Para compensar o efeito do desaparecimento da sobretaxa do IRS e da redução do IVA na restauração, o Governo está a planear, para 2017, a adopção de medidas que garantam o aumento da receita de impostos indirectos em 210 milhões de euros. Para 2018 e 2019, o agravamento dos impostos indirectos continuará, com mais 90 milhões de euros de receita em cada um dos anos.
Numa tabela que não constava da primeira versão do Programa de Estabilidade, mas que o Governo decidiu fazer chegar à Assembleia da República e a outras entidades que fiscalizam as contas públicas portuguesas, incluindo a Comissão Europeia, o Executivo dá conta do impacto das medidas de consolidação orçamental que espera colocar em prática no período de 2017 a 2020.
O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, mostra que o Governo prevê que as medidas que irão ser aplicadas (e em alguns casos já aplicadas) irão resultar numa redução da receita de 60 milhões de euros em 2017 e num corte da despesa de 406 milhões, o que representa um contributo positivo para o défice de 346 milhões de euros.
Isto significa que, da redução prevista para o défice de 2017 de cerca de 1500 milhões de euros (o equivalente a 0,8 pontos percentuais do PIB), apenas 346 milhões se devem a medidas de consolidação orçamental efectivamente tomadas. Há depois 450 milhões de euros relativos à receita extraordinária esperada com o acerto de contas no BPP, sobrando assim cerca de 700 milhões de euros de redução do défice que o Executivo está a contar obter por via do efeito orçamental positivo do crescimento económico.
A dificultar as contas do Governo está o facto de algumas medidas adoptadas já em 2016 prolongarem o seu efeito negativo nas finanças públicas para 2017. É o caso do desaparecimento da sobretaxa do IRS que, foi iniciado no ano passado, e que conduzirá a uma redução da receita fiscal em 2017 de 380 milhões de euros. De igual modo, a redução do IVA na restauração, irá reduzir as receitas em mais 175 milhões de euros no próximo ano (o primeiro em que a medida irá estar em vigor do princípio ao fim do ano).
Para compensar esta perda de receita fiscal, o Governo planeia adoptar medidas que resultem num aumento da receita de outros impostos indirectos (com excepção do IVA). Na tabela, não se especifica que impostos poderão estar em causa, mas o acréscimo de receita esperado com essas medidas é de 210 milhões de euros no próximo ano. Em 2018 e 2019, o aumento de receita previsto é de 90 milhões de euros em cada um dos anos.
O agravamento de outros impostos indirectos já foi a estratégia seguida em 2016, através do agravamento do imposto sobre os produtos petrolíferos, o imposto sobre o tabaco e o imposto de selo.
A medida com que o Governo conta ajudar mais na redução do défice está do lado da despesa. Está previsto um congelamento das despesas de consumo intermédio (excepto as PPP) que representa um contributo positivo para a melhoria do saldo orçamental de 300 milhões de euros em 2017.
Depois, o Governo conta poupar 186 milhões de euros, com medidas como a amortização antecipada dos empréstimos do FMI e 122 milhões de euros com a redução do número de funcionários públicos. É este tipo de medidas que compensa o efeito na despesa da reposição do nível salarial dos funcionários públicos, que será em 2017 de 257 milhões de euros.
Para os anos seguintes, o Governo espera que as medidas por si tomadas tenham um efeito directo mais forte na redução do défice.
Para 2018, um impacto positivo estimado é de 581 milhões de euros, um valor um pouco abaixo de 0,3 pontos percentuais, quando a redução total do défice prevista para esse ano é de 0,5 pontos percentuais.
Em 2019, o impacto positivo previsto das medidas ascende a 706 milhões de euros e, para 2020, as estimativas do Governo apontam para um efeito de 377 milhões de euros.
No período de 2018 a 2020, é o congelamento das despesas de consumo intermédio (as despesas de funcionamento dos serviços públicos) e a redução das despesas com juros que mais contribuem para a redução do défice.
“Sim, sim, é geringonça, mas funciona”, atira Costa à direita
Sem perguntas difíceis por parte dos partidos à esquerda, António Costa permitiu-se esta quinta-feira uma tirada sobre o termo “geringonça” em resposta aos comentários ruidosos da direita durante o debate quinzenal.
Estava o primeiro-ministro a responder a Catarina Martins e a dizer que os partidos à esquerda têm “conseguido resolver muitos problemas que à partida eram difíceis tendo em conta o ponto de partida de uns e de outros e temos surpreendido…” quando se levantaram algumas vozes na bancada mais à direita, partilhada por deputados do CDS e PSD.
António Costa começou ríspido: “Sim, sim, é geringonça, mas funciona. É uma grande vantagem, estão a ver? É geringonça mas funciona.” E continuou, depois das palmas da esquerda: “E até posso acrescentar mais: a nós não nos incomoda nada ser geringonça, mas a vocês incomoda-vos muito que funcione.”
Antes, a porta-voz do Bloco pegara na notícia do PÚBLICO, que refere que 10 milh~oes de euros sairam de Portugal para os paraísos fiscais entre 2010 e 2015, para desafiar António Costa a apoiar as propostas legislativas apresentadas pelos bloquistas no Parlamento sobre os offshores. “Podemos contar com a vontade do Governo e do PS para que alguma coisa mude e o assalto dos offshores ao nosso país não continue?”
