 milhões. Embora os negócios de Trump estivessem a aumentar a sua fortuna, o seu rendimento continuava muito modesto. Os investigadores de Nova Jérsia que o avaliaram para uma licença de casino disseram, em 1982, que Trump ganhara $100 mil por trabalhar para o pai, $1 milhão de comissão do Grand Hyatt, que tinha $6 mil em poupanças e uma linha de crédito de $35 mil no Chase, obtida com a ajuda do pai.

 

 

 

A torre, que alguns tradicionalistas de Manhattan desdenhavam como sendo um exemplo berrante dos excessos dos novos‑ricos, ganhou defensores, com o crítico de arquitectura do Times, Paul Goldberger, a admitir que tinha assumido que o edifício «seria ridículo, pretensioso e mais do que um bocadinho vulgar». Em vez disso, achou o átrio «caloroso, luxuoso e até emocionante […] o espaço público interior mais agradável que tinha sido construído em Nova Iorque nos últimos anos».

 

 

 

Nos primeiros tempos da torre, havia sem‑abrigo nos bancos de mármore do átrio para ouvir a música. Trump arranjou seguranças e deu instruções aos jardineiros para cobrir os bancos com vasos de flores.

 

 

 

Foi «algo cómico», recorda Res. «Todo este vidro e mármore na mais opulenta das torres, um músico brilhante a tocar no seu piano de 50 mil dólares, e os cidadãos mais pobres da cidade sentados nos seus sacos de papel a passar o dia.»

 

 

 

A Trump Tower enraizou Trump, o seu nome e a sua fama no firmamento de Manhattan, tal como ele tinha sonhado em criança, a olhar sobre a ponte de Queens. Ele mudou‑se para um escritório cor de mel no piso 26, onde trabalharia nas décadas seguintes, com a secretária de mogno feita à medida coberta de revistas com artigos sobre ele, as paredes cheias de prémios e tributos e uma vista espectacular do Plaza e do Central Park. Ivana mudou‑se para o escritório ao lado, pelo menos durante algum tempo (na fase de design, Trump pediu aos arquitecto para desenhar um segundo apartamento apenas para Donald, no caso de o casamento acabar). Em Março de 1984, os Trump – Donald, Ivana e os três filhos – mudaram‑se para a penthouse de três andares. O triplex de 53 quartos tinha uma sala de estar com nove metros de altura, instalações para as empregadas domésticas, murais no tecto com querubins renascentistas, lustres de cristal, uma fonte romanesca com controlo remoto, ónix azul da «África mais profunda e mais escura» e o seu próprio elevador. O casal tinha cada um a sua casa de banho: a de Donald era em mármore castanho‑escuro e a de Ivana em ónix cor‑de‑rosa translúcido. Trump reservou um apartamento por baixo da penthouse, com lareira, para os pais. Eles estavam quase sempre em Queens.

 

A capa da Playboy de março de 1990

 

 

O Grand Hyatt tinha tornado Trump famoso em Nova Iorque. A Trump Tower tornou‑o famoso em todo o lado. A GQ avaliou as suas mãos («pequenas e bem tratadas»), a sua estatura («elegante, mas bem alimentado») e os seus instintos («eu sei o que as pessoas querem»). No programa Lifestyles of the Rich and Famous, o colosso da televisão, Robin Leach, disse que a mansão de Trump em Greenwich, no Connecticut, valia $10 milhões – três vezes mais do que ele tinha pago por ela «Acredito em gastar mais dinheiro do que as outras pessoas considerariam racional», disse Trump para a câmara.

 

 

 

Os bancos estavam finalmente a emprestar o suficiente para satisfazer o apetite de Trump. Em 1985, comprou uma mansão de 118 quartos, em Palm Beach, chamada Mar‑a‑Lago, com um empréstimo de $8,5 milhões.

 

 

 

«Todos os financiadores eram obcecados com celebridades», disse Jon Bernstein, um antigo sócio da Dreyer & Traub, o principal escritório de advogados dos anos de 1980. «Todos eles queriam estar ligados a Donald Trump de qualquer forma que conseguissem.»

 

 

 

Última estação

 

 

 

Nesse mesmo ano, Trump regressou a um dos primeiros pedaços de imobiliário por que se tinha apaixonado em Manhattan – o grande terreno da Penn Central em Upper West Side. Comprou a propriedade a outro construtor, por $115 milhões, e declarou a sua intenção de construir o edifício mais alto do mundo, uma torre de 150 andares com vista para o rio Hudson, acompanhada por seis torres de 76 andares, 8 mil apartamentos, um centro comercial, 8500 espaços para estacionamento, 162 mil metros quadrados de parques e uma sede para a National Broadcasting Company, que Trump esperava atrair do Rockefeller Center. «A Cidade da Televisão» era, como dizia no comunicado à imprensa, «o mais grandioso dos planos do mestre construtor.»

 

 

 

Os vizinhos não iam admitir isso. Prometeram uma luta fortíssima. O Times chamou à proposta de Trump uma «tentativa de imortalidade». Os adversários alinharam‑se para barrar o caminho a Trump, criando uma organização sem fins lucrativos chamada Westpride, que realizou uma angariação de fundos que atraiu celebridades como o apresentador de televisão Bill Moyers, a feminista Betty Friedan e Robert Caro, o biógrafo de Lyndon Johnson. Passado um ano de batalha, Trump mudou de arquitectos e encolheu a sua planta. Ele e Koch entraram numa guerra verbal, com o construtor a chamar ao mayor «idiota» e um «desastre» para Nova Iorque. «Se Donald Trump está a guinchar como um porco entalado, devo ter feito alguma coisa bem», declarou Koch, antes de acrescentar: «Porquinho, porquinho, porquinho.»

 

 

 

Sob pressão financeira, Trump acabaria por desistir da sua ambição de construir o edifício mais alto do mundo.

 

 

Aceitou o plano alternativo dos adversários, com menos de metade da densidade que Trump tinha proposto. Trump elogiou o novo plano numa reunião com Roberta Gratz, uma proeminente adversária, dizendo: «Isto é brilhante! Os meus arquitectos têm estado a desperdiçar o meu tempo durante anos.» Espantada por ouvir tal cedência, Gratz respondeu: «Donald, um dia quero ouvi‑lo dizer isso em público.» Trump agitou‑se na cadeira e não respondeu.

 

 

 

A 28 de Maio de 1986, Trump escreveu uma carta a Koch: «Caro Ed, durante muitos anos observei com espanto como Nova Iorque falhava repetidamente as suas promessas de terminar e abrir o Wollman Skating Rink.» Há anos que Trump olhava pela janela do escritório para o rinque encerrado em Central Park, chocado com a incapacidade da cidade de recuperar aquela instalação pública. Agora, ele estava disposto a fazer aquilo que a cidade não conseguia e, já agora, suplantar o mayor. A construção do rinque, prometia a Koch, «que essencialmente envolve colocar uma base de betão, não deve demorar mais de quatro meses».

 

 

 

Trump ofereceu‑se para pagar a construção e gerir ele próprio o rinque.

 

 

 

Koch escreveu‑lhe no mesmo dia, a dizer que ficaria «encantado» se Trump fizesse a obra de reparação, mas a rejeitar a sua oferta para gerir o rinque. E o mayor desencorajava Trump a tentar dar o seu próprio nome ao rinque:

 

 

 

«Lembre‑se, a Bíblia diz que aqueles que fazem a caridade de forma anónima ou, se não for de forma anónima, sem requerer o uso dos seus nomes, são duplamente abençoados.»

 

Trump rapidamente transformou o projecto Wollman numa mina de ouro de tempo de antena gratuito. Deu meia dúzia de conferências de imprensa enquanto os trabalhos decorriam, o que irritou os responsáveis da Câmara. Quando o comissário dos Parques, Henry Stern, chegou à primeira conferência de imprensa, encontrou uma placa que dizia «Proprietário: Trump Ice, Inc.». Ordenou ao seu pessoal que removesse a placa. Em vez de dar o nome de Trump ao rinque, Stern ofereceu‑se para plantar uma árvore em sua honra. Os funcionários dos parques escolheram um pinheiro japonês de três metros, a que chamaram Árvore Trump. Por acaso, o construtor estava a chegar ao rinque na altura em que se preparavam para plantar a árvore. Furioso, gritou: «Digam ao Ed Koch e ao Henry Stern que podem enfiar a árvore nos rabos.» Trinta anos mais tarde, quando Trump estava a concorrer à Presidência, a árvore, agora com 12 metros, continuava ao lado do rinque.

 

 

 

Livre dos regulamentos burocráticos que tinham frustrado os esforços da cidade para reconstruir o rinque, Trump terminou‑o dois meses antes do previsto e abaixo do orçamentado, conquistando a batalha de relações públicas contra o mayor – e os corações de muitos nova‑iorquinos.

 

 

Em público, Trump tinha se tornado aquilo que sempre quisera ser: uma estrela. A revista Playboy chamou lhe um dos homens mais sexy da América e, em Março de 1990, ele foi capa da Playboy, encostado a uma modelo que o olhava com adoração.

 

 

 

Trump transformou aquela boa vontade numa nova onda de celebridade, retratando‑se como um negociador que consegue fazer coisas, alguém com gostos exuberantes de bilionário e com uma queda populista para conversa directa. O magnata da imprensa, Si Newhouse, reparou que as vendas da sua revista GQ dispararam quando Trump apareceu na capa, por isso, apresentou a Trump uma ideia: escrever um livro para a editora dele, a Random House. Escrito, na realidade, por Tony Schwartz, Trump: The Art of the Deal transformava a celebração de Trump do ego, da excelência e das ambições de expansão nos negócios num livro fácil de ler com receitas de sucesso. A sua bíblia de negócios incluía a alegria das reduções nos impostos, do poder de uma história sensacionalista e da importância de jogar com as fantasias dos clientes. O livro desfazia os críticos (a administração de Koch era «tanto amplamente corrupta como totalmente incompetente») e fomentava o seu currículo («os negócios são a minha forma de arte. Adoro fazer negócios, de preferência grandes negócios»). Fazendo eco do «pensamento positivo» do reverendo Norman Vincent Peale, Trump oferecia uma fórmula de 11 passos para o sucesso. No primeiro passo («Pense em grande»), Trump dizia que «muitos empreendedores de imenso sucesso» possuíam um nível de concentração a que ele chamava «neurose controlada».

 

 

 

Os críticos menosprezaram o livro, considerando‑o superficial, arrogante e de autopromoção. Um crítico do The Washington Post disse: «A falta de gosto do homem é tão grande quanto a sua falta de vergonha.»  Mas nas primeiras semanas após o lançamento, o livro escalou para o topo das listas dos mais vendidos. Vendeu mais de um milhão de exemplares, em parte devido a um bombardeamento de publicidade que parecia uma campanha presidencial: Trump fez anúncios de página inteira nos jornais a exigir uma política de negócios estrangeiros mais dura nos EUA, fez um discurso em New Hampshire no auge da época das eleições primárias e distribuiu autocolantes a dizer «Eu adoro Donald Trump». Mas essa campanha não era para ser eleito, era para vender livros – e a ele próprio. «Foi tudo para ter muita visibilidade», disse Peter Osnos, que editou o livro na Random House. «Trump tinha esta necessidade de ser um nome realmente grande, por isso, cultivava a fama. Mas o estilo de vida dele era surpreendentemente pouco glamoroso. Ele é muito disciplinado em algumas coisas. Não fuma, não bebe, vive por cima da loja. Ele não foi uma grande figura do social em Nova Iorque, nunca foi. Ele gostava, simplesmente, de subir as escadas e ver televisão. Aquilo que lhe interessava era a fama e os negócios – construção, imobiliário, jogo, wrestling, boxe.»

