Navio de Vasco da Gama pode ter sido encontrado em Omã. Revelados novos dados

Partes do navio que Vasco da Gama utilizou durante os Descobrimentos portugueses do século XVI podem ter sido descobertos ao largo da costa de Omã. Novos dados sobre as buscas estão a ser avançadas esta sexta-feira num estudo publicado esta sexta-feira no “Journal of Nautical Archaeology“. Essas porções do navio foram encontrados em 1998 junto à ilha de Al Hallaniyah, no mar Arábico, mas as escavações arqueológicas feitas no local permitiram obter mais pormenores sobre a infraestrutura.

 

 

Tudo indica que este pode ser o navio Esmeralda, que o explorador português utilizou na sua segunda viagem marítima para a Índia. Esse navio pode ter sido destruído durante uma tempestade no século XVI. De acordo com as informações dispostas no estudo, “a baía onde o navio foi encontrado tem uma concordância geográfica quase perfeita para onde se supõe que os navio Esmeralda e São Pedro afundaram”.

 

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Depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia em 1498, os portugueses começaram a aventurar-se anualmente até àquele país asíatico. Era uma das viagens mais perigosas e mortíferas para os marinheiros: estima-se que, entre 1498 e 1650, morreram 219 portugueses naquela que era chamada a Carreira da Índia. No entanto, pouco se sabia sobre os navios: nunca foram encontradas muitas carcaças dos navios afundados nesta época, provavelmente por terem sido saqueados. Além disso, há um grande espaço em branco nos relatórios dos arqueólogos: sabe-se muito pouco sobre o que aconteceu entre a data da primeira viagem à Índia até 1552, ano em que o navio São João se destruiu no mar.

 

 

Pôr a História em pratos limpos

 

 

 Manuel I tinha muito respeito por Vasco da Gama. As missões de Pedro Álvares Cabral, que tinha ao seu comando treze navios, não tinham satisfeito o rei: é que só seis dessas embarcações conseguiram chegar à costa de Malabar entre 1500 e 1501. Mas Vasco da Gama tinha encontrado uma fonte de riqueza na Índia que viria a ser útil a Portugal, por isso o rei podia garantir assim que ficaria na História como um líder de prestígio e ambição. Era algo que parecia longe de acontecer e a religião era parte do problema: quando Álvares Cabral chegou à costa de Malabar, depois de um grande investimento real no oceano Índico, os caminhos das especiarias eram controlados pelos soldados egípcios, com quem o explorador português não manteve amizades.

 

 

Aos olhos do rei, Vasco da Gama era um homem mais ponderado. Por isso, apostou na criação de uma frota de vinte navios, cinco deles postos na mão de homens da confiança do navegador. Foi a maior frota do Caminho das Índias alguma vez constituída. Além de Vicente Sodré e de Brás Sodré, seus tios, foram chamados Estêvão da Gama (primo), Álvaro de Ataíde (cunhado) e Lopo Mendes de Vasconcelos (futuro cunhado).

 

 

De todos eles, Vicente Sodré era o protagonista: era ele quem deveria substituir Vasco da Gama caso este morresse na viagem, uma ordem dada pelo rei quando este decidiu reagir à agressividade asiática com uma resposta militar. D. Manuel I chamou Vicente (um cavaleiro da Ordem de Cristo) e deu-lhe o comando do esquadrão de cinco navios da família Gama, que funcionava quase independentemente das outras quinze embarcações. O objetivo: iniciar uma guerra contra os navios de Meca na costa de Malabar e à entrada do rio Vermelho para conseguir o controlo forçado dos caminhos das especiarias. Os cinco navios iam carregados de armas.

 

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Vasco da Gama voltou a Lisboa, mas Vicente Sodré continuou a patrulhar o sudoeste da costa indiana para manter as fábricas portuguesas em segurança. Mas o navegador ignorou as ordens de D. Manuel I e decidiu levar o esquadrão, a bordo do Esmeralda, para o Golfo de Áden para assaltar os navios da Arábia. Conseguiu-o com a ajuda do irmão, a bordo do São Pedro, que incendiou os navios inimigos matando todos a bordo. Mas só depois de os saquear e ficar com tudo: roupa, açúcar, pimenta, arroz, entre outros bens.

