Viagens com a fundadora da Raríssimas terão levado secretário de Estado da Saúde a demitir-se

O secretário de Estado da Saúde Manuel Delgado, que viu o seu nome envolvido na polémica da Raríssimas, está de saída do Governo. O governante sai depois da reportagem da TVI denunciar alegadas irregularidades nas contas da instituição por parte da presidente na Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, Paula Brito e Costa, e depois de ser confrontado pela jornalista da TVI sobre viagens que terá feito com a presidente da Raríssimas. O gabinete do primeiro-ministro já “aceitou o pedido de exoneração” e informou que a substituta será Rosa Augusta Valente de Matos Zorrinho, até aqui presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS LVT).

 

 

O pedido de exoneração foi apresentado pelo próprio e o Presidente da República já aceitou. “O Presidente da República aceitou hoje [terça-feira] as propostas do Primeiro Ministro de exoneração, a seu pedido, do Secretário de Estado da Saúde Manuel Martins dos Santos Delgado e de nomeação para o mesmo cargo da Dra. Rosa Augusta Valente de Matos Zorrinho”, lê-se no site da Presidência. A nova secretária de Estado tomou posse pelas 19h30 desta terça-feira.

 

 

Esta noite passou na TVI a entrevista que Ana Leal fez ao secretário de Estado demissionário, antes de ser conhecida a sua saída. A jornalista da TVI disse esta tarde que Manuel Delgado foi confrontado com perguntas “comprometedoras” sobre viagens que terá feito com a presidente da Raríssimas e outros documentos. Manuel Delgado já teria posto o lugar à disposição, logo depois da reportagem ter ido para o ar, mas o ministro terá segurado o governante. Segundo a RTP, o ministro dos Negócios Estrangeiros, que conduziu a cerimónia da tomada de posse terá dito que Manuel Delgado apresentou razões pessoais para se afastar do cargo.

 

 

Na entrevista, a jornalista começa por perguntar a Manuel Delgado se participou na tomada de decisões relativas ao financiamento e à gestão da instituição, ao que o secretário de Estado demissionário responde que “seria indelicado estar a intrometer-se em algo para que não foi convidado”. Ana Leal confronta o entrevistado com um email do então tesoureiro Jorge Nunes, em que este pede uma “opinião no sentido de inverter a situação em que a Casa dos Marcos se encontra”, referindo-se a um saldo negativo de 351.457,24 euros. Manuel Delgado argumenta que não se recorda desse email e repete que “não foi para essas questões que foi contratado”.

 

 

Quanto ao facto do seu elevado salário ser pago com subsídios do Estado desviados do apoio a crianças com doenças raras, Manuel Delgado não acha imoral. “Acha moral que eu preste um serviço e não seja remunerado por ele?”, questionou. A jornalista volta a confrontar o antigo secretário de Estado com mais um email, novamente de Jorge Nunes, em que o ex-tesoureiro escreve “solicitámos ao ministro da Solidariedade Social apoio para equilíbrio financeiro. Foi-nos concedido 15 mil euros. Vou dar instruções para rapar o tacho e pagar-lhe ainda hoje”. Manuel Delgado reitera que foi pago pelos serviços que prestou e que seria injusto não receber o equivalente àquilo que foi acordado desde o início.

 

 

Quando questionado sobre as condições financeiras que alegadamente impôs para entrar na Raríssimas, Manuel Delgado refere que não impôs quaisquer trâmites e “nem sabia que a Raríssimas tinha seguros de saúde”. Ana Leal volta a confrontar o secretário de Estado demissionário com mais emails – desta vez da própria presidente, Paula Brito e Costa, para um membro da direção – em que a então presidente elenca as condições de Manuel Delgado e os benefícios políticos que a Raríssimas podia ter com a presença de um membro do PS. “Ele aceitou ir para a Casa dos Marcos mas com estas condições: 12 mil euros brutos, carro e seguro de saúde. O homem vai-nos custar assim pela rama 150 mil euros mais 40 mil para um carro o que dá 200 mil euros. É muito mas eu sei que ele põe a casa no mapa do mundo e a fazer dinheiro, ele diz que o guito vai aparecer.

 

 

Já na entrevista, Manuel Delgado dizia ter colocado o lugar à disposição, mas o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, achou “que não existiam razões objetivas nenhumas para isso”.

