18 de Junho de 1815. Em Waterloo, a sul de Bruxelas, Wellington enfrenta por fim Napoleão. E depois de horas de feroz e indeciso combate, a chegada dos prussianos decide a batalha a favor dos aliados.
Entre 1809 e 1814, no seguimento da 3.ª Invasão Francesa, as forças britânicas, portuguesas e espanholas, lideradas por Sir Arthur Wellesley – futuro duque de Wellington – logram sucessivas vitórias sobre o exército gaulês, ainda na Península Ibérica. Seguidamente, já em território francês, contribuem decisivamente para a queda de Napoleão Bonaparte. O imperador abdica, em 20 de Abril de 1814, e parte para o exílio na ilha de Elba. Wellington conseguia, assim, vergar um dos mais brilhantes generais de todos os tempos, mas sem nunca ter tido a oportunidade de com ele se confrontar, cara a cara, num campo de batalha. Mas o destino encarregar-se-ia de, volvidos cerca de 14 meses, proporcionar esse inesquecível frente-a-frente.
Da ilha de Elba ao confronto com os aliados
A 26 de Fevereiro de 1815, Napoleão evade-se da ilha de Elba, onde cumpria o exílio imposto pelas potências vencedoras, e, menos de um mês depois, entra em Paris. Ao mesmo tempo que Luís XVIII se põe em fuga, Bonaparte reassume a sua condição imperial, iniciando os Cem Dias da sua segunda e efémera passagem pelo poder.
Percebendo que os aliados não demorarão a fazer-lhe a guerra, tenta reorganizar o exército para lhes fazer frente. Embora seja notório o entusiasmo que a sua reaparição provocara nas fileiras do exército, Napoleão não tarda a perceber que lhe faltam grandes chefes militares para comandar os corpos de exército.
Dos marechais ainda vivos, o imperador nomeia Davout para as funções de Ministro da Guerra e Soult para Chefe do Estado-Maior. Com quem mais é que pode contar? Berthier falecera; Marmont, Gouvion Saint-Cyr, Pérignon, Victor e Macdonald mantêm-se leais ao rei Luís XVIII; Masséna está demasiado velho; Mortier encontra-se enfermo; aceita Ney, mas rejeita a oferta de Murat. Com este panorama, é obrigado a recorrer aos generais de divisão que lhe parecem mais aptos para o comando dos corpos.
Napoleão conseguiu regressar em glória, mas por apenas cem dias
Apesar de todas estas dificuldades, o Napoleão consegue reunir, em apenas dez semanas, um exército de 124.000 homens. Com esse exército, tirando partido da configuração plana do território belga, espera poder conduzir uma campanha rápida, que, uma vez vitoriosa, produza resultados políticos favoráveis.
Os aliados, por seu turno, contam com um exército anglo-holandês de 106.000 homens, directamente sob as ordens de Wellington, que se concentra nas imediações de Bruxelas.
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Num movimento convergente, marcham ao encontro deste exército mais duas outras formações aliadas: os Prussianos de Blücher, totalizando 117.000 soldados, e os Austríacos de Schwarzenberg, com um efectivo de 210.000 homens, mas que têm um itinerário mais longo a percorrer para se juntarem aos outros dois exércitos.
O marechal Gebhard Leberecht von Blücher, comandante do exército prussiano
Em 15 de Junho de 1815, o exército napoleónico põe-se em movimento. Procurando evitar a junção das forças de Blücher com as de Wellington, movimenta-se por linhas interiores e vai tentar batê-las separadamente.
Quando a ala esquerda do exército francês, comandada pelo marechal Ney, procura cumprir a missão de se apoderar do estratégico nó de Quatre-Bras – situado cerca de 10 km a sul do local da batalha de Waterloo e dominando o eixo Namur-Bruxelas, itinerário mais curto entre os Prussianos e os anglo-holandeses –, vai encontrar a posição já ocupada por uma brigada do exército de Wellington.
Pensando que atrás da brigada se encontra todo o exército inimigo, Ney não se atreve a desencadear uma acção ofensiva em forma, optando por uma atitude prudente de concentração de todas as suas forças. A ala direita, sob o comando do marechal Grouchy, empenha-se, em Ligny, contra 3 dos 4 corpos de Blücher. Napoleão, com o grosso das tropas imperiais, segue à retaguarda, pronto a influenciar qualquer decisão que pareça mais difícil.