 

 

 

Enquanto o império de Trump crescia, algumas das pessoas mais próximas dele notaram uma mudança. Tornou‑se mais distante, por vezes petulante, por vezes explosivo. Nos dias do Grand Hyatt, a Trump Organization, por maior que parecesse, vivia com um pequeno escritório e uma equipa reduzida: Sunshine, o advogado e conselheiro de Trump, Harvey Freeman, e um grupo restrito de agentes imobiliários, de advogados e de secretárias. A vaidade de Trump instilou um forte tribalismo na sua equipa: os funcionários, dizia ele várias vezes, eram os melhores. Embora mais tarde ficasse conhecido pela frase «Estás despedido!», Trump geralmente sentia‑se pouco à vontade a livrar‑se de um empre‑ gado. Se tinha de ser feito, ele preferia delegar a tarefa num subalterno. «Sentimos sempre que se a pessoa estivesse suficientemente próxima dele para ter de ser ele a fazê‑lo, então a pessoa tinha um emprego para toda a vida», disse Res.

 

 

 

No início dos anos de 1980, Res caminhava pelos passeios com Trump até às reuniões, a fazer conversa fiada sobre edifícios ou negócios. No final da década, quando Trump ia almoçar com outros executivos, ia rodeado por três guarda‑costas. O escritório tinha sido sempre competitivo, mas a porta para a sala de Trump ficava sempre aberta, mesmo quando estava a fazer telefonemas sob o falso nome de John Barron. Mas após os primeiros grandes sucessos, o humor em torno de Donald começou a mudar. Rodeou‑se, disse Res, de bajuladores que aplaudiam tudo o que fazia, em vez de questionarem a sua lógica.

 

 

 

«Não era o mesmo Donald com que nos podíamos sentar na cavaqueira», disse ela. «Já não queria que o questionassem. Era uma estrela demasiado grande.»

 

 

 

Começou a beber os refrigerantes diet por uma palhinha e só quando lhe eram entregues pela sua assistente, Norma Foerderer, porque tinha demasiado medo dos germes das outras pessoas. Os executivos começaram a chamar a Norma «o barómetro». Se Donald estava no escritório com um humor especialmente conflituoso, ela parava os visitantes, dizendo: «Não entrem aí.»

 

 

 

As exigências de Trump entraram numa espiral. Uma vez, por volta das duas da manhã, quando passava pelo Trump Parc de limusina, Trump viu uma lata de refrigerante caída no passeio perto da entrada. Telefonou a Blanche Sprague, responsável pelo desenvolvimento de projectos, e disse‑lhe: «Telefone‑me quando já lá não estiver.» Ela pediu a um empregado da manutenção para tratar disso e depois telefonou a Trump a informá‑lo. «Depois voltei a dormir até às seis horas, quando o Donald me telefonou sobre outra coisa qualquer», disse ela. Ao mesmo tempo que os negócios cresciam e se tornavam mais complicados, o mau feitio de Trump disparou. Após lhe terem dito que um projecto estava atrasado, ele pontapeou uma cadeira da sala de conferências. «Ele tem sempre de ter as coisas à sua maneira», disse Scutt, o arquitecto.

 

 

 

Alguns dos seus executivos mais próximos começaram a sair: o principal advogado de Trump em Nova Iorque, o responsável de vendas, o conselheiro financeiro, e até Res, a engenheira que tinha levantado o nome dele para o céu, a mulher que ele tinha nomeado «Donna Trump».

 

 

 

Mas isto era tudo nos bastidores. Em público, Trump tinha‑se tornado aquilo que sempre quisera ser: uma estrela. A revista Playboy chamou‑lhe um dos homens mais sexy da América e, em Março de 1990, ele foi capa da Playboy, encostado a uma modelo que o olhava com adoração. A mulher de Trump não se manifestou contra a foto, pelo menos em público, mas algumas mulheres nos escritórios de Trump estavam desiludidas. «Acho que foi o princípio do fim de ele ser um homem de negócios sério», disse Res. «Ele passou a ser um desenho animado.» Arrojado, Trump adorou a publicidade. «O espectáculo é Trump», disse ele, «e as actuações estão esgotadas em todo o lado.»”

 

 

TPT com: AFP//Washington Post//FOX// KEVIN DIETSCH/POOL/EPA// SAUL LOEB/AFP//João Francisco Gomes//Observador// 19 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

 

 

Presidente Jorge Carlos Fonseca pede às Forças Armadas para reforçarem relações com a sociedade

O Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, pediu hoje às Forças Armadas cabo-verdianas que adotem uma «atitude e medidas» que reforcem as relações com a sociedade, numa «simbiose permanente» baseada no respeito e na confiança.

 

«Um importante aspeto a ter sempre em conta é o relacionamento que deve ser o mais cordial e respeitoso possível, com a sociedade», sustentou Jorge Carlos Fonseca, que discursava, na cidade da Praia, no acto comemorativo do 50º aniversário das Forças Armadas cabo-verdianas.

 

Segundo o chefe de Estado cabo-verdiano, as relações das Forças Aramadas com a sociedade devem ser reforçadas, nomeadamente com a realização de atividades militares e desportivas, com a participação da população e da sociedade civil.

 

Os 50 anos assinalam o dia em que, em 1967, em Cuba, os elementos do núcleo fundador das Forças Armadas de Cabo Verde prestaram juramento perante o líder histórico da Independência Amílcar Cabral.

 

Em 1988, o Governo fixou o dia 15 de janeiro como Dia das Forças Armadas cabo-verdianas.

 

Para o Presidente da República, que é também Comandante Supremo das Forças Armadas, a instituição castrense tem «correspondido às obrigações», apesar de considerar que ainda existem «dificuldades e limitações».

 

Jorge Carlos Fonseca disse que vai continuar a empenhar-se para que sejam criadas condições que assegurem que o processo de reestruturação e modernização das Forças Armadas atinja os objetivos preconizados, bem como para a profissionalização de Praças, Sargentos e Oficiais.

 

«O objetivo desse processo é contribuir para que cada membro das Forças Armadas, mais do que um cidadão fardado, seja um verdadeiro profissional pronto a cumprir escrupulosamente a sua nobre missão», sublinhou.

 

O mais alto magistrado da Nação cabo-verdiana pediu ainda que sejam adotadas «medidas concretas» no sentido do cumprimento do Serviço Militar Obrigatório.

 

As Forças Armadas cabo-verdianas assinalam este ano o 50º aniversário após 2016 ter ficado marcado pela morte, em abril, de oito militares e três civis, no posto de Monte Tchota, interior da ilha de Santiago, às mãos de um soldado do mesmo destacamento.

 

O incidente pôs a descoberto as fragilidades da instituição, nomeadamente ao nível das comunicações, dos critérios de recrutamento e das condições nos quartéis.

 

O Chefe de Estado Maior das Forças Armadas (CEMFA), Anildo Morais, que assumiu o comando da instituição após os acontecimentos de Monte Tchota, disse que as Forças Armadas enfrentaram e estão a ultrapassar essa situação.

 

«O ano de 2016 ficou marcado pelos acontecimentos de Monte Tchota que abalaram o país e as estruturas das Forças Armadas. Contudo, com a força anímica que carateriza os militares, temos vindo a enfrentar esta situação e, hoje, sentimos que estamos a ultrapassar essa grande dor», sustentou.

 

Anildo Morais caraterizou os 50 anos das Forças Amadas cabo-verdianas como um «marco histórico» para a instituição e para o país e considerou que «se cumpriu» o juramento dos elementos do núcleo fundador.

 

Quanto aos desafios do futuro, apontou a nova reestruturação, com melhorias na gestão dos recursos humanos e revisão do Estatuto dos Militares, melhoria das condições de vida e de trabalho e dotar as Forças Armadas de maiores capacidades operacionais.

 

Afirmando que as Forças Armadas vão continuar a ser um instrumento do esforço coletivo e de reforço da unidade nacional e da democracia, o CEMFA disse, porém, que é preciso o «esforço ativo e permanente de todos» para que o país seja cada vez mais seguro.

 

O acto central das comemorações do 50º aniversário das Forças Armadas cabo-verdianas foi realizado na Avenida Cidade de Lisboa, a maior da cidade da Praia, e na presença das mais altas entidades do Estado, corpo diplomático, militares na reserva e na reforma e muitos civis.

 

A cerimónia, em que o Presidente da República condecorou alguns militares, terminou com um desfile dos mais diversos ramos das Forças Armadas cabo-verdianas, acompanhados por um grupo da marinha brasileira, convidado especial nas comemorações.

 

 

TPT com: AFP//Lusa//Sapo24//15 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

Israel diz que cimeira de Paris sobre a situação no Médio Oriente está longe das perspetivas de paz

Israel assinalou neste domingo que a cimeira de Paris sobre o Médio Oriente, que renovou o apoio a uma solução a dois estados para o conflito israelo-palestiniano, está longe das perspetivas de paz. “A cimeira internacional [hoje realizada em Paris] e as resoluções da ONU não fazem mais do que afastar as perspetivas de paz, uma vez que encorajam os palestinianos a recusarem as discussões diretas com Israel”, indicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, em comunicado.

 

 

“Se os estados reunidos em Paris querem verdadeiramente que [o processo de] paz avance, devem fazer pressão sobre [o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas,] para que aceite o convite de Netanyahu [primeiro-ministro israelita] para negociações diretas”, sustenta o ministério. A nota acrescenta que a cimeira de Paris, marcada pela ausência de Israel e Palestina, é uma “tentativa artificial de pessoas fora do Médio Oriente para ditarem soluções às pessoas do Médio Oriente, de que devem viver com as suas repercussões”.

 

 

Israel assume Jerusalém como a sua capital indivisível, que inclui o Leste de Jerusalém, parte palestiniana da cidade ocupada por Israel em 1967 e anexada em 1980, e onde os palestinianos querem estabelecer a capital do Estado da Palestina. A ONU considera ilegal a ocupação e a anexação do Leste de Jerusalém por Israel. O processo de paz israelo-palestiniano está em ‘ponto morto’ há mais de dois anos.

 

Entretanto, o secretário de Estados dos Estados Unidos, John Kerry, garantiu hoje ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que a conferência de Paris não terá consequências irreversíveis para Israel, nem tão pouco continuidade numa possível resolução de condenação na ONU.

 

 

Kerry, que participa na conferência, no que parece ser o seu último ato oficial de alto nível, telefonou a Netanyahu para lhe prometer que o documento final da reunião não referirá qualquer ação ou sanção na ONU ou outro organismo internacional até 20 de janeiro, quando o presidente norte-americano, Barack Obama, abandonará o cargo e será substituído por Donald Trump.

 

 

A Autoridade Palestiniana, ao contrário de Israel, congratulou-se hoje com as conclusões da cimeira de Paris, onde estiveram representados mais de 70 países.

 

 

Reino Unido recusa assinar comunicado final sobre solução para Médio Oriente

 

 

O Reino Unido, que sempre manifestou reservas quanto à cimeira de Paris sobre o Médio Oriente, recusou, este domingo, assinar o comunicado final, que defende uma solução negociada de dois estados para o conflito israelo-palestiniano.

 

A recusa foi anunciada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, numa nota de imprensa.

 

Na nota, a diplomacia britânica justifica «as reservas particulares» sobre a cimeira, realizada este domingo na capital francesa, com a ausência de Israel e Palestina.

 

«Esta é uma cimeira contra a vontade de Israel», vincou o Reino Unido, que participou no encontro com o estatuto de observador.

 

 


PM israelita diz que conferência internacional para paz no Médio Oriente é “fútil”

 

 

 

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, qualificou hoje como fútil a conferência internacional de Paris para a paz no Médio Oriente.

 

“A conferência de hoje em Paris é uma conferência fútil”, declarou Netanyahu aos ministros israelitas no início de um Conselho de Ministros em Jerusalém. “[A conferência] Foi coordenada entre franceses e palestinianos com o objetivo de impor a Israel condições que são incompatíveis com nossas necessidades nacionais”, acrescentou, citado pela agência France Presse.