 

 

Em abril de 2013, o atual secretário de Estado da Saúde demissionário foi contratado como consultor, com um salário mensal de 3.000 euros. “Na altura em que foi feita a contratação achei que era muito dinheiro. Falava-se inclusivamente no senhor Manuel Delgado vir a ganhar 12 mil euros por mês. Ganhava muito para as possibilidades que a Raríssimas tinha”, disse o ex-tesoureiro Jorge Nunes na reportagem da TVI.

 

 

O pagamento de salários a Manuel Delgado chegou a estar atrasado, sendo que o então consultor terá mesmo sido informado de que a associação estava à espera do dinheiro do Fundo de Socorro Social para que pudesse saldar a dívida. E foi quando chegou à Raríssimas um novo subsídio estatal, de 15 mil euros, que o ex-tesoureiro Jorge Nunes enviou um e-mail a Manuel Delgado onde lhe terá dito que ia “rapar o tacho” para lhe pagar o valor em falta. Manuel Delgado recebeu da Associação, em dois anos, 63 mil euros, de acordo com a mesma reportagem.

 

 

Em sua defesa, o Secretário de Estado da Saúde disse, no domingo, que enquanto consultor na Raríssimas “nunca participou em decisões de financiamento”. E numa reação por escrito ao Observador, Manuel Delgado demarcou-se das denúncias sobre a gestão dos dinheiros feita pela presidente Paula Brito e Costa e afirmou que enquanto consultor da Raríssimas participou na preparação técnica da abertura da Casa dos Marcos, instalação da Raríssimas na Moita, colaborou “na área de organização e serviços de saúde”.

 

 

Manuel Delgado confirmou que foi consultor da Raríssimas entre abril de 2013 e dezembro de 2014, altura em que ainda não era secretário de Estado da Saúde. No mesmo comunicado, disse ainda que desde que assumiu funções no Governo de António Costa apenas fez “uma visita oficial à Casa dos Marcos”. “Fui convidado e não tenho tido qualquer tipo de intervenção nas relações entre a referida associação e o Estado”, garante. A colaboração com aquela associação começou em 2010, quando integrou o Conselho Consultivo.

 

 

 

 

Rosa Zorrinho troca ARS de Lisboa e Vale do Tejo pela secretaria de Estado

 

 

 

 

Sai Manuel Delgado, entra Rosa Augusta Valente de Matos Zorrinho, que presidia à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo desde o início de 2016, para onde foi substituir Luís Cunha Ribeiro.

 

 

A mulher do eurodeputado socialista Carlos Zorrinho é licenciada em sociologia pela Universidade de Évora e tem pós graduação em administração hospitalar. Rosa Augusta Valente de Matos Zorrinho tem uma vasta experiência no ramo da saúde, tendo presidido ao conselho diretivo da Administração Regional de Saúde do Alentejo, entre 2005 e 2011, onde já tinha sido vogal entre 1996 e 2002.

 

 

No currículo acumula ainda, entre 1990 e 1996, o cargo de administradora no Hospital do Espírito Santo, em Évora, onde foi responsável pela gestão dos recursos humanos, instituição à qual retornou de 2002 a 2005 na qualidade também de administradora com o pelouro dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica e serviços hoteleiros. Foi ainda presidente da SAUDAÇOR — Sociedade Gestora de Recursos e Equipamentos de Saúde dos Açores.

 

 

 


Raríssimas recebeu mais de quatro milhões em apoios públicos desde 2010

 

 

 

 

Ministério da Segurança Social foi principal financiador da associação, que também recebeu do Ministério da Saúde. Apoios chegaram a 4,2 milhões entre 2010 e 2016. Casa dos Marcos foi projeto apoiado.

 

A associação Raríssimas, de apoio a pessoas com doenças raras, recebeu ao longo dos últimos sete anos apoios de entidades públicas no valor de pelo menos 4,2 milhões de euros.

 

 

De acordo com o levantamento feito pelo Observador nas listas de entidades beneficiárias de subvenções públicas, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) tem sido o principal financiador estatal desta instituição de solidariedade social que está no centro da polémica por causa de denúncias de má gestão. Os organismos tutelados pelo MTSSS concederam financiamentos de cerca de 2,8 milhões de euros, pagos entre 2010 e 2016, com o Instituto da Segurança Social a concentrar o maior volume de apoios, aproximadamente dois milhões de euros.