O Duque de Wellington, comandante do exército anglo-holandês
Entretanto, na noite desse mesmo dia, parecendo não valorizar demasiadamente o risco da movimentação do exército napoleónico, o duque de Wellington e os oficiais do seu estado-maior participam, no mais elegante estilo, no baile da duquesa de Richmond, em Bruxelas.
Enquanto a acção da ala esquerda, sob o comando do marechal Ney, se mantém indecisa em Quatre-Bras, Napoleão ordena a Grouchy o ataque contra as tropas prussianas, em Ligny. Tardando a desenhar-se a vitória, Napoleão vê-se obrigado a reforçar o ataque de Grouchy com as tropas de reserva, alcançando um sucesso claro, mas à custa de 8.000 baixas, contra 15.000 dos Prussianos.
Para evitar males maiores, o comando das tropas prussianas entende que é melhor poupar o resto do seu exército, retirando para norte, na direcção de Wavre. Mas não abandona a ideia de, logo seja possível, voltar a tentar a junção com as forças de Wellington.
Pela sua parte, e a partir de tal situação, Napoleão não pensa noutra coisa que não seja em bater o exército de Wellington rapidamente e tudo fazer para impedir que tal junção possa concretizar-se.
Wellington escolhe o terreno da batalha
A 17 de Junho, ao saber do movimento dos Prussianos para norte, Wellington dá ordens ao seu exército para recuar para a posição de Mont St. Jean, a pequena distância, para sul, de Waterloo.
Nessa posição, o exército anglo-holandês, além de ocupar terreno ligeiramente dominante, dispõe de diversos edifícios rústicos e valados que permitem uma boa cobertura para a condução de uma defesa. Napoleão, que, após o fim da batalha de Ligny, resolvera dar descanso aos seus homens, só nesse dia, cerca das 11 horas, decide ir com o grosso das suas forças juntar-se às tropas de Ney, enquanto ordena a Grouchy, com uma força de 30.000 homens, para ir no encalço dos Prussianos.
Estes, desde o dia anterior, já lograram alcançar um significativo avanço, aproveitando a passividade dos Franceses. Grouchy, por seu turno, executa a ordem de perseguição a um ritmo incompreensivelmente lento, sem qualquer hipótese de impedir a junção entre Prussianos e Britânicos.
Napoleão atrasou o início da batalha devido ao terreno estar empapado pelas chuvas que tinham caído durante a noite
Ainda a 17 de Junho, o grosso do exército francês aproxima-se do Mont St. Jean. Verificam-se, na ocasião, condições meteorológicas extremamente adversas, com a queda de chuvas diluvianas, factor que vai condicionar negativamente as operações ofensivas, uma vez que o terreno enlameado impedirá a infantaria de tirar o máximo partido do poder de choque das suas colunas, ao mesmo tempo que favorecerá quem adoptar uma postura defensiva.
O mesmo é dizer que tudo se conjuga para dificultar a missão do atacante e beneficiar a acção de quem defende. Ao findar o dia, os dois exércitos encontram-se frente-a-frente.
Na manhã de 18 de Junho, com o início do ataque aprazado para as 9 horas, Napoleão vê-se forçado a um adiamento de duas horas e meia, na esperança de ver reduzir o grau de humidade que empapa o terreno e impede a velocidade dos movimentos. Assim, pelas 11h30, a ala esquerda francesa ataca a direita aliada, na posição semifortificada de Hougoumont.
Cerca das 13h30, perante a contrariedade de não terem ainda terminado os sangrentos combates por Hougoumont, onde os Britânicos resistem galhardamente às furiosas investidas dos Franceses, Napoleão ordena o ataque frontal, ao centro, conduzido pelo 1.º Corpo, de Drouet d’Erlon.
Mas também nessa ocasião, os homens de Wellington, utilizando nos valados a técnica de posicionamento de contra-encosta, furtam-se aos efeitos da artilharia francesa, para, logo de seguida, sentindo a aproximação da infantaria inimiga, subirem à crista, dizimando o adversário com os seus implacáveis fogos de atiradores em linha.