 

 

O governo de Netanyahu opôs-se à conferência, afirmando que apenas conversações diretas com os palestinianos podem acabar com o longo conflito.

 

 

Os palestinianos saudaram a abordagem multilateral, dizendo que anos de negociações com os israelitas não terminaram a ocupação da Cisjordânia.

 

 

Esta conferência, foi presidida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e Desenvolvimento Internacional francês, Jean-Marc Ayrault, e participaram, entre outros, o secretário de Estado norte-americano cessante, John Kerry, e o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, não estando prevista representação de Israel.

 

 

Portugal fez-se representar na reunião, pela secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro.

 

 

 

TPT com: AFP// Reuters//Bertrand Guay //Lusa//Ronen Zvulun// EPA// France Press//15 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

246 milhões de dólares é o preço da guerra para ter Angola sem minas

Os Estados Unidos vão doar quatro milhões de dólares para o programa de desminagem de Angola, mas o país precisa de 246 milhões de dólares (cerca de 231 milhões de euros) para cumprir o objetivo de concluir a limpeza até 2025.

 

 

O anúncio da disponibilização desta verba (3,7 milhões de euros) pelo Departamento do Estado, a aplicar este ano, foi feito hoje no Huambo por Constance Arvis, ministra conselheira da embaixada norte-americana em Luanda, no âmbito das cerimónias evocativas dos 20 anos da visita de Diana de Gales àquela província, colocando então Angola em destaque nas necessidades internacionais de desminagem.

 

 

“Esta assistência, implementada através de organizações não-governamentais e em parceria com o Governo de Angola, permite a mais e mais angolanos voltar a casa em segurança, reconstruir as suas comunidades e cuidar das suas plantações”, enfatizou a diplomata.

 

 

Numa altura em que as doações internacionais para a desminagem em Angola caíram 80%, Constance Arvis recordou que os Estados Unidos são “parceiros empenhados nessa luta” e que desde 1995 já investiram mais de 124 milhões de dólares (116,5 milhões de euros) no programa angolano de remoção e destruição de minas terrestres, engenhos não detonados e munições.

 

 

A guerra civil em Angola prolongou-se entre 1975 e 2002, mas desde então estima-se que a desminagem apenas tenha chegado a metade do país, com mais de mil campos identificados que permanecem por desminar.

 

Além de vários acidentes mortais que se continuam a registar no país, sobretudo com crianças, estes campos minados impedem a livre circulação em várias comunidades ou acesso a alguns campos de cultivo.

 

 

Presente hoje no Huambo, o general britânico James Cowan, diretor-geral da Halo Trust, uma das maiores organizações não-governamentais internacionais da área da desminagem, disse que o país ainda tem necessidades estimadas de 246 milhões de dólares (231 milhões de euros) de financiamento internacional para conseguir cumprir a meta de concluir a desminagem do país até 2025, conforme a convenção de Otawa, a que Angola aderiu.

 

 

Apesar de se tratar de uma verba “elevada”, o responsável da Halo Trust, que assegura a desminagem em várias províncias do centro e sul de Angola, afirma que, “dividida pelos próximos anos, por vários países doadores e pelo Governo angolano”, é uma “meta alcançável”.

 

Como exemplo, a Halo Trust aponta o caso do Huambo, onde se registaram intensas atividades militares durante a guerra civil, e que poderá ser a primeira província do país a ser declarada como totalmente livre de minas, já em 2018.

 

 

A Halo Trust promoveu a limpeza de 270 campos de minas no Huambo, desde 1994, restando apenas 18, mas a falta de financiamento fez a organização reduzir de 80 para 13 o total de equipas no terreno, para operações de desminagem e investigação.

 

 

“Temos aqui atrás de nós veículos parados que podiam estar a ser utilizados”, lamentou o general James Cowan.

 

 

Só hoje, numa ação das autoridades angolanas e da Halo Trust, em Tchicala Tcholoanga, a 35 quilómetros do Huambo, foi feita uma explosão controlada de quase uma tonelada de material recuperado em toda a província, no caso 200 morteiros de 82 mm e sete projéteis de 130 mm.

 

 

Desde a visita de Diana de Gales ao Huambo, a 15 de janeiro de 1997, alvo na altura de uma cobertura mediática internacional, Angola garantiu mais de 100 milhões de dólares (94 milhões de euros) de financiamento para desminagem, 60% proveniente dos Estados Unidos.

 

 

Atualmente, além do apoio norte-americano, o financiamento chega a Angola também da Suíça e do Reino Unido – cujas representações diplomáticas também estiveram hoje nas cerimónias no Huambo -, com a Halo Trust a multiplicar os apelos ao reforço dos donativos internacionais, sob pena de o processo de desminagem poder parar.

 

 

“Em memória da princesa Diana, deixem-nos acabar o trabalho”, concluiu James Cowan.

 

 

A guerra acabou mas as minas continuam a destruir vidas

 

 

 

Como outros angolanos, Jeremias Augusto, de 14 anos, sonha ser professor, mas o de continuar a jogar à bola ficou para trás, após ter sido atingido pela explosão de uma mina que, juntamente com os amigos, encontrou no campo.

 

 

“Eu e outro ficamos amputados [uma das pernas], um morreu e dois ficaram feridos”, começou por contar à Lusa Jeremias Augusto, recordando o acidente que viveu a 28 de outubro de 2016, juntamente com os amigos.

 

 

Tudo aconteceu na lavra, para onde ia com o avô para trabalhar. Aconteceu a 28 de outubro de 2016, a quatro quilómetros do chamado campo de Santo António, uma área do Huambo que antes era minada e que há precisamente 20 anos (15 janeiro 1997) foi visitada por Diana de Gales, que então colocou a necessidade de apoio à desminagem em Angola na agenda internacional.

 

 

“O mais novo encontrou e foi passando. Eu botei [atirou ao chão] e não sabia se aquilo ia explodir. A perna foi”, conta. Agora aguarda pelo final de abril para se cumprirem os seis meses de curativos necessários após a amputação da perna e assim, finalmente, colocar a prótese.

 

 

Entretanto, volta à escola em fevereiro, para repetir o sétimo ano, que não chegou a acabar devido ao acidente, e continuar o sonho de vir a ser professor. Com a prótese espera ainda voltar a fazer os trabalhos de serragem e soldadura que já realizava, para ajudar a mãe no sustento da casa e dos sete irmãos.

 

 

“Posso continuar o trabalho de serrar e soldar, mas jogar à bola não”, desabafa.

 

 

Quando a mina explodiu, Manuel, de sete anos, foi outra das vítimas. Também ficou sem uma perna, para desespero do pai, o primeiro-sargento do exército Luís Rodrigues, que ainda não se conforma com o que aconteceu.

 

 

Esteve na guerra e continua no Exército angolano depois do fim do conflito, em 2002: “No tempo que eu fiquei na tropa não cheguei a este ponto, mas o filho recém-nascido ficou amputado. Só para ir urinar tenho de pegar nele na cama e leva-lo para a casa de banho. A guerra acabou a caminho de 16 anos e estas coisas ainda acontecem”, conta o militar, revoltado.

 

 

Para já pede apoio para os tratamentos, já que outro dos cinco filhos ficou também ferido no mesmo acidente.

 

 

“Ou pago a casa, ou pago a escola ou pago os tratamentos. Não sei o que fazer, só peço ajuda”, atira o militar, desolado.

 

 

Os dois filhos do primeiro-sargento Luís Rodrigues e Jeremias Augusto recebem apoio do Centro de Medicina e Reabilitação Física Dr. Agostinho Neto, na cidade do Huambo, mas a unidade debate-se com a falta de recursos e apoio internacional, contando apenas com as “magras” verbas do Orçamento Geral do Estado angolano.

 

Até 2010 colocava entre 10 a 15 próteses por mês, mas depois de perder o apoio da Cruz Vermelha internacional, limita-se, a “três ou quatro”, como contou o diretor técnico do centro, que assegura parte da produção, montagem e colocação.

 

 

“Tendo em conta a procura isso é praticamente uma gota no oceano. A procura é tanta que nós não temos capacidade de resposta”, afirma Secretário Catita Daniel, recordando que mesmo depois do fim da guerra “continuam a aparecer amputados vítimas de minas”, sobretudo crianças.

 

 

A estrutura, diz, está “obsoleta”, ainda do tempo colonial, enfrentando ainda a falta de técnicos. Funciona com apenas 18 pessoas, para necessidades estimadas em 40 profissionais, face às “centenas de pessoas” que recorrem ao centro, que além da montagem e colocação de próteses e órteses faz ainda a reabilitação física.

 

 

“Estamos em ‘stock’ zero”, confessa o diretor do centro, Daniel Tove, referindo-se às “imensas solicitações” de mutilados, não só do Huambo como de outras províncias vizinhas, para colocação de próteses e cujos componentes têm de ser importados.

 

 

De acordo com o responsável, só para retomar a resposta que era dada antes do corte do apoio internacional, seria necessário mais de um milhão de dólares para os próximos anos.

 

 

“A guerra acabou, mas as minas ficaram”, desabafou.

 

 

Só em setembro de 2016, oito pessoas da mesma família foram mortas nos arredores do Cuíto, na província vizinha do Bié, depois da detonação de uma mina antitanque, ainda do período da guerra civil e que foi transportada para casa por uma criança, segundo a organização não-governamental britânica Halo Trust.

 

 

Estas organizações que operam em Angola admitem que face ao corte no financiamento internacional, o objetivo de desminar todo o país até 2025 pode estar comprometido.

 

 

TPT com: AFP//Jornal i//sapo24//Lusa//JA// 14 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

O mundo explosivo de José Sousa Cintra com petróleo, cervejas e muitas águas turvas à mistura

O empresário entrou de rompante nos negócios com a compra da Vidago Pedras Salgadas no princípio dos anos 80. Ganhou ainda maior protagonismo quando assumiu a presidência do Sporting, no final da década. Quando sai do clube de Alvalade entra nas cervejas no Brasil e em Portugal. Agora falhou a sua aventura no petróleo.

 

 

Um empresário “versátil”: é desta forma que José de Sousa Cintra é visto pela maioria dos empresários contactados, que partilharam com ele alguns negócios ou apenas vivências, mas que ainda assim preferiram o anonimato. Apesar de ter investido em várias áreas de atividade, Sousa Cintra voltou agora à ribalta depois de ter sido surpreendido pela decisão do governo de rescindir os contratos para prospeção e exploração de petróleo no Algarve. A sua última aventura no mundo dos negócios foi anunciada em setembro de 2015, quando a sua empresa Portfuel – Petróleos de Portugal obteve permissão por parte do executivo para iniciar a prospeção de petróleo e gás natural no onshore (em terra) algarvio, nas zonas de Aljezur e de Tavira, na sua primeira incursão na pesquisa de hidrocarbonetos.

 

 

Em relação a esta surpresa de última hora, Sousa Cintra tem sido poupado nas suas palavras, dizendo apenas que “agora é com os advogados”, deixando em aberto a possibilidade de vir a pedir uma indemnização ao Estado português. Ao mesmo tempo aproveitou para tecer duras críticas ao executivo e à forma como foi conduzido todo este processo pelo secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches.

 

 

“Estão a brincar com os empresários e com as empresas. Eu tenho vários contratos para cumprir, tenho pessoas a trabalhar, tenho vários compromissos, e o secretário de Estado não quer saber disto para nada. É alérgico à iniciativa privada?
É alérgico aos empresários? Não dá para entender”, afirmou.

 

 

Mas a verdade é que o seu percurso começou cedo. Numa entrevista confessou que era um homem que trabalhava de noite e de dia e que nem tempo tinha para dormir. “Também não preciso de dormir muito, apenas cerca de quatro a cinco horas por noite. Deito-me com os problemas, levanto-me com eles. Sou um escravo do trabalho, de manhã à noite, sem parar. Até mesmo de carro, do escritório para a fábrica, aproveito para trabalhar e dito para um gravador o que preciso de fazer. Tirando o almoço e o jantar, trabalho cerca de 16 horas por dia. E levanto-me muito cedo, pelas sete da manhã”, revelou numa entrevista dada ao “Correio da Manhã” em 2003.