Para responder, António Costa puxou prontamente de uma pequena folha onde trazia anotadas as medidas do orçamento que previam a troca de informação internacional sobre offshores e outras que o Conselho de Ministros vai esta quinta-feira à tarde aprovar em matéria de informação sobre paraísos fiscais, como o acordo com EUA sobre comunicação financeira. Disse também que o ministro das Finanças tomou medidas como a regulamentação da comunicação de pagamentos offshore, alargou as competências da unidade de grandes contribuintes para abarcar empresas e singulares, e decidiu pela disponibilização estatística das transferências, “escondidas há cinco anos” por a divulgação não ser até aqui autorizada.
“Este é num combate no qual o BE não está sozinho e no qual pode contar com o Governo para combater os offhores que são uma ameaça para a concorrência, transparência e combate à criminalidade organizada e transnacional”, assegurou António Costa.
Mudando a bitola para o Novo Banco, a dirigente bloquista voltou a insistir, como há 15 dias, na solução de nacionalizar aquele banco e exigiu de Costa a “garantia de que não será vendido se a venda for feita cm prejuízo”. Mas o primeiro-ministro não se desviou do que tem dito sobre o assunto: “Eu não fecho porta nenhuma (…) Entre a solução de manutenção do controlo público, a de nacionalização, a de fusão com outra entidade pública ou de alienação ou qualquer outra, não a devemos fechar antecipadamente. Eu não a fecho antecipadamente.”
Disse ter sido um “atrevimento ligeiro ter-se apresentado a resolução do Novo banco como uma solução sem custos para os contribuintes”. E acrescentou que a única coisa com que se compromete é não defender, “nunca, nada que não seja a melhor solução para o contribuinte”.
Costa promete ao PCP campanha de valorização da produção nacional
A Jerónimo de Sousa, que defendeu que a “solução para os problemas nacionais não é a submissão à União Europeia” e que é preciso “romper com os constrangimentos” ditados por Bruxelas – numa alusão indirecta aos programas de estabilidade e de reformas com que o PCP não concorda -, António Costa haveria de dizer que “nem sempre é possível compatibilizar” as várias mudanças necessárias.
O líder do PCP haveria depois de propor que o Governo invista numa grande campanha de valorização dos produtos portugueses e marcas nacionais junto dos consumidores e das grandes superfícies comerciais como forma de aumentar a produção do país e substituir as importações. E defendeu a necessidade de, em simultâneo, cortar nos custos da energia limitando os preços máximos e facilitar o acesso ao crédito. António Costa pegou novamente nos papelinhos para lembrar, por exemplo, que o preço do gás baixa em Julho, que a taxa de passagem por Espanha está a ser negociada e que o Governo vai relançar a campanha Portugal Sou Eu.
Regressando ao tema dos paraísos fiscais, Jerónimo de Sousa quis saber se o Governo PS arranjou forma de salvaguardar os processos à guarda do Banco de Portugal dos casos dos regimes especiais de regularização tributária (RERT) de 2005, 2010 e 2011 que o líder do PCP apelidou de “lavadouro público para dinheiro sujo de grandes capitalistas e banqueiros”. É que seria suposto os dossiers serem destruídos no final de 10 anos. “Há pessoas que beneficiaram do RERT e aparecem agora envolvidas nos Papéis do Panamá, e podem ser abertos processos pelo Ministério Públicos”, lembrou o secretário-geral comunista. O primeiro-ministro disse que as Finanças estão a “adoptar medidas para assegurar, nos termos da lei, que os documentos não serão destruídos”.
“A Europa precisa de nós”
Já no final do debate, o líder da bancada do PS, Carlos César, deixou um recado para as instâncias europeias. “Senhor primeiro-ministro quando levarem estes programas a Bruxelas apresente os nossos cumprimentos e diga-lhes que nós precisamos deles mas que a Europa também precisa de nós”, recomendou. Costa agarrou na deixa para sublinhar o recado e elogiar o programa nacional de reformas: “A Europa precisa de nós, de Portugal a crescer”.
O primeiro-ministro aproveitou a resposta à interpelação de Carlos César para rebater os argumentos do PSD e do CDS-PP. “A dificuldade que a oposição tem em atacar as medidas do Governo. E por isso é sempre amanhã que os mercados é que se vão assustar, que a Comissão Europeia não vai permitir, amanhã é que vai ser. Os amanhãs vão passando e vão transformando-se em ontem”, disse, passando depois a dirigir-se à bancada do CDS onde voltou a focar boa parte da sua intervenção. A bancada do PS aplaudiu de pé.
Já depois de todas as intervenções, o líder da bancada do PSD pediu para esclarecer o teor do quadro disponibilizado aos deputados por Costa. “Não é nenhum plano de contingência. Este documento é aquilo que disse que era. É um documento de trabalho, nem secreto nem escondido”, respondeu o primeiro-ministro, reiterando que se trata de uma discriminação, dos valores agregados do Plano de Estabilidade. Uma posição que deixou Luís Montenegro satisfeito.
TPT com: Sérgio Aníbal/Núno Ferreira Santos/MariaLopes/Público// 28 de Abril de 2016