Para piorar a situação das tropas imperiais, não tardam a perceber que o 4.º Corpo do exército de Blücher – o único que não estivera na batalha de Ligny e que, portanto, também não fazia parte das forças que haviam retirado para Wavre –, comandado por Bülow, se aproxima pela direita do dispositivo francês.
São expedidas ordens para Grouchy alterar a sua missão e vir atacar Bülow pela retaguarda. De nada valem esses esforços, porque Grouchy só pelas 17 horas recebe a mensagem enviada por Soult, o chefe do estado-maior do exército imperial.
A carga da cavalaria francesa liderada pelo marechal Ney
Falhado o ataque de d’Erlon, Napoleão lança mão da cavalaria, executando duas incursões que rasgam o dispositivo aliado, sem, contudo, o forçarem a um recuo.
As tropas britânicas, ao verem-se submergidas pela cavalaria francesa, rapidamente passam à formação de quadrado, continuando a disparar, em todas as direcções, com assinalável eficácia. «Cada quadrado – escreveria mais tarde Victor Hugo, em Os Miseráveis – era um vulcão, atacado por uma nuvem».
Os prussianos entram em campo
Entretanto, cerca das 16h00, inicia-se o ataque do corpo de Bülow ao flanco direito francês, em Placenoit, obrigando a desviar forças para garantir, no mínimo, o controlo do itinerário de retirada. No centro da batalha, cerca das 18h30, depois de diversas cargas da cavalaria francesa, a posição fortificada de La Hayne-Sainte cai na posse das tropas de Ney.
Por uns breves instantes, constatando que a sua linha cedera na parte central, Wellington admite que a manutenção da defesa se encontra em risco e, mais do que nunca, espera que a chegada dos Prussianos de Blücher o salvem da situação crítica em que o êxito da cavalaria francesa o coloca. Pensando dar o golpe de misericórdia ao adversário, mediante o empenhamento da Guarda Imperial, ainda intacta, Napoleão recebe a notícia da tomada de Plancenoit pelas tropas de Bülow.
Perante este novo revés, decide atrasar o ataque ao centro. Ordena, então, que uma fracção da Guarda Imperial retome a posição de Plancenoit, o que vem a acontecer entre as 19h00 e as 19h30. Graças a esta inesperada trégua, Wellington consegue refazer o seu dispositivo, empenhando as reservas de que ainda dispõe.
Uma caricatura da época mostra Napoleão encurralado entre as tropas anglo-holandesas e as tropas prussianas – entre Wellington e Blücher
Confrontado com este reajustamento das forças inimigas – a que se somava a cada vez maior probabilidade de estar para breve a chegada do exército de Blücher –, mandaria a prudência que Napoleão ordenasse a retirada, procurando salvar o que restava do seu exército.
Todavia, não tendo perdido a esperança na chegada do corpo de Grouchy e acreditando na sua boa estrela, Napoleão decide jogar a última cartada, mandando avançar a Guarda Imperial.
Nesta unidade de elite, restam nove batalhões, ou seja, menos de 5.000 infantes. Dada a ordem de ataque, a Guarda progride na direcção das posições aliadas, com a mesma determinação e imponência dos tempos áureos. Subitamente, do lado do inimigo, ouvem a voz: Stand-up, guards!
Do meio do trigo, 1.500 diabos vermelhos passam da posição de joelhos à posição de pé e disparam à queima-roupa, em salvas sucessivas, por linhas paralelas. À primeira descarga a Guarda hesita e à segunda, ante a surpresa geral, recua. Ao mesmo tempo, no flanco direito francês, a recém-chegada cavalaria de Blücher inunda o campo de batalha. De Grouchy, nem sombra de notícias.
No final da batalha, Napoleão mandou avançar a temida Guarda Imperial, mas a forma como os soldados de Wellington (aqui com o seu Estado-Maior) reagiram provocaram a sua debandada
A derrota de Napoleão, embora assinalada por gestos de enorme bravura, concretiza-se numa debandada precipitada e em grande desordem, a lembrar os infaustos tempos da campanha da Rússia. Chega ao fim, com uma derrota infligida pelo seu mais cotado opositor, a extraordinária carreira militar de um dos maiores cabos-de-guerra de todos os tempos. À derrota militar segue-se o exílio para Santa Helena, onde acabará os seus dias.
David Martelo/Observador/14/6/20