 

 

José de Sousa Cintra nasceu no Algarve, no seio de uma família humilde da aldeia de Raposeira, em Vila do Bispo. Mas cedo trocou os livros da escola para receber uns “trocos” na venda dos caracóis, onde batia porta a porta de balde em punho. Nessa altura ninguém acreditaria que iria ter um papel de relevo no mundo dos negócios, apesar de muitos terem representado verdadeiros fracassos.

 

 

Nas férias da escola chegou a trabalhar na Pousada Infante de Sagres e foi aí que a sua sorte mudou. Conheceu D. Manuel, conde de Caria, homem de negócios com interesses nas águas engarrafadas e na hotelaria, que costumava fazer férias naquela unidade hoteleira. Acabou por deixar um cartão com os seus contactos para o caso de Sousa Cintra precisar de alguma coisa – um cartão que mudou a sua vida. Aos 15 anos veio para Lisboa com um objetivo simples: pedir emprego ao aristocrata. Foi trabalhar como ascensorista no Hotel Tivoli, na Avenida da Liberdade e, a partir daí, tudo mudou.

 

 

Aos 16 anos entrou como voluntário para a Marinha, mas nessa altura já tinha feito os conhecimentos certos. E, com ou sem cunha, foi parar à especialidade de transmissões e colocado na Estação Radionaval de Sagres, a poucos quilómetros da sua terra natal. Saiu de lá quatro anos depois. Pelo meio casou-se com uma professora de Lagos e, cumprido o tempo de tropa, nasceu o filho Miguel. No entanto, o casamento durou pouco tempo.

 

 

Sousa Cintra comprou ao conde de Caria a Vidago Pedras Salgadas no princípio dos anos 80 e anunciou um investimento de um milhão de contos numa cerimónia muito mediática em Trás-os-Montes.
O negócio seria vendido, já nos anos 90, ao grupo Jerónimo Martins. Cintra vira–se então para o imobiliário, uma área que conhecia muito bem desde o 25 de Abril de 1974, primeiro, como intermediário entre pequenos proprietários na Costa Vicentina e grandes investidores. Mas só depois da revolução é que começou a ver a sua fortuna a crescer. Como? Muitos proprietários de terrenos refugiaram-se no Brasil e tentavam desfazer-se de tudo a qualquer preço. E é aí que entra Cintra. Comprava esses terrenos quase ao desbarato para os vender, mais tarde, a preços muito mais altos.

 

 

A par dos negócios imobiliários, alargou então o império das águas – e chega às Pedras Salgadas, cuja empresa tinha terrenos e hotéis, que vendeu por 12 milhões de contos, nos finais da década de 90, ao grupo Jerónimo Martins – um negócio que, mais tarde, lhe trouxe verdadeiras dores de cabeça ao ter de enfrentar a barra do tribunal. Nessa altura, já apresentava uma das maiores fortunas de Portugal. E já tinha assumido entretanto o cargo de presidente da assembleia-geral da Associação Industrial Portuguesa (AIP).

 

 

Mais tarde, o empresário veio admitir que, em todas as atividades que desenvolveu, tinha paixões distintas. “No imobiliário ganha-se mais. A indústria é uma luta com mais trabalho, maior dedicação e responsabilidade. Hoje em dia, para vencer nos negócios, é preciso ter coragem. No setor das cervejas, muito importante para a nossa economia, fiz um investimento de 15 milhões de contos, mas com um grande orgulho e satisfação pessoal. Eu tenho dado a minha quota-parte para o país. Tive coragem de dar um contributo tão grande num momento particularmente difícil”, referiu nessa mesma entrevista.

 

 

Ganha protagonismo

 

 

Apesar da riqueza, nessa altura, Sousa Cintra pouco ou nada era conhecido junto do tecido empresarial português. Acabou por se tornar uma figura pública a partir do momento em que assumiu a presidência do Sporting Clube de Portugal. Numa altura em que o clube vivia uma fase de grande instabilidade, resolveu entrar na corrida eleitoral e, apesar de só ter ido a tempo de fazer seis dias de campanha, acabou por vencer o sufrágio com a maioria. A 23 de junho de 1989 assumiu a presidência do clube, onde esteve até 1995, ano em que foi substituído por Pedro Santana Lopes.

 

 

Durante os seus três mandatos, e apesar de muito investimento, a equipa de futebol do Sporting só conquistou um troféu, a Taça de Portugal de 1995/96, e, mesmo assim, com a final da competição a realizar-se numa altura em que já era Santana Lopes o presidente. A 1 de fevereiro de 1994, Sousa Cintra inaugurou o Museu do Sporting. Sempre viu o futebol como uma paixão clubista e como uma satisfação pessoal onde não se ganha nada.

 

 

Escapou ileso às “guerras” do atual presidente Bruno de Carvalho quando anunciou que iria fazer uma auditoria às contas do clube dos últimos anos 20, ou seja, a partir do fim do mandato de Sousa Cintra.

 

 

Negócio da cerveja

 

 

Depois de abandonar a presidência do Sporting voltou a dedicar-se em exclusivo à atividade de empresário. Em 1998, no Brasil, fundou a Drink In, que se iniciou na produção de cerveja com uma fábrica em São Paulo, a que se seguiu outra no Rio de Janeiro. Em dois anos tornou-se o quarto maior produtor de cerveja do Brasil e quis ser líder das águas neste mercado. O negócio acabou por ser vendido em 2007. Mas também lhe trouxe dissabores.

 

 

O certo é que o sucesso chegou a ser tão grande que o fez apostar no mercado português com a marca Cintra. Investiu 75 milhões de euros na criação de uma fábrica em Santarém, em 2002, mas, sem alcançar vendas capazes de escoar a produção, acabaria por vender o negócio em 2006 à Iberpartners, cujos acionistas eram Jorge Armindo, Vasco Pereira Coutinho, Esmeralda Dourado, António Bernardo, a família Amorim e Estela Barbot.

 

 

Pelo meio passa pela barra do tribunal. É acusado de inside trading no processo da oferta pública de aquisição (OPA) da Jerónimo Martins à Vidago Melgaço Pedras Salgadas. Em causa estava a venda da Vidago e a ação avançou pelas mãos do Banco Privado Português (BPP), mas Sousa Cintra acabou por ganhar o processo, em 2004. A ação cível reclamava uma indemnização de 1,8 milhões de euros que, com juros, implicaria uma verba a pagar de 2,5 milhões de euros, e alegava que Sousa Cintra teria já um acordo de venda com a Jerónimo Martins que viria a culminar numa OPA por parte desta sobre a Vidago.

 

 

O processo interposto em meados de 1999 foi contra cinco elementos do conselho de administração (CA) da Vidago, a título individual: José Sousa Cintra, enquanto presidente da empresa, e os vogais Miguel Cintra, Paulo Morgado, Luís Leyva e Ângelo Correia. A Portuguese Smaller Companies Fund do BPP acusou Sousa Cintra de que já estaria, à data de aquisição das ações por si detidas, a negociar com a Jerónimo Martins (JM) a sua venda. A 9 de novembro de 1996, Sousa Cintra e Soares dos Santos (presidente da JM) chegaram a acordo para a venda, e a sessão especial de bolsa da OPA sobre a Vidago ocorreu em 23 de janeiro de 1997.

 

 

Durante o processo em tribunal foi alvo de fortes críticas por parte do empresário Joe Berardo e de Paulo Morgado, diretor-geral e administrador da Vidago entre 1995 e 1998. Paulo Morgado negou ter sido o interlocutor da Vidago no negócio com a JM, reconhecendo, contudo, ter defendido a ideia da necessidade de realizar uma parceria com um grupo distribuidor para aumentar as vendas das águas. Paulo Morgado afirmou que “vários membros do conselho de administração da Vidago queriam que Miguel Sousa Cintra se envolvesse mais na empresa”, já que seria uma forma de ultrapassar a “aleatoriedade” do pai. “A relação entre pai e filho era formal. Por vezes, Miguel sabia tanto ou menos que os outros” membros do conselho de administração da Vidago, salientou.

 

 

Já o presidente da Metalgest, Joe Berardo, que em julho de 1996 vendeu a posição na empresa por, alegadamente, Sousa Cintra lhe ter garantido que o negócio da Vidago iria permanecer na família, afirmou em tribunal sentir-se “prejudicado pelo teatro que José Sousa Cintra fez”.
A Metalgest alega que se desfez, com prejuízo, de 9% que detinha na Vidago, e por isso interpôs uma ação cível contra o empresário, pedindo uma indemnização de 1,3 milhões de euros.

 

 

Mas o desfecho desta operação também não foi feliz para a empresa de distribuição que, em 2011, se viu numa situação de aperto e foi obrigada a desfazer-se do negócio das águas.

 

 

Mais ações em tribunal

 

 

Já em 2012, um tribunal brasileiro condenou o antigo presidente do Sporting a pagar 20,4 milhões de euros de indemnização à empresa Petrópolis. Na sequência deste processo, um tribunal português ordenou o arresto dos bens. Na altura, Sousa Cintra dizia sentir-se “totalmente tranquilo” e “completamente descansado” quanto ao desfecho do caso.

 

 

O caso remonta a 2008, ano em que Sousa Cintra foi condenado, por um tribunal arbitral brasileiro, a pagar 25 milhões de dólares, cerca de 20,4 milhões de euros, à Petrópolis. Considerando que fora por culpa da empresa que não se verificara o negócio de venda da fábrica de cerveja Cintra no Brasil, o empresário requereu o cumprimento da cláusula penal do contrato, que impunha uma indemnização de 25 milhões de dólares à parte incumpridora.

 

 

O facto de o ex-presidente do Sporting ter criado uma Fundação Sousa Cintra, em 2010, para a qual passou todos os seus bens, incluindo casa e recheio, foi usado como argumento pela Petrópolis de que o empresário tentava dispersar os bens para evitar pagar a indemnização. À data da legalização da fundação, o seu património estava avaliado em cerca de 20 milhões de euros.

 

 

Mais polémicas

 

 

Os problemas de Sousa Cintra não ficaram limitados apenas à barra dos tribunais. O empresário também enfrentou conflitos com o poder local quando decidiu cortar o acesso à praia do Tonel, em Sagres, colocando um portão no caminho público. A Câmara de Vila do Bispo chegou a autorizar a obra, mas acabou por recuar após protestos populares. Aliás, as divergências começaram ainda antes, quando mandou fechar o acesso público ao mar na Pedra da Bala, onde tinha mandado construir um casa que foi embargada por não respeitar os condicionamentos do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

 

 

Estes investimentos chegaram a ser alvo de fortes críticas por parte dos seus conterrâneos, que o acusaram de comprar tudo, mas de mais tarde deixar ao abandono. Um dos casos mais polémicos foi o da urbanização das Esparregueiras, situada ao lado da estrada de acesso ao cabo de São Vicente. O loteamento, com cerca de duas centenas de fogos, beneficiou de um alvará dos anos de 1980, mas esteve abandonado.

 

 

O mesmo caminho teve o lagar da cooperativa Cartoil, em Ferreira do Alentejo. Foi apresentado em 2011 como o segundo maior lagar do mundo, representando um investimento de 16 milhões de euros, mas um desentendimento entre Sousa Cintra e o seu sócio, Carlos Olavo, levou ao abandono do projeto. Na altura, justificou este desfecho: “Fui enganado e não meto lá mais dinheiro.” Um argumento diferente do seu sócio: de acordo com Olavo, Sousa Cintra, quatro meses depois de ter assinado os documentos para entrar na empresa, quis desistir e pediu que lhe entregassem três milhões de euros. “Disse-lhe que não tinha o dinheiro no imediato e, a partir daí, recusou assinar cheques para pagar aos fornecedores”, revelou.

