Em 1965, o Concílio do Vaticano II reafirmou a existência do demónio.
A encíclica “Guadium et Spes” é clara: “Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a história humana. Começou no princípio do mundo e durará até ao último dia”. Os demónios são anjos. Maus, claro, porque escolheram revoltar-se contra Deus. O mal tem menos poder que o bem (se Deus quisesse podia acabar com o demónio) e os diabos divertem-se a fazer cair os homens em tentação e no pecado. Tudo o que querem é ganhar almas para a sua causa de rebelião contra Deus. Para a Igreja, e apesar de alguns padres não acreditarem, o exorcismo é a oração mais eficaz contra o demónio. Deve ser rezada por um padre nomeado exorcista pelo bispo e só depois de descartadas explicações científicas e médicas para os comportamento anómalos.
1. O que é um exorcismo?
Um rito em que um padre, nomeado canonicamente pelo bispo, expulsa demónios de uma pessoa possessa através de uma oração litúrgica.
2. Qualquer pessoa pode pedir para ser exorcizada?
Caso haja a suspeita de que uma pessoa possa estar sob influência do demoníaca, o caso deve ser, segundo as regras da Igreja Católica, comunicado ao padre da paróquia. Compete-lhe ouvir o problema e tentar perceber se os comportamentos atribuídos à pessoa podem ser de ordem médica ou psiquiátrica. Se a medicina não conseguir explicar os fenómenos, confirma-se a hipótese da influência demoníaca e faz-se o exorcismo, com a autorização do bispo da diocese do fiel.
3. Quem pode exorcizar?
Em teoria, qualquer sacerdote poderá fazê-lo. Porém, o exorcismo será tão mais eficaz quanto mais santo e virtuoso for o padre. Além disso, na prática só os sacerdotes nomeados canonicamente pelos bispos para fazerem exorcismos é que podem actuar. Qualquer sacerdote – e até qualquer cristão – pode, no entanto, rezar a Oração de Libertação que, ajudando a expulsar o mal, não é um exorcismo.
4. O que é, então, a oração de Libertação?
Uma oração capaz de quebrar a influência do demónio. Pode ser feita por um sacerdote, por um grupo de leigos ou mesmo por qualquer cristão baptizado. Enquanto que o exorcismo serve para esconjurar o demónio, a oração de libertação é uma prece dirigida a Deus.
5. Como se faz um exorcismo?
Antes de tudo, a pessoa que estiver sob a influência do demónio deverá confessar-se, porque a Igreja considera que se trata de um sacramento que liberta do pecado. No exorcismo propriamente dito, o padre começa por invocar a ajuda de Deus para si próprio. Depois, benze água e sal, mistura-os e asperge o exorcizado. De seguida, há um momento de perdão dos pecados. Reza-se uma oração chamada Ladainha de Todos os Santos e recita-se o salmo 90. Lê-se o Evangelho e, depois, o sacerdote impõe as mãos sobre o exorcizado. Reza-se o Credo e um Pai-Nosso. De seguida, o exorcista mostra um crucifixo ao exorcizado, com o qual lhe faz o Sinal da Cruz. Depois, sopra na cara da pessoa, ordenando o afastamento do demónio. Só então é lida a oração do exorcismo, que tem duas partes: uma, a depreciativa, de invocação a Deus; outra, a imperativa, de expulsão de demónio. Depois reza-se uma acção de graças e dá-se a bênção final.
6. Ocorrem manifestações violentas durante os exorcismos, como nos filmes?
O padre Sousa Lara, exorcista de Lamego, explica que, nos casos mais complicados, há situações parecidas com as que se vêem no cinema, embora nos filmes os fenómenos sejam “exagerados”. Há casos em que os exorcizados ganham uma força sobrenatural tão grande que precisam de ser amarrados e agarrados por várias pessoas. O exorcizado de um caso grave entra sempre em transe e não se recorda de nada. Durante o exorcismo, fala. Mas é o demónio quem está a falar. É também comum que os exorcizados vomitem, gritem, falem línguas estranhas ou tenham convulsões. Ao contrário do que acontece nos filmes, os padres não perdem muito tempo a falar com os demónios. “O mais importante e o que se tenta fazer, é conseguir ler a oração até ao fim”, explica Sousa Lara.