 

 

Claro que os navios portugueses não ficaram intactos. Em busca de um local onde os pudessem arranjar, os irmãos Sodré levaram o esquadrão para a ilha Al Hallaniyah, a única ilha habitada na costa de Omã. Ficaram várias semanas por lá, acabando por manter amizade com os locais. Um dia, os habitantes da ilha avisaram os irmãos Sodré de que uma tempestade estava prestes a chegar àquela costa e que os navios não sobreviveram à violência do fenómeno, a não ser que fossem levados para o sotavento da ilha. Vicente e Brás Sodré mantiveram os dois navios principais, Esmeralda e São Pedro, na mesma costa, confiantes de que as âncoras eram fortes o suficiente para os proteger.

 

 

Não foi o que aconteceu. Os dois navios foram completamente destruídos pelo vento, pelas correntes marítimas e pelas rochas. Julga-se que nenhum homem a bordo do navio Esmeralda sobreviveu e que Vicente Sodré morreu durante a tempestade. Quando o tempo acalmou, os sobreviventes enterraram os seus corpos. Ao fim de seis dias, Pêro de Ataíde, um dos navegadores, tomou comando dos navios e viajou até à Índia para se encontrar com Francisco D’Albuquerque. Antes de morrer, já de regresso a Portugal e a passar ao lado de Moçambique, Pêro de Ataíde escreveu uma carta a D. Manuel I contando toda esta odisseia, que pode ser vista no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.

 

 

As caravelas Esmeralda e São Pedro afundaram numa tempestade em 1503

 

 

Os objetos encontrados no local do naufrágio, incluindo moedas raras, também ajudaram a determinar a nacionalidade e a data dos destroços.

 

 

É a primeira vez na história que se resgata um naufrágio do primeiro período das Grandes Navegações portuguesas.

 

 

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Em 1499, Vasco da Gama virou um heroi nacional português, com título de nobreza e tudo, ao voltar para casa após encontrar o caminho por mar de Portugal até a Índia, de onde era possível trazer temperos valiosíssimos, pelos quais os europeus, cansados de comida sem gosto, estavam dispostos a pagar uma fortuna. Mas aí, em 1500, quase que tudo foi por água abaixo para os lusitanos. O rei de Portugal, Manuel I, resolveu enviar para a Índia uma frota de 13 navios liderada por um outro navegador, um certo Pedro Álvares Cabral (que no caminho aproveitou para dar um pulinho do outro lado do Atlântico e descobrir uma certa Ilha de Vera Cruz, depois rebatizada Brasil). A expedicão de Cabral foi um fracasso: atacada por tempestades e por rivais indianos e árabes, que não queriam abrir mão do monopólio do comércio com o Oriente, voltou para casa com apenas seis navios, um deles sem carga nenhuma. Centenas de portugueses morreram nas batalhas e nos naufrágios.

 

 

Foi aí que Manuel I resolveu engrossar. Montou uma nova expedição, armada até os dentes, novamente sob o comando do heroi Vasco da Gama, com navios capitaneados por seus parentes próximos, gente de confiança. O segundo-em-comando de Vasco era seu tio Vicente Sodré, irmão de sua mãe, um cavaleiro da ordem de Cristo que comandava o leme da caravela Esmeralda. E que se deu mal. Pois bem: depois de quase duas décadas tentando, um grupo de arqueólogos liderado pelo cientista marinho americano David Mearns afirma que encontrou no fundo do Mar da Arábia os destroços do Esmeralda, carregado de tesouros e de velhos segredos do mar.

 

 

Vicente e seu irmão Brás Sodré receberam do rei Manuel I a missão de vigiar a entrada do Mar Vermelho, para proteger os comerciantes portugueses dos inimigos árabes e indianos, enquanto Vasco ia buscar as valiosas especiarias. Mas, segundo ficou registrado na história, eles resolveram desrespeitar as ordens reais. Perceberam que era mais lucrativo sair pelos mares saqueando os comerciantes do Oriente e guardando para si seus valiosos produtos. Só que acabaram quebrando a cara.

