Uma investigação do ISS (Institute for Security Studies) aponta “divisões profundas” sobre as tropas estrangeiras em Moçambique e defende uma “visão conjunta para a estabilidade a longo prazo que inclua todas as forças” em Cabo Delgado.
De acordo com o estudo publicado pelo instituto de análise sul-africano, não só “tem havido pouca comunicação” entre a União Africana (UA) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês, que deslocou para Moçambique em meados de 2021 mais de 3.000 tropas no quadro SAMIM – Missão da SADC em Moçambique), como até hoje o bloco regional não manteve “discussões de alto nível com o Ruanda”, que tem 2.000 homens a combater a insurgência extremista islâmica em Cabo Delgado.
“Estratégias conjuntas com forças de segurança que puxem na mesma direção conduziriam a um muito melhor resultado”, segundo o ISS, que sublinha que “ainda há ataques em toda a província de Cabo Delgado”, uma situação corroborada pelas Agência das Nações Unidas para os Refugiados, que continua a considerar “prematuro encorajar as pessoas deslocadas a regressar às suas casas”.
“O destacamento da SADC é assinalado em documentos oficiais da UA como parte da sua Força Africana de Reserva. Mas até agora tem havido pouca comunicação entre a SADC e a UA a este respeito”, sublinha o estudo assinado por Liesl Louw-Vaudran, investigadora principal do ISS.
O bloco da África Austral só recentemente se aproximou da UA – seis meses após o destacamento da SAMIM para Moçambique e “quando os fundos começaram a esgotar-se”, assinada o estudo, considerando que, ao fazê-lo, a SADC “pôs de lado a sua desconfiança histórica em relação à UA e a sua insistência no princípio da subsidiariedade”.
A SADC “também não teve discussões de alto nível com o Ruanda sobre a sua presença em Cabo Delgado”, reforça a investigadora.
Louw-Vaudran explica que o Ruanda acredita que erradicar o terrorismo na província do norte de Moçambique “é vital para a sua própria segurança”, mas as “tensões entre a SADC e o Ruanda”, que remontam a divergências sobre os resultados eleitorais na República Democrática do Congo, no início de 2019, “persistem”.
“Em 3 de abril último, os ministros do órgão de Política, Defesa e Segurança da SADC reuniram-se em Pretória para discutir a missão com representantes dos principais países contribuintes de tropas em Moçambique”, espera-se que os chefes de Estado do bloco ratifiquem uma decisão de prolongar a missão por mais três meses, até 15 de julho de 2022, mas “como tem sido o caso de todas as reuniões da SADC sobre o norte de Moçambique, o Ruanda não foi convidado”, aponta o ISS.
“O chefe da SAMIM, Mpho Molomo, assegurou aos Estados membros [da SADC] que as tropas da missão e as forças ruandesas estão a coordenar-se no terreno. Mas não houve conversações políticas de alto nível entre chefes de Estado dos países em questão”, reforça Louw-Vaudran.
“A investigação do ISS revela divisões profundas em Moçambique sobre os destacamentos ruandeses e da SADC. As organizações da sociedade civil do país questionam a transparência e o financiamento do destacamento ruandês”, acrescenta a investigadora.
O ISS considera que a UA “poderia ajudar” a garantir o sucesso das “soluções africanas” para Moçambique, “tem experiência” nesse domínio e “a maioria das suas resoluções salienta a necessidade de lidar com questões que conduzem ao extremismo violento”.
Porém, acrescenta, os Estados-membros da organização pan-africana “raramente aderem a estas políticas, e alguns veem a coordenação entre a UA e as comunidades económicas regionais, como a SADC, “como um obstáculo em vez de um benefício”.
“A primeira discussão do Conselho de Paz e Segurança da UA (CPS) sobre a SAMIM só aconteceu em Janeiro de 2022, seis meses após o seu destacamento. O CPS aprovou retroativamente a missão e pediu financiamento e assistência material para a força”, sublinha o ISS.
A UA considera a SAMIM como “um dos primeiros destacamentos da Força de Reserva Africana” – uma engrenagem central no aparato da organização para a paz e segurança, porém, se os protocolos para a utilização dessa força estipulam que é necessária a coordenação, particularmente por parte do presidente da Comissão da UA, “isto ainda não aconteceu no caso de Moçambique”, reforça o instituto de análise sul-africano.
Em contrapartida, a SADC também só procurou o apoio da UA “quando precisou de financiamento para prolongar o mandato da missão para além dos primeiros seis meses”, sublinha o estudo.
No início deste mês, a SADC recebeu da União Europeia, através do seu Mecanismo de Resposta Rápida, um montante inicial de 2 milhões de euros e espera agora ter acesso ao financiamento do Fundo de Paz da UA, que tem conta com 230 milhões de dólares (211,6 milhões de euros) provenientes de contribuições dos Estados membros.
TPT com: APL//PJA//NA//MadreMedia/Lusa// 12 de Abril de 2022