 

 

Estreia no negócio dos combustíveis Depois de ter investido nas mais variadas atividades, foi a vez do mercado de combustíveis, ao criar a rede de postos de abastecimento Cipol. Atualmente conta com 80 postos de venda em todo o país e chegou a anunciar a ambição de se transformar numa rede de gasolineiras low-cost. Em 2015 volta a ser notícia quando anunciou que ia avançar na pesquisa de petróleo no Algarve, que acabou agora de forma inesperada.

 

 

Já no ano passado, o governo decidiu suspender, com efeitos imediatos, os trabalhos de captação de água que a Domus Verde, uma empresa de Sousa Cintra, estava a realizar em Aljezur para o desenvolvimento de um projeto de agricultura biológica. A decisão surgiu no seguimento de uma inspeção extraordinária da Inspeção–Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da GNR. Em causa estaria a quantidade de água que estava a ser retirada e que excedia aquela que tinha sido aprovada pela Associação Portuguesa do Ambiente. A verdade é que esta ação de fiscalização surgiu depois de ter dado entrada uma queixa-crime contra os trabalhos que estavam a ser realizados naquela zona.

 

 

Algarve Livre de Petróleo quer que Governo rescinda com Repsol/Partex

 

 

A Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) quer que o Governo rescinda os contratos de concessão, exploração e prospeção com o consórcio petrolífero Repsol/Partex e diga por que razão ainda não o fez, segundo um comunicado hoje divulgado.

 

De acordo com o documento, a PALP quer saber também se o Governo executou as cauções prestadas por incumprimento do plano de trabalhos.

 

 

A PALP, que agrupa associações ambientalistas e de defesa do património e luta pelo fim de todos os contratos que o Estado celebrou para prospeção e exploração de hidrocarbonetos no Algarve, considera que o executivo deveria rescindir os vínculos com aquele consórcio, com base no decreto-lei que prevê os fundamentos possíveis para estas decisões.

 

 

Entre esses fundamentos está “a inexecução injustificada dos trabalhos da prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção nos termos constantes dos planos e projetos aprovados”.

 

 

A PALP tomou esta posição depois de o Ministério da Economia ter informado que “irá iniciar o processo de execução das cauções prestadas pelo consórcio Repsol/ Partex, no valor de 4.500.000 euros”.

 

 

Essa decisão é justificada pelo executivo com o “incumprimento por parte deste [consórcio] do plano de trabalhos proposto para 2016, associado ao contrato de concessão para prospeção, pesquisa, desenvolvimento e exploração de petróleo na área a sul da costa algarvia designada por ‘Lagosta'”, referiu ainda o grupo de associações.

 

 

“Perguntamos, então: por que razão o Governo não rescinde o contrato?”, questionou a Plataforma, frisando que, “no mesmo ofício, o Ministério da Economia confirma que os contratos de concessão denominados ‘Aljezur’ e ‘Tavira’, celebrados com a Portfuel, foram já oficialmente rescindidos”.

 

 

A PALP quer que o Governo tome a mesma decisão de rescindir os contratos relativamente “às concessões que se mantêm em vigor” e garantiu que continuará “a desenvolver ações e a envidar esforços para que todos os processos de prospeção e exploração sejam anulados”.

 

 

A 14 de dezembro, o Governo anunciou a intenção de rescindir os contratos com a Portfuel, depois de um período de avaliação em que aguardou por pareceres da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria.

 

 

A decisão foi bem acolhida pela PALP e pela Comunidade Intermunicipal do Algarve, que tinha já interposto na justiça, em nome dos 16 municípios do distrito de Faro, providências cautelares para travar os contratos de prospeção e exploração de petróleo e gás natural previstos para a região, além de defender a aposta em “energias limpas”.

 

 

A mesma posição foi manifestada pelo Turismo do Algarve, que qualificou a prospeção e exploração de petróleo como “muito má” para o setor e o ambiente e disse esperar que a rescisão de contrato com a Portfuel anunciada pelo Governo marcasse o fim dessa atividade na região.

 

 

Na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República, num parecer feito a pedido do executivo e publicado em Diário da República, conclui que a Portfuel, do empresário Sousa Cintra, não tem direito à devolução de rendas e taxas pagos desde 2015 para a prospeção e exploração exclusiva de petróleo no Algarve.

 

 

TPT com: AFP//Jornal i//Lusa//JN// 13 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

O jornalista Michael Rezendes afirma que “o jornalismo de investigação vai sobreviver” graças à importância que tem na sociedade

O jornalista norte-americano Michael Rezendes, que ganhou o prémio Pulitzer de Serviço Público em 2003 pelo trabalho de investigação no The Boston Globe sobre padres pedófilos, e retratada no filme “Spotlight”, afirmou que o jornalismo de investigação “vai sobreviver”.

 

 

“O jornalismo de investigação vai sobreviver”, afirmou o jornalista, conhecido pela sua investigação sobre os crimes de pedofilia praticado por padres, quando falava no 4.º Congresso dos Jornalistas, que esta quinta-feira arrancou no cinema São Jorge, em Lisboa, sob o mote “Afirmar o jornalismo”, e que termina no próximo domingo.

 

 

“Há um apetite forte” por notícias de investigação, afirmou, salientando que há estudos que apontam que os leitores querem notícias curtas, mas também histórias mais aprofundadas, acrescentou Michael Rezendes.

 

 

Segundo o jornalista, que é lusodescendente, para fazer jornalismo de investigação “é preciso sair da redação e falar com pessoas”, acrescentando que o jornalismo ‘old fashion’ [tradicional] “é muito, muito importante”.

 

 

Na sua apresentação inicial, Michael Rezendes começou por dizer que nunca tinha seguido a política em Portugal “como deveria”, mas confessou sentir admiração pelo antigo Presidente da República Mário Soares, falecido no sábado, aos 92 anos, pelo seu papel na democracia do país.

 

 

“O jornalismo é essencial para a democracia”, salientou.

 

 

Relativamente às características que um jornalista deve ter para fazer investigação, Michael Rezendes afirmou que é necessário “ser bom ouvinte”. O profissional “tem saber o que as pessoas querem dizer, estar lá porque sinceramente quer saber” e “ter curiosidade natural”, que classificou de “muito importante”.

 

 

Sobre como é que os media vão lidar com o novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Rezendes disse que “ainda é cedo” para saber, mas que “será um grande desafio” cobrir o seu mandato.

 

 


Presidente do Sindicato dos Jornalistas diz que “não há jornalismo sem jornalistas”

 

 

 

A presidente do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, defendeu que “não há jornalismo sem jornalistas”, sublinhando que a “liberdade de imprensa é uma causa dos cidadãos”.

 

A presidente do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, defendeu esta quinta-feira que “não há jornalismo sem jornalistas”, sublinhando que a “liberdade de imprensa é uma causa dos cidadãos”.

 

 

Sofia Branco falava na sessão de abertura do quarto Congresso dos Jornalistas, que acontece após um hiato de quase 20 anos, sob o mote “Afirmar o Jornalismo”, que decorre entre esta quinta-feira e domingo no cinema São Jorge, em Lisboa.

 

 

Na sua intervenção, Sofia Branco considerou que os salários dos jornalistas “são indignos para a responsabilidade social que a profissão tem”, no dia em que foi conhecido que a maioria destes profissionais recebe menos de 1.000 euros líquidos por mês e um terço trabalha com vínculo precário, de acordo com o resultado do inquérito do ISCTE hoje divulgado.

 

 

A presidente sublinhou ainda que a “liberdade de imprensa é uma causa dos cidadãos” e não somente dos jornalistas.

 

“Estamos na mais grave crise das nossas vidas profissionais”, afirmou, por sua vez, Goulart Machado, presidente da Casa de Imprensa, salientando ainda que nos últimos 18 anos “muitos jornalistas abandonaram a sua profissão”.

 

 

A tecnologia que nos dá extraordinárias ferramentas cria a ilusão disparatada de que somos, em certa medida, dispensáveis”, sublinhou.

 

 

Goulart Machado referiu ainda que o Congresso dos Jornalistas “não é um momento de catarse”, esperando que as conclusões resultem num mapa que “indique o caminho”.

 

 

Mário Zambujal, presidente do Clube de Jornalistas, recordou, na sua intervenção, o antigo Presidente da República Mário Soares, falecido no sábado, aos 92 anos, que gerou uma forte salva de palmas por parte da audiência.

 

 

“Também ele [Mário Soares] fez questão de estar presente no congresso de 1986”, afirmou, salientando que “tanto Soares como Marcelo (Rebelo de Sousa, presente na sessão de abertura] representam a liberdade de imprensa”.

 

 

Maria Flor Pedroso, presidente do quarto Congresso dos Jornalistas, sublinhou que a independência, credibilidade, rigor, pluralidade, isenção “não podem ser substantivos” usados pelos profissionais sem estes se interrogarem sobre o seu significado.

 

 

O jornalismo não pode, em contexto algum, deixar de ser serviço público”, afirmou.

 

 

Lembrou ainda os resultados de dois estudos sobre o setor e apontou: “Somos uma profissão de desgaste rápido”. Algo que considerou “perturbador”.

 

 

Deu ainda exemplo que o ano ainda mal começou, mas que dois títulos ‘online’ – Diário Digital e Setúbal Na Rede – fecharam.

 

 

Sobre o evento, adiantou que o “congresso não vai resolver o que não foi resolvido até agora”, mas disse esperar “pistas, soluções” para o setor.

 

 

“Pretendemos um A4 de conclusões”, disse Maria Flor Pedroso.

 

 

Ao contrário dos três congressos anteriores, o deste ano conta com as três organizações de jornalistas – Sindicato dos Jornalistas, Casa de Imprensa e Clube de Jornalistas.

 

 

Os três congressos anteriores tinham sido promovidos exclusivamente pelo Sindicato dos Jornalistas.

 

 

Marcelo Rebelo de Sousa: a precariedade enfraquece o jornalismo

 

 

Durante o quarto Congresso de jornalistas, o Presidente da República defendeu que sem jornalismo forte e estável não há “democracia sólida e de qualidade em Portugal”.

 

“Este congresso demorou tempo a mais a chegar” e “a precariedade enfraquece a vossa profissão”. Estas foram algumas das afirmações de Marcelo Rebelo de Sousa que, na tarde de quinta-feira, discursou diante de uma audiência composta por jornalistas. O Presidente da República falou no quarto Congresso dos Jornalistas que, depois de um hiato de quase 20 anos, regressou com o mote “Afirmar o jornalismo” e ocupou o cinema São Jorge, em Lisboa.

 

 

As palavras de Marcelo focaram-se essencialmente nos problemas e desafios que a profissão enfrenta, levando-o a reforçar a ideia de que “sem jornalismo estável, forte e independente não há democracia sólida e de qualidade em Portugal ou em qualquer sociedade livre”.

 

Marcelo afirmou ainda que o efeito da crise económica e financeira “ameaça” a comunicação social, uma situação que tem vindo a repercutir-se tanto na vida dos jornalistas como dos portugueses em geral.

 

 

“Quase um terço dos cerca de 7.750 profissionais é constituído por estagiários. A crescente precariedade do seu estatuto traduz os problemas do sector”, continuou, fazendo referência à imprensa local e regional que foi morrendo, às rádios locais que se extinguiram, a alguma “imprensa esvaziada” e ao fotojornalismo, tido como “uma das primeiras vítimas desta crise”.

 

 

“Só o digital permitiu atenuar a queda vertiginosa do papel em títulos de referência”, afirmou, para voltar a repetir que sem jornalismo forte e independente — que não se vergue aos poderes políticos, económicos, financeiros e sociais vigentes — “não há democracia sólida.”