7. Quais são as causas da possessão diabólica?
Há várias causas, sendo que a Igreja defende que os fiéis que sejam praticantes, se confessem e andem “na graça de Deus” não serão afectados. Celebrar um pacto com o demónio, assistir a sessões espíritas, a cultos satânicos ou ritos esotéricos, ser vítima de malefícios (magia negra) ou ter sido oferecido pela própria mãe a Satanás são as razões mais comuns que podem conduzir à possessão. Porém, o padre Sousa Lara garante que a esmagadora maioria dos distúrbios são causados pelo recurso cada vez maior a formas de adivinhação – tarô, astrologia, videntes, etc. – e a práticas de magia branca ou negra (sejam bruxarias para fazer mal a outras pessoas ou rituais para fazer bem).
8. Que sinais podem indicar a presença de distúrbios diabólicos?
Dependendo do grau de influência do demónio na pessoa, os sintomas vão variando – desde sensações ligeiras e dores de cabeça a casos de possessão completa. Falar línguas desconhecidas, manifestar uma força fora do normal e ter aversão a coisas sagradas (não conseguir, por exemplo, entrar numa igreja) são sinais comuns nos casos graves. Ver, ouvir, sentir, cheirar e imaginar coisas inexplicáveis à luz das ciências psicológicas também são sintomas: o demónio age, com facilidade, sobre os sentidos. Ter sintomas que a medicina não consegue explicar – como desmaiar e não ter qualquer doença –, encontrar bruxarias à porta de casa, ver objectos a mexer-se sozinhos ou electrodomésticos que se ligam e desligam de repente ou qualquer outra manifestação inexplicável à luz da ciência e da medicina são sinais de alerta.
9. Todos estes casos precisam de exorcismos?
Não. O padre Sousa Lara explica que só cerca de 10% dos casos que lhe chegam precisam realmente de exorcismos. A maioria das situações melhoram com a confissão, a ida à missa, a comunhão frequente e a oração contínua. Também há casos que se resolvem com a Oração de Libertação, sem que seja necessário partir para o rito do exorcismo.
Além disso, o exorcista espanhol José Fortea explica, no livro “Tratado de demonologia e manual de exorcistas” que é preciso distinguir a possessão diabólica (situações em que um demónio possui o corpo de uma pessoa) de influência diabólica (casos em que o demónio não chega a possuir o corpo da pessoa, mas em que ainda assim lhe consegue causar danos: doenças, sensações no corpo e algum controlo da mente, através de pensamentos estranhos).
Há ainda outro fenómeno, chamado “circumdatio”, em que o demónio “assedia” continuadamente a pessoa. Nestes casos, explica o padre espanhol, é comum a pessoa ver objectos a moverem-se sozinhos, ouvir ruídos, sentir cheiros, ter pesadelos e visões.
10. Como se pode afastaro demónio, segundoa igreja?
Para a Igreja, basta viver na graça de Deus, praticar o bem, ir à missa, comungar, confessar-se e rezar o terço todos os dias. Pode recorrer-se, para autoprotecção, a objectos sagrados benzidos (como crucifixos), peregrinar até lugares sagrados e rezar-se a Oração de Libertação.
11. Um não católico pode ser exorcizado?
Sim. Os não baptizados e baptizados noutras confissões religiosas podem ser exorcizados. Aos que pertencem a confissão monoteísta – como muçulmanos e judeus – não é necessário que abandonem a sua religião. Basta que tenham fé num único Deus verdadeiro. Já os que professem uma religião politeísta deverão abandonar a sua crença em vários deuses que, para a Igreja, é falsa.
12. Há exorcismos fora da igreja católica?
Sim, há exorcismo nas várias confissões cristãs. Nos ramos ortodoxos, os exorcismos são até muito parecidos com o ritual católico.
13. É verdade que o demónio conta os pecados das pessoas presentes no exorcismo, incluindo os do padre?
O padre José Fortea, exorcista espanhol, diz que não, embora admita que os demónios ameaçam muitas vezes fazê-lo e, em alguns casos, inventam até pecados. O padre Sousa Lara confirma que o demónio faz ameaças para incutir o medo, mas que aquilo que diz durante os exorcismos nunca é verdadeiro.
14. Porque é que alguns católicos, incluindo padres, não acreditam no demónio?
Importa explicar que a Igreja Católica continua a defender, como há dois mil anos, que o demónio e o inferno existem e que o exorcismo é eficaz. O que aconteceu, sobretudo a partir da primeira metade do século xx, é que algumas correntes da Teologia começaram a defender um racionalismo maior. Os padres deixaram de fazer tantos exorcismos e, com o avanço da medicina, a acreditar que os distúrbios diabólicos podem ser de origem psicológica. E o padre Sousa Lara concorda que muitos são. O problema é que, diz, “passou-se do oito ao 80” e o racionalismo tornou-se excessivo nas últimas décadas. A maioria dos seminários aboliu as cadeiras de Demonologia (estudo dos demónios). Seja como for, não é compatível ser-se padre e não acreditar no diabo e no inferno – uma vez que a Igreja defende a sua existência.