 

 

A maioria destes financiamentos são justificados como ação social, equipamentos sociais e acordos de cooperação. A instituição também foi financiada ao abrigo dos apoios para a rede nacional de cuidados integrados, verbas que terão tido como destino a Casa dos Marcos, e do programa PARES, o programa de alargamento da rede de equipamentos sociais para instituições particulares de solidariedade social.

 

 

O Fundo de Socorro Social, uma entidade que presta apoio a instituições particulares de solidariedade social ou instituições equiparadas e a famílias, e o Instituto Nacional para a Reabilitação foram outras duas instituições do Ministério da Segurança Social que concederam subvenções à Raríssimas. Os financiamentos foram decididos por este Governo, mas também pelo anterior, e o atual ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José Vieira da Silva — que chegou a ser vice-presidente da Assembleia Geral da instituição — já deu explicações sobre o caso que está a ser investigado pelo Estado e pela justiça.

 

 

Ainda na esfera da Segurança Social, a instituição recorreu de forma frequente aos programas de estágios e apoio à criação de emprego do Instituto do Emprego e Formação Profissional. O IEFP pagou desde 2013 — ano em que a Casa dos Marcos começou a funcionar — mais de 430 mil euros em subsídios para estágios, mas também em incentivos para a contratação de desempregados de longa duração e outros. Retirados os incentivos à criação de emprego, as subvenções do Estado caem para menos de quatro milhões de euros.

 

 

 

Ministério da Saúde dá 1 milhão

 

 

 

 

O Ministério da Saúde foi o outro grande doador público da associação, com pouco mais de um milhão de euros, sobretudo nos anos entre 2010 e 2012, onde existem financiamentos da Direção-Geral da Saúde e das administrações regional e central dos sistemas de saúde.

 

 

Estes apoios foram concedidos ao abrigo do regime de apoios a entidades sem fins lucrativos que promovem a saúde e a instituições com ofertas de cuidados integrados. É neste regime que surge algumas vezes a referência específica à Casa dos Marcos, aquela que será a grande obra da associação Raríssimas, uma unidade que recebe crianças com doenças raras na Moita. Este é também o único projeto concreto que é especificado nas subvenções comunicadas à Inspeção-Geral das Finanças. Com o mesmo destino, a Câmara da Moita também é uma contribuinte regular da instituição, tendo atribuído cerca de 85 mil euros — pouco mais de 20 mil euros por ano desde 2013.

 

 

Há ainda valores mais pequenos pagos por entidades regionais e locais dos Açores, onde a organização também está presente (secretaria regional e Lajes do Pico para terapia ocupacional) e um financiamento de pouco mais de cem mil euros concedido pelo Programa Operacional de Capital Humano, financiado com fundos comunitários.

 

 

A lista publicada na Inspeção-Geral de Finanças com as subvenções públicas mostra que os montantes em apoios do Estado à Raríssimas tem vindo a subir nos últimos anos, mas isso também reflete uma maior imposição de transparência na divulgação de apoios por parte de entidades públicas, sobretudo a partir de 2013, quando essa informação passou a ser mais completa e legalmente mais exigente. Ainda assim, há entidades que não comunicam os valores ou que não o fazem no prazo previsto. Os valores apurados pelo Observador para os financiamentos públicos concedidos a esta associação não são, por isso, exaustivos.

 

 

Com a exceção do ano de 2011, em que foram reportados apoios de mais de 800 mil euros à entidade, os financiamentos públicos comunicados pelas entidades que os concedem tem vindo a crescer todos os anos desde 2013. Em 2016, primeiro ano completo em que este Governo esteve no poder, foram reportados apoios no valor de cerca de um milhão de euros. Mais uma vez, a maior fatia veio do Instituto da Segurança Social (cerca de 645 mil euros), com destaque para o financiamento concedido no quadro do PARES, um programa para financiar instituições de solidariedade social que apresentam projetos para criar novos lugares nas respostas sociais elegíveis.

 

 

TPT com: AFP//TVI//Lusa//Marlene Carriço//Ana Suspiro//Observador//RTP// 12 de Dezembro de 2017

 

 

 

 

 

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