 

 

 

Maioria dos jornalistas recebe menos de mil euros e um terço é precário

 

 

 

A maioria dos jornalistas recebe menos de mil euros líquidos por mês e um terço trabalha com vínculo precário, segundo um inquérito do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, divulgado esta quinta-feira.

 

O trabalho, realizado por uma equipa do CIES-IUL (ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa), em parceria com o Sindicato dos Jornalistas e o Obercom, conclui que, no ano passado, 69% dos jornalistas recebiam entre 501 e 1.500 euros líquidos por mês, dos quais 23,3% recebiam entre 1001 e 1.500 euros, 23,9% entre 701 e 1.000 euros e 21,8% menos de 700 euros.

 

 

“Se estabelecermos os 1.000 euros como ponto de divisão, verificamos que 57,3% dos jornalistas ganham menos, apesar de o rendimento mensal médio líquido ser de 1.113 euros”, lê-se num sumário do estudo, intitulado ‘Os jornalistas portugueses são bem pagos? Inquérito às condições laborais dos jornalistas em Portugal’.

 

 

Porém – acrescenta o estudo a apresentar no sábado durante o 4.º Congresso dos Jornalistas, que decorre de esta quinta-feira a domingo em Lisboa – “11,6% dos jornalistas recebem menos de 500 por mês e, desses, 7% nem sequer recebem 300 euros”.

 

 

No que respeita aos rendimentos na profissão, o trabalho evidencia ainda que só 19,4% dos jornalistas recebem mais de 1.500 euros mensais, sendo que, destes, 10,8% ganham até 2.000 euros, 3,6% até 2.500 euros e só 5% auferem um valor superior.

 

 

O estudo – cujos autores garantem ser “o mais recente e abrangente inquérito já realizado em Portugal, respondido por quase 1.500 jornalistas” – conclui também que, destes, 87,5% encontravam-se a trabalhar, enquanto 7,9% estavam em situação de desemprego. Além destes, 2,2% estavam reformados e 2% em estágio (1,5% em estágio profissional e 0,5% em estágio curricular).

 

 

Relativamente aos vínculos laborais, o ISCTE nota que, no ano passado, 33,4% dos inquiridos não tinham contrato fixo, trabalhando “em condições contratuais precárias e sujeitos a instabilidade, insegurança e fragilidade”. Neste grupo incluem-se os colaboradores (16,4%), dos quais a maioria (8,8%) tinha uma avença e os restantes (7,6%) trabalhavam à peça, e os 17% de profissionais que se assumiram como ‘freelancers’. Entre os inquiridos, dois terços referiu ter contrato de trabalho, 56,3% dos quais sem termo e 10,5% a termo certo.

 

 

Em 2016, os contratos de trabalho dos jornalistas em Portugal eram maioritariamente de 35 a 40 horas semanais (64,7%), mas 27,7% afirmaram não saber a carga horária semanal prevista nos seus contratos e a maioria assumiu trabalhar mais de 40 horas por semana (13,8% têm uma semana laboral de 51 a 60 horas e 9% até trabalham mais de 60 horas).

 

 

Apesar da elevada percentagem de jornalistas que trabalha mais horas do que o previsto no seu contrato, apenas 3,9% são remunerados pelas horas extraordinárias e 10,2% são compensados em tempo de descanso pelo trabalho extra, sendo que quase dois terços do total (63,4%) não têm qualquer compensação pelo trabalho extraordinário.

 

 

Algo que, sustentam os autores do trabalho, demonstra “uma elevada discrepância entre a carga horária contratualizada, a prática profissional efetiva e a remuneração devida”.

 

 

Num mercado descrito como de “elevada concentração”, o ISCTE diz haver 25,8% de jornalistas que prestam serviço para mais de um órgão de comunicação social dentro do mesmo grupo, dos quais mais de dois terços (66,8%) não recebem remuneração extra por esse trabalho.

 

 

“A progressão na carreira dos jornalistas inquiridos parece quase impossível, pois mais 80% não têm progressão há mais de quatro anos, mesmo nas empresas de comunicação social onde ela está prevista”, lê-se no sumário, que acrescenta que “28,4% de jornalistas não progridem na carreira há mais de uma década e 29,4% têm a carreira congelada há pelo menos sete anos”.

 

 

Por outro lado, são 22,5% os que não progridem há quatro a seis anos e 19,7% os que estão sem progressão na carreira há menos de três anos.

 

 

Neste contexto laboral, o trabalho nota que “quase dois terços dos jornalistas inquiridos (64,2%) já pensaram, pelo menos uma vez, abandonar a profissão”, apontando como motivos o baixo rendimento (21%), a degradação da profissão (20,4%) e a precariedade contratual (14,3%).

 

 

E, se 39,2% dos jornalistas inquiridos já passou pelo desemprego, estes profissionais estão “muito divididos quando à probabilidade de perderem o emprego no futuro próximo”: “Se 35,1% consideram que ficar desempregado é improvável, 40,9% acham provável, com 15,7% a afirmarem que é extremamente provável a curto prazo”.

 

 

“Apesar de a maioria dos jornalistas que já passou pela situação de desemprego ter conseguido regressar à profissão em menos de um ano, a perceção dos inquiridos acerca da probabilidade de voltar a encontrar emprego no jornalismo perante uma situação de desemprego em 2016 é muito pessimista”, acrescenta.

 

 

Composto por 78 perguntas, o inquérito do ISCTE foi respondido por quase 1.600 jornalistas entre 01 de maio e 13 de junho de 2016, tendo sido validadas 1.494 respostas.

 

 

TPT com: AFP//JUSTIN TALLIS/AFP//MIGUEL A. LOPES/LUSA/Lusa// ENNIO LEANZA/EPA//Ana Cristina Marques//Observador// 12 de Janeiro de 2017

 

 

 

 

Ex-líder da Octapharma em Portugal fica em prisão domiciliária por suspeitas de corrupção activa no negócio do plasma em Portugal

O Tribunal de Instrução Criminal decidiu não aplicar a medida de coação máxima, prisão preventiva, a Paulo Lalanda e Castro. O ex-líder da filial portuguesa da Octapharma vai ficar preso na sua casa em Cascais devido ao perigo de perturbação de inquérito, segundo notícia do Correio da Manhã.

 

 

Lalanda e Castro já tinha sido constituído arguido pela Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de corrupção ativa e branqueamento de capitais. De acordo com a TVI 24, o igualmente ex-administrador da holding da farmacêutica suíça Octapharma será igualmente suspeito do crime de recebimento indevido de vantagem. Além de ser obrigado a permanecer na sua residência, Lalanda está ainda proibido de contactar com os restantes arguidos do processo.

 

 

O gestor farmacêutico é suspeito de ter alegadamente corrompido Luís Cunha Ribeiro como presidente do júri do primeiro concurso lançado em 2000 para a centralização da compra de hemoderivados (medicamentos feitos a partir do plasma do sangue) por parte do Serviço Nacional de Saúde que foi ganho pela Octapharma. Está igualmente a ser investigado pelo Ministério Público (MP) e pela PJ um concurso de compra de plasma sanguíneo adjudicado igualmente à farmacêutica suíça, como pode verificar aqui.

 

 

De acordo com o comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) de 13 de dezembro, os dois “terão acordado entre si” que Cunha Ribeiro “utilizaria as suas funções e influência para beneficiar indevidamente” a Octapharma liderada em Portugal por Lalanda e Castro. O comunicado da PGR não identifica nomes, como é habitual, mas a descrição feita aplica-se, ao que o Observador apurou, aos factos que são imputados aos dois principais arguidos da Operação O -.

 

 

Cunha Ribeiro, que é suspeito dos crimes de corrupção passiva para ato ilícito e branqueamento de capitais, encontra-se preso preventivamente depois do mesmo Tribunal de Instrução Criminal ter considerado como fundamentados os indícios de perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito e perigo de destruição de prova que o Ministério Público imputou ao arguido.

 

 

SEF não terá comunicado presença de Lalanda em Portugal

 

 

 

Aquando do lançamento da Operação O – no dia 13 de dezembro, a estratégia do MP passava pela detenção de Lalanda e Castro e Cunha Ribeiro. Este médico, que foi presidente do Instituto de Emergência Médica e da Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo, foi detido no mesmo dia em que a PJ executou mais de 30 buscas domiciliárias e não domiciliárias relacionadas com este caso. Já o ex-líder da Octapharma Portugal foi detido no dia 15 de dezembro na cidade alemã de Heidelberg (cidade do fundador da farmacêutica suíça e onde a Octapharma tem instalações) no âmbito de um mandado de detenção europeu emitido a pedido por parte das autoridades portuguesas. Lalanda terá sido detido durante uma reunião do conselho de administração da Octapaharma.

 

 

O problema é que um juiz alemão, a pedido da defesa de Lalanda e Castro que era assegurada por Ricardo Sá Fernandes e por advogados locais, considerou que não se justificava a detenção, visto que o gestor já se tinha disponibilizado por várias vezes em missivas dirigidas à PGR para ser interrogado no caso que nasceu de uma reportagem da TVI emitida em 2015.

 

 

Sá Fernandes afirmou então que o mandado de detenção europeu tinha sido anulado pelo tribunal federal alemão que analisou o caso — facto contestado por fontes judiciais portuguesas ouvidas pelo Observador. Certo é que Lalanda e Castro ficou livre.

 

 

De acordo com a sua defesa, o gestor regressou a Portugal no dia 23 de dezembro, tendo-se manifestado desde logo disponível para ser interrogado pelo MP como arguido e ser conduzido à presença de um juiz de instrução para o primeiro interrogatório como arguido e para a definição das medidas de coação.

 

 

Apesar do mandado de detenção europeu estar em vigor no momento em que Lalanda e Castro aterrou no Aeroporto de Lisboa, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não terá comunicado à PJ a chegada do gestor a território nacional, ao que o Observador apurou. O facto de Lalanda ter feito uma viagem intra-comunitária — isto é, o avião partiu de um país do Espaço Económico Europeu (a Alemanha) para Portugal — fez com que o seu voo não tivesse sido fiscalizado pelo SEF.

 

 

Certo é que poderia ter sido emitido um novo mandado de detenção mas tal não aconteceu.

 

 

Dirigente dos hemofílicos terá recebido 300 mil euros

 

 

 

Além de Lalanda e Castro e Cunha Ribeiro, foram ainda constituídos arguidos os advogados Paulo Farinha Alves e Barros Figueiredo, e a farmacêutica Elsa Morgado, representante da Associação Portuguesa de Hemofílicos e membro do mesmo júri do concurso liderado por Cunha Ribeiro em 2000 que deu a vitória à Octapharma na compra de medicamentos hemoderivados.

 

 

De acordo com o Expresso, Elsa Morgado será suspeita do crime de corrupção passiva para ato ilícito, por alegadamente ter recebido mais de 300 mil euros de Lalanda e Castro. Segundo a notícia da edição de 7 de janeiro daquele semanário, a PJ terá detetado um conjunto de transferências nesse valor para Morgado e familiares seus.

 

 

Soares da Veiga, advogado de Lalanda e Castro, diz que essas transferências dizem respeito a um empréstimo do gestor farmacêutico a Elsa Morgado a propósito da falência de uma parafarmácia que ambos detiveram em conjunto em Lisboa durante os anos 90 do século passado. O causídico recusa qualquer relação entre a circulação desse dinheiro e os negócios da Ocptaharma com o Estado português.

 

 

Soares da Veiga é assim o novo advogado de Lalanda e Castro na Operação -, mantendo-se Ricardo Sá Fernandes na Operação Marquês e Paulo Saragoça da Matta como advogado no caso Vistos Gold.

 

 

No processo que tem José Sócrates como principal arguido, o gestor farmacêutico foi constituído arguido por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais por alegadamente ter contribuído para Sócrates receber mensalmente fundos que teriam origem no Grupo Lena.

 

 

Já no caso Vistos Gold, Lalanda e Castro foi mesmo acusado pelo MP e pronunciado pelo juiz Carlos Alexandre por dois crimes de tráfico de influência e deverá ser julgado no início de 2017.