 

 

Em abril de 1503, Vicente e Brás estavam parados para reparos com cinco caravelas na ilha Al Hallaniyah, na costa do atual Oman, quando foram avisados por nativos que uma tempestade iria chegar e que seus barcos corriam perigo. Os irmãos Sodré correram para proteger as três caravelas menores, mas estavam confiantes de que os dois barcos maiores, o Esmeralda e o São Pedro, dotados de âncora de ferro, não corriam perigo. Deviam ter ouvido os locais. Os dois barcos foram triturados pelos ventos violentos das monções. Os tripulantes do São Pedro, que estavam mais perto da praia, conseguiram se salvar e resgatar parte da carga, mas o Esmeralda afundou com todo mundo dentro, inclusive o capitão Vicente Sodré. Seu irmão Brás também morreu em seguida, não se sabe se por consequência do naufrágio ou por outras causas. Sabemos dessa história toda porque um sobrevivente chamado Pero de Ataíde resgatou o que sobrou das armas reais e viajou com os navios restantes de volta a Portugal, onde denunciou a desobediência dos irmãos ao rei.

 

 

Foi o relato de Ataíde que deu a David Mearns e à sua equipe na empresa Blue Water Recoveries a dica de onde o naufrágio poderia estar. Mearns já era famoso por desenterrar diversos navios afundados durante a Segunda Guerra Mundial. Ele visitou Oman em 1998 e encontrou indícios de que havia algo lá. Mas a burocracia de autorizar uma escavação marinha num sultanato árabe atrasou as escavações em vários anos. Só em 2014 a expedição pode ser feita. Os resultados acabam de ser publicados – e são impressionantes.

 

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Não havia nem sinal do casco do Esmeralda. “Isso não é surpreendente, dada a ferocidade da tempestade, que certamente esmigalhou o casco, e à reação dos sobreviventes, que incendiaram o que restou da caravela”, diz o relatório. Mas muitos dos objetos à bordo foram retirados do mar.

 

 

Havia, como sempre em naufrágios antigos, uma imensa quantidade de cacos de cerâmica – pratos, tijelas, jarros. O interessante é que nenhuma delas continha estanho, um material que foi usado intensamente nas cerâmicas portuguesas a partir de 1550. A ausência do estanho é portanto reveladora de que o navio é mais antigo que isso, como seria de se esperar caso aquele seja mesmo o Esmeralda, afundado em 1503. Outro indício importante tirado do mar por Mearns foi o sino do navio, com a inscrição “498” – provavelmente o que restou da data na qual o sino foi fabricado (1498). Até hoje, nenhuma caravela portuguesa naufragada no início do século 16 havia sido encontrada.

 

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Mas o maior tesouro achado na escavação foi uma moeda de prata raríssima chamada “índio”. Essa moeda foi cunhada por Manuel I para celebrar o feito de Vasco da Gama e fazia parte de uma série de duas: o “índio” e o “português”, que deveriam ser usadas justamente no comércio recém inaugurado com a Índia. Até hoje só se havia encontrado um “índio”, que está no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. Como a moeda foi cunhada em 1499 e circulou apenas até 1504, ela, além de ser uma raridade valiosíssima, é um indício quase incontestável de que o navio fazia mesmo parte da frota de Vasco da Gama.

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E, se é que restava alguma dúvida, os mergulhadores desenterraram também quase 100 balas de canhão, o que faz sentido a se julgar pela missão bélica que o Esmeralda e o São Pedro receberam de Manuel I. 35 dessas balas eram adornadas pela inscrição “VS”. Não há como saber com toda certeza o que as duas letras significam. Mas, se fosse para apostar, parece bem provável que tenha alguma coisa a ver com o nome do capitão do Esmeralda: Vicente Sodré.

 

 

TPT com: Journal of Nautical Archaeology//AFP//Reuters//Marta Leite Ferreira//Observador//David Mearns//National Geographic Creative// 12 de Setembro de 2016

 

 

 

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