15. Uma das causas da possessão diabólica é o recurso a práticas de adivinhação. isso significa, então, que um católico não pode recorrer à astrologia ou magia?
É verdade. Um católico não deve, nem pode, recorrer a qualquer forma de adivinhação. A Bíblia condena essas práticas em várias passagens e o exorcista Sousa Lara avisa que toda e qualquer adivinhação tem por detrás uma ligação ao demónio. O mesmo se aplica ao ioga, ao tarô e ao reiki. A magia, mesmo que seja branca – para fazer o bem a alguém ou atrair coisas boas –, pressupõe também pactos com o diabo. Por vezes, as pessoas que recorrem a essas práticas não sabem, porque o fazem através de bruxos, videntes ou médiuns que até usam imagens de Cristo.
16. Porque Deus não destrói os demónios?
Se Deus quiser, pode fazê-lo, porque é mais poderoso. O demónio (anjo mau) é uma criação divina, goza do dom da existência e usou do seu livre arbítrio (que o Homem também tem) para escolher revoltar-se contra Deus e o bem. Deus permite a sua acção maléfica e as tentações porque assim poderá pôr à prova a fé dos homens.
17. Os exorcistas devem temer a vingança do demónio?
O padre que se dedica a este ministério deve rezar o rosário (quatro terços) todos os dias e pedir protecção a Deus contra as investidas do demónio. Se o poder de Deus é infinito e o do demónio não, nada há a temer, diz a Igreja. Basta só andar na graça de Deus e ser um bom católico para o afastar.
18. O que faz com que um demónio saia de um corpo num exorcismo?
Há três causas que levam o demónio a abandonar um corpo. A primeira está na sua vontade em sair, algo que acontece com os demónios mais fracos. Para estes diabos, as orações e os rituais sagrados são torturas tão profundas que rapidamente atingem o limite do sofrimento. A segunda causa é a persistência do exorcista, no caso de demónios mais fortes. E depois há o poder da oração, que debilita gradualmente o demónio, forçando a sua saída, embora o processo seja mais demorado. Se Deus quiser, a qualquer momento e sem que nada seja necessário, a pessoa pode ser curada.
19. O que é um demónio?
Um anjo condenado eternamente. Não tem corpo e a sua existência assume um carácter inteiramente espiritual. Segundo a Igreja, os anjos maus não foram criados maus. Tornaram-se malévolos por que o escolheram ser e quando foram submetidos a uma prova divina. Os que desobedeceram transformaram-se em demónios. Há, assim, uma luta constante entre o bem e o mal, lá em cima e cá em baixo, na terra.
20. Quantos nomes tem o demónio?
O demónio é conhecido, segundo a Igreja, por dez nomes. Satã ou Satanás, no Antigo Testamento, é o mais poderoso e inteligente dos demónios que se rebelaram contra Deus. Diabo é como chama o Novo Testamento a Satã. Embora seja frequente usar as palavras “diabo” e “demónio” como sinónimo, a Bíblia distingue-os. O diabo é o mais poderoso, o “tentador”, a “serpente”, o “maligno”.
Belzebu é usado como sinónimo de diabo e significa “senhor das moscas”. Lilit surge na tradição judaica como um ser demoníaco e, na mitologia mesopotâmica, é um génio com cabeça e corpo de mulher, mas asas e patas de pássaro. Asmodeu é um termo que procede do persa “aesma daeva”, que significa “espírito de cólera”. Sátiro significa “peludo” ou “bode” e deriva do hebraico “sa’ir”. Já “demónio” vem do grego “daimon” e quer dizer “génio”. Na mitologia greco-romana, os demónios não eram forçosamente uma entidade maléfica, mas no Novo Testamento surgem sempre associado a seres malignos. Belial, que significa “senhor” e “Apolion” (“destruidor”) são outros nomes. Por fim, há Lúcifer, que significa “estrela da manhã” e que alguns demonologistas acreditam ser o segundo demónio mais importante na hierarquia demoníaca.
Rosa Ramos
Jornal i
16/05/2015