 

 

Um advogado por processo é a estratégia de Paulo Lalanda e Castro — uma estratégia cara que não está ao alcance de qualquer bolso. Não é menos certo, contudo, que o recheio das contas bancárias de Lalanda e Castro não estão ao alcance do cidadão comum por via dos salários que auferiu durante largos anos como administrador da holding da multinacional suíça. Só em 2015, a Octapharma teve vendas brutas de 1,58 mil milhões de euros e lucros líquidos de 351 milhões de euros. Lalanda, que se demitiu de todos os cargos da Octapharma antes de ser anunciada a sua detenção em dezembro, chegou a ser apontado como um potencial sucessor do fundador e líder da Octapharma, AG.

 

 

Conheça aqui a história de Paulo Lalanda e Castro, o homem por detrás do negócio do plasma

 

 

 

Lalanda e Castro foi administrador de uma farmacêutica com vendas de 1,5 mil milhões de euros, gosta de roupas caras e adora carros desportivos. Eis a história da sua ascensão e queda.

 

Patrão de José Sócrates, suspeito de fazer-lhe chegar dinheiro que alegadamente tinha origem no Grupo Lena, acusado de tráfico de influências junto do ex-ministro Miguel Macedo, arguido por corrupção de responsáveis políticos líbios e agora alvo de um mandado de detenção europeu por alegadamente ter corrompido Luís Cunha Ribeiro para ganhar o monopólio do negócio do plasma em Portugal — afinal, quem é Paulo Lalanda e Castro, o homem que é suspeito em três dos principais processos judiciais nacionais dos últimos anos e que foi esta quarta-feira libertado por um tribunal alemão?

 

 

Administrador executivo da operação global de uma farmacêutica com vendas de 1,5 mil milhões de euros, apontado como sucessor do 17.º bilionário alemão à frente da Octapharma, com queda para carros desportivos, começou a dar nas vistas como delegado de propaganda médica pela sua capacidade de comunicação mas também pelos seus dotes sociais que o levaram a organizar jogos de poker pela noite fora com médicos amigos.

 

 

“Ambicioso”, “estratega”, “vendedor”, “sedutor” e “generoso” são outras palavras normalmente utilizadas para descrever Lalanda e Castro por ex-colegas ou amigos próximos. Luís Cunha Ribeiro, o outro protagonista da “Operação O -“, é, aliás, um amigo de infância e a proximidade entre ambos era conhecida quer na filial portuguesa da Octapharma, quer no seu círculo de amigos, nomeadamente ligados à medicina. Encontravam-se com regularidade, viajavam juntos e eram confidentes um do outro.

 

 

Luís Cunha Ribeiro, o outro protagonista da Operação O -, é um amigo de infância. Encontravam-se com regularidade, viajavam juntos e eram confidentes um do outro.
Lalanda e Castro chegou a empregar uma namorada dinamarquesa de Cunha Ribeiro na área do marketing da Octapharma. “Era uma autêntica modelo. A típica nórdica loira, de olhos azuis, alta, lindíssima”, afirmou um amigo de ambos.

 

 

 

O estudante que nunca foi médico

 

 

 

Nascido no Porto em 1957, filho de um militar e de uma farmacêutica, Joaquim Paulo Nogueira de Lalanda e Castro cresceu numa tradicional família de burguesia portuense. A proximidade natural que sempre sentiu em relação à mãe foi potenciada com a morte do pai quando ainda era jovem.

 

 

Dedicada ao trabalho, a mãe chegou a ser diretora de serviço da farmácia hospitalar do Hospital de São João (onde terá trabalhado com Luís Cunha Ribeiro) e terá sido sob a sua influência que Paulo Lalanda e Castro se interessou pela área da saúde. Tentando corresponder a uma expectativa da sua mãe, inscreveu-se na Faculdade de Medicina do Porto no período revolucionário do 25 de Abril mas acabou por desistir a meio do curso. E foi a partir daí que se dedicou ao trabalho na indústria farmacêutica, a área de trabalho da sua mãe.

 

 

Tentando corresponder a uma expectativa da sua progenitora, inscreveu-se na Faculdade de Medicina do Porto mas acabou por desistir a meio do curso. E foi a partir daí que se dedicou de corpo e alma ao trabalho na indústria farmacêutica — ao fim e ao cabo, a área de trabalho da sua mãe. Dotado de uma boa capacidade de comunicação e um forte sentido comercial, Lalanda começou a trabalhar como delegado de propaganda médica.

 

 

Dotado de uma boa capacidade de comunicação e um forte sentido comercial, Lalanda começou a trabalhar como delegado de propaganda médica e rapidamente se destacou entre os colegas, viajando pelo país. Foi nesses tempos iniciais que ganhou o epíteto de “Grande Vendedor”. Tanto vendeu medicamentos da mais variada espécie como instrumentos cirúrgicos e máquinas de sutura — tudo com a mesma eficácia.

 

 

Lalanda conseguia facilmente ganhar empatia com os médicos e era muito eficaz a explicar a cada um deles as mais-valias dos seus produtos. Socialmente era também um sucesso. Não só começou a ganhar facilmente amigos entre os médicos, como passou a organizar jogos de poker em Lisboa que se prolongavam pela noite fora no início dos anos 80.

 

 

Antes de entrar na Octapharma, passou por diversos laboratórios conhecidos nos anos 80 e chegou a ser diretor de marketing de uma farmacêutica norte-americana importante no mercado mundial da época: a Wyeth — empresa que viria a ser comprada pela Pfizer em 2009 por cerca de 68 mil milhões de dólares (cerca de 65 mil milhões de euros ao câmbio de hoje).

 

 

A entrada

 

 

 

Falar de Paulo Lalanda e Castro, contudo, é falar da Octapharma — uma farmacêutica suíça que passou a ser mais conhecida por causa das notícias da última semana sobre a “Operação O -“. Mas, afinal, o que é a Octapharma?

 

 

Trata-se de uma farmacêutica fundada em 1983 na Suíça pelo alemão Wolfang Marguerre. Um exímio violinista e ex-vice-presidente do grupo francês de cosméticos Revlon, Marguerre viu no início dos anos 80 uma oportunidade de negócio na biotecnologia — uma área que, então, estava num estado de desenvolvimento primitivo.

 

 

O combate à hemofilia é a principal missão empresarial da Octapharma. Aliás, a primeira parte do seu nome, “Octa”, significa oito em grego e pretende simbolizar o Factor VIII — o factor sanguíneo deficiente que caracteriza a hemofilia A, a variante mais grave desta doença genética hereditária. Através de uma forte aposta na investigação, Marguerre e a sua equipa conseguiram desenvolver dois processos inovadores:

 

  • Inativação do plasma sanguíneo — consiste na separação do plasma, que é a parte líquida do sangue (que se caracteriza por uma forte cor amarela), dos restantes componentes, isolando-o e conservando-o de forma a que seja utilizado em transfusões. A grande novidade deste processo foi um aumento exponencial da segurança das transfusões, já que reduziu ao mínimo a transmissão das doenças dos dadores;

 

  • Criação de produtos hemoderivados — através de um processo de fracionamento, foi possível separar, purificar e transformar as proteínas do plasma em produtos farmacêuticos. Estes medicamentos viriam a ser chamados de hemoderivados e a Octapharma foi das primeiras farmacêuticas a criar produtos com Factor VIII (para combater a hemofilia A) e Factor XIX (para lutar contra a hemofilia B).

 

 

O mínimo que se pode dizer é que Wolfgang Marguerre acertou na mouche. Desde o final dos anos 80 que a Octapaharma não parou de crescer, tornando-se uma das maiores farmacêuticas do mundo especializadas em plasma sanguíneo. Para ter uma real percepção da escala da Octapharma, concentremo-nos nos resultados do exercício de 2015:

 

 

  • Vendas brutas – 1.58 mil milhões de euros

 

  • Lucro – 351 milhões de euros

 

 

O crescimento da empresa nos últimos seis anos tem sido exponencial, como se pode verificar no gráfico abaixo reproduzido:

 

Mas podemos ir mais longe: as vendas acumuladas suplantaram os 10 mil milhões de euros entre 2004 e 2015, enquanto os lucros acumulados atingiram cerca de 1,9 mil milhões de euros no mesmo período, de acordo com os dados contidos nos relatórios e contas da empresa.

 

 

Resultados que traduzem a operação global da Octapharma, presente em 32 mercados nacionais, com destaque para os principais países europeus, Estados Unidos, Brasil, México, Rússia, Ucrânia, China, Arábia Saudita, Singapura e Austrália. A empresa tem ainda fábricas em Viena (Áustria), Springe e Dessau (Alemanha), Lingolsheim (França), Estocolmo (Suécia), Charlote (Estados Unidos) e México.

 

 

 

O 17. º bilionário alemão

 

 

 

Por isso mesmo, Wolfgang Marguerre ocupa um lugar destacado na famosa lista anual de milionários da revista Forbes. Na lista de 2016 (actualizada em tempo real consoante a variação diária das empresas cotadas), Marguerre ocupa a posição #196 em termos globais, com um conjunto de ativos que suplantam os 5,3 mil milhões de euros. Se olharmos apenas para a Alemanha, estamos a falar do 17.º bilionário alemão.

 

 

Uma informação de contexto: Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal, está na posição #369, com ativos avaliados em 4,1 mil milhões de euros, enquanto Alexandre Soares do Santos encontra-se posição #854, com 2,1 mil milhões de euros.

 

 

Um exímio violinista, Marguerre viu no início dos anos 80 uma oportunidade de negócio na biotecnologia. Hoje ocupa a posição #196 na lista da Forbes sobre os homens mais ricos do mundo com uma fortuna de 5,3 mil milhões de euros. É o 17.º bilionário alemão. Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal, está na posição #369 com ativos avaliados em 4,1 mil milhões de euros.

 

 

Marguerre transformou a Octapharma desde o início numa empresa com um forte cariz familiar. Fundada e gerida por Wolfgang, a administração da farmacêutica conta ainda com dois dos seus três filhos (Tobias e Frederic) com pastas importantes na gestão da empresa.

 

 

Apesar de ter sido fundada por um alemão, tem sede na cidade suíça de Lachen (Cantão Schwyz), nas imediações do Lago de Zurique. Essa é a sede formal, mas a cidade alemã de Heidelberg, onde nasceu Wolfgang, passou a ter um lugar de destaque na organização a partir do momento em que foi inaugurado um centro de investigação em 2012 que custou mais de 25 de milhões de euros — e que estava anteriormente em Munique. Foi nestas instalações que Paulo Lalanda e Castro foi detido pela polícia alemã e pela Polícia Judiciária em plena reunião do Conselho de Administração da Octapharma.

 

 

A ligação do fundador da Octapharma à cidade onde nasceu traduz-se igualmente na doação pessoal de cerca de 17 milhões de euros para a renovação do teatro local, assim como na doação de cerca de 1 milhão de euros para a autarquia de Heidelberg promover a integração dos refugiados que entraram na Alemanha no âmbito da política de portas abertas da chanceler Angela Merkel, segundo informação da revista Forbes.

 

 

A ascensão

 

 

A farmacêutica suíça começou por entrar no mercado português em 1988, através de um distribuidor local escolhido para comercializar os seus produtos. Lalanda e Castro trabalhava nessa distribuidora local, coincidência que fez com que tivesse os primeiros contactos com os suíços. Quatro anos mais tarde, a empresa de Wolfgang Marguerre decidiu avançar para a criação de uma filial portuguesa e convidou Paulo Lalanda e Castro. Então diretor de marketing da Wyeth em Portugal, encontrava-se numa posição segura. E foi precisamente isso que a mãe argumentou, segundo um amigo próximo conta ao Observador, para o demover de aceitar o convite da Octapharma. Apesar da forte oposição da mãe, de quem sempre foi muito chegado até à data da sua morte, Lalanda acabou por aceitar o convite da família Marguerre.

 

 

O gestor português começou por focar-se em dominar o negócio da venda do plasma sanguíneo inativado a cada um dos hospitais portugueses, apostando mais tarde na venda de hemoderivados. Tendo em conta a ausência ou a fraca concorrência, foi muito fácil dominar o mercado ao início. Os seus conhecimentos nos principais hospitais portugueses foram vitais para o sucesso da Octapharma.

 

 

Lalanda e Castro conhecia tão bem o mercado que, com o conhecimento e autorização da casa mãe, começou a abrir outras empresas (suas e que nada têm a ver com a Octapharma) com o objetivo de comercializar produtos farmacêuticos que complementassem o portfólio da farmacêutica suíça. É a partir daqui que constrói um pequeno conglemorado de empresas que, mais tarde estará, na origem, das imputações criminais.

 

 

 

A filial portuguesa, apesar de faturar muitos milhões anualmente, era uma espécie de micro-empresa nos seus primórdios. Apenas quatro funcionários davam uma dimensão familiar à empresa e enfatizavam as capacidades de liderança de Lalanda e Castro. “Era uma pessoa muito gentil. Procurava estar a par de tudo e dos problemas das pessoas”, diz um ex-funcionário.

 

 

Outro destaca as suas capacidades de gestão: “Era um estratega. Tinha grande sentido comercial e conhecia muito bem o mercado em que se movia”, afirma outro ex-funcionário.

 

 

Conhecia tão bem o mercado que, com o conhecimento e autorização da casa-mãe, começou a abrir outras empresas (suas e que nada têm a ver com a Octapharma) com o objetivo de comercializar outros produtos ´ que complementassem o portfólio da farmacêutica suíça. É a partir daqui que constrói um pequeno conglemorado de empresas que também chega a sectores como o imobiliário — e que está na origem, segundo o Ministério Público e a Polícia Judiciária, das contrapartidas pelo alegado crime de corrupção activa que lhe é imputado.

 

 

Veja aqui as várias empresas criadas por Lalanda e Castro

 

 

 

Quando Maria de Belém, então ministra da Saúde do primeiro Governo de António Guterres (1996/1999), decide centralizar as compras de plasma sanguíneo e de hemoderivados para conseguir preços mais baratos, a Octapharma continua a ter sucesso. A vitória da farmacêutica suíça no concurso de 2000 para a compra de produtos hemoderivados, cujo júri foi presidido por Luís Cunha Ribeiro, é um exemplo disso mesmo, como pode verificar aqui. É este concurso que está na origem da “Operação O -“.

 

Segundo a TVI, a Octapharma terá facturado em Portugal nos últimos 20 anos mais de 120 milhões de euros. Mas, de acordo com dados do Infarmed citados pelo Público, só entre 2009 e setembro deste ano os suíços tiveram receitas de 250 milhões de euros com origem nos hospitais públicos portugueses.

 

 

Todos estes dados de sucesso no mercado nacional fizeram com que Paulo Castro — o nome normalmente usado pelos seus amigos — tivesse uma ascenção na empresa suíça. Um exemplo da importância do mercado português para a Octapharma: em 2006, Paulo Lalanda e Castro já era membro do Conselho de Administração da holding suíça como diretor-geral da filial portuguesa. Com esse estatuto, apenas os responsáveis máximos das filiais alemã e nórdica tinham igualmente assento no board da Octapharma — quando a empresa estava presente em 11 países europeus.

 

 

 

Roupas, Porsche e cremes

 

 

A sua vida pessoal também foi conhecendo muitas mudanças. Casado com uma advogada, separou-se ainda nos anos 90, tendo tido dois filhos de outra relação.

 

 

Os resultados positivos da Octapharma, e ainda antes de subir à administração da holding na Suíça, trouxeram os aumentos salariais e os prémios anuais elevados. Quem conviveu com Lalanda e Castro no final dos anos 90 recorda-se do seu gosto por roupa cara, em especial por marcas italianas como Ermenegildo Zegna ou Cerruti; da sua queda por comprar carros desportivos, como um Porsche 911; e de ter uma grande preocupação com a sua imagem, comprando cosméticos masculinos para retardar o envelhecimento da pele.

 

 

Um amigo recorda igualmente uma casa que Lalanda e Castro tinha no final dos anos 90 na Av. Estados Unidos da América que tinha a melhor tecnologia disponível para as chamadas casas inteligentes. “Ele não precisava de fazer nada. Bastava dar uma ordem e abriam-se os estores, as luzes e a televisão”, diz.

 

 

Na década de 2000, com a ascensão à administração da Octapharma, Lalanda e Castro ficou com a pasta do marketing da multinacional suíça e começou a viajar por todo o mundo, muitas vezes em aviões privados.

 

 

Os resultados positivos da Octapharma, e ainda antes de subir à administração da holding na Suíça, trouxeram os aumentos salariais e os prémios anuais com cheques chorudos. No final dos anos 90 Lalanda e Castro tinha uma queda especial por marcas italianas como a Ermenegildo Zegna ou a Cerruti, e por carros desportivos. Após ser nomeado administrador, os amigos começam a comentar o seu gosto por namoradas eslavas. Irina, uma hospedeira ucraniana, foi a sua grande paixão dessa época.

 

 

 

A subida dos lucros da Octapharma e o apreço que Wolfgang Marguerre foi ganhando por Lalanda e Castro, fez com que este começasse a ter mais poder dentro da administração da Octapharma.

 

 

Em primeiro lugar, passando a ser diretor-geral para Portugal e Espanha. Numa segunda fase, em 2008, Lisboa foi igualmente a base para o nascimento de uma “Latin America Unit”. Seria Paulo Lalanda e Castro que ficaria responsável pela penetração da Octapharma no Brasil e nos restantes países da América Latina.

 

 

Apesar de a Octapharma e de Lalanda e Castro terem sido investigados no âmbito do chamado processo “Máfia dos Vampiros”, juntamente com outras farmacêuticas, sob a suspeita de terem inflacionado os preços acima do valor de mercado, as vendas, mais uma vez, foram muito positivas. Entre 2010 e 2015, a Octapharma faturou cerca de 668 milhões de reais brasileiros (cerca de 192 milhões de euros ao câmbio de hoje), segundo um requerimento apresentado pelo senador Álvaro Dias no Senado da República do Brasil.

 

 

Foi também devido ao sucesso da implatanção na América Latina que Lalanda e Castro é promovido em 2010 a líder do “Global Management Commitee International Marketing” da farmacêutica. É também por esta altura, que Paulo Castro é desafiado pela empresa a viver em Paris ou na Suíça. Acaba por escolher Zurique e começa a ser falado dentro da empresa como um potencial sucessor de Wolfgang Marguere.

 

 

Foi também devido ao sucesso da implatanção na América Latina que Lalanda e Castro é promovido em 2010 a líder do “Global Management Commitee International Marketing” da farmacêutica.

 

 

É também por esta altura, que é desafiado pela Octapharma para viver em Paris ou na Suíça. Acaba por escolher Zurique e começa a ser falado dentro da empresa como um potencial sucessor de Wolfgang Marguere.

 

 

Tendo em conta a característica de empresa familiar e o facto de os dois filhos do fundador serem membros do Conselho de Administração, sendo Frederic o representante dos accionistas e líder da operação dos Estados Unidos, é pouco provável que isso viesse a acontecer.

 

 

 

Os problemas

 

 

 

O início dos problemas de Lalanda e Castro dá-se com um facto que deveria exponenciar a sua importância dentro de um grupo como a Octapharma: a contratação de José Sócrates, um ex-primeiro-ministro de um governo europeu, como consultor. O lugar oferecido era o de presidente do Conselho Consultivo para a América Latina.

 

 

O convite foi feito à mesa de um restaurante em Paris em 2012 e o objetivo era claro: ajudar a Octapharma a melhorar as suas relações com o Governo de Dilma Rousseff, no Brasil. Por 12.500 euros mensais, Sócrates comprometia-se a abrir portas para melhorar a imagem da farmacêutica por causa do processo Máfia dos Vampiros e também para fazer com que a Octapharma ganhasse uma posição no negócios dos hemoderivados — cuja produção os brasileiros pretendiam que fosse tendencialmente pública, como pode verificar aqui.

 

A péssima imagem de José Sócrátes junto da comunicação social fez com que automaticamente a Octapharma passasse a ser um nome a ter em conta nas redações portuguesas a partir do momento em que o Ministério da Saúde brasileiro divulgou fotos de uma reunião em fevereiro de 2013 entre José Sócrates, Paulo Lalanda e Castro e o ministro Alexandre Padilha.

 

 

José Sócrates passou a estar sob escuta na Operação Marquês pouco tempo depois. Após a detenção do ex-primeiro-ministro em novembro de 2014, tudo mudou para Paulo Lalanda e Castro.

 

 

Devido ao forte escrutínio a que as empresas são sujeitas na Suíça por parte dos diferentes reguladores, a Octapharma viu-se obrigada a despedir José Sócrates de imediato.

 

 

Neste contexto, a Octapharma passa a estar ligada a um caso em que se investiga suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais — facto exponenciado pela constituição de Lalanda e Castro como arguido e a divulgação das escutas telefónicas das conversas entre o administrador da Octapharma e Sócrates.

 

 

A nódoa na imagem da Octapharma é clara. Isso mesmo enfatiza ainda hoje a revista Forbes no perfil que faz de Wolfgang Marguere.

 

 

Devido ao forte escrutínio a que as empresas são sujeitas na Suíça por parte dos diferentes reguladores, a Octapharma viu-se obrigada a despedir José Sócrates imediatame a seguir à sua detenção. A nódoa na imagem da farmacêutica é clara. Isso mesmo enfatiza ainda hoje a revista Forbes no perfil que faz de Wolfgang Marguere como um dos homens mais ricos do mundo.

 

 

Tudo vai piorar, contudo. Em 2015, Lalanda e Castro é acusado da alegada prática de dois crimes de tráfico de influências devido a problemas fiscais de empresas pessoais suas e constituído arguido por alegada corrupção activa no comércio de responsáveis políticos da Líbia para ganhar um contrato para a International Life Solutions — outra empresa sua que nada tem a ver com a Octapharma.

 

 

O facto de as suspeitas criminais na Operação Marquês e nos Vistos Gold estarem relacionadas apenas com empresas pessoais de Lalanda e Castro — e não com a Octapharma — foi a razão pela qual se manteve como administrador da farmacêutica suíça.

 

 

Wolfgang Marguere segurou-o até ao dia 14 de dezembro — quando uma reunião do Conselho de Administração da Octapharma em Heidelberg foi interrompida por uma brigada da polícia federal alemã, acompanhada de um agente da Polícia Judiciária, para prender Paulo Lalanda e Castro. Ao mesmo tempo, a polícia suíça fazia buscas na sua casa de Zurique. Poucas horas depois, a Octapharma emitia um comunicado em que agradecia “os serviços de 33 anos à Octapharma”, declarava o seu “apoio total” e “confiança” de que Paulo Lalanda e Castro “irá ser ilibado de qualquer irregularidade”, mas informava que o seu gestor “tinha apresentado a sua demissão de todos os cargos na Octapharma para se concentrar na sua defesa”.

 

 

“Porquê?” — questionam os seus amigos. Porque razão um homem que tudo teve, com competência reconhecida, se deixou enredar em três das principais investigações judiciais dos últimos anos em Portugal. Se uns o defendem, enfatizando, por exemplo, a defesa do aproveitamento do plasma português e do seu fracionamento que Lalanda e Castro sempre fez, outros enfatizam defeitos clássicos da natureza humana. “A ganância do dinheiro e de mais poder foram as razões porque ele caiu. Não tenho dúvidas”, diz uma amiga.

 

 

 

TPT com: AFP//Luís Rosa//Observador// 12 de Janeiro de 2017