Todos os partidos da Oposição subscreveram esta semana um manifesto denunciando irregularidades no processo de recenseamento eleitoral. Acusam o MPLA de manipulação. Adalberto Costa Júnior referiu à comunicação social: “Estamos numa ditadura. Iguais à Coreia do Norte”.
O clima de tensão em Angola está em crescendo e aumenta à medida que se aproximam as eleições gerais, marcadas para o início do próximo mês de Agosto. A oposição, encabeçada pela UNITA de Adalberto Costa Júnior, dá sinais de conquistar apoio popular, enquanto sobe de tom a contestação a João Lourenço e ao partido desde sempre no poder.
A UNITA acusa o MPLA de desrespeitar a separação de poderes e Adalberto Costa Júnior, em declarações ao Nascer do SOL, é perentório: «Nunca tivemos a abordagem de um processo eleitoral com tanta falta de democracia e manipulação de dados». E acrescenta, categórico: «Estamos numa ditadura. Iguais à Coreia do Norte».
O líder da UNITA exemplifica casos de manipulação do processo de recenseamento eleitoral que toda a Oposição angolana atribui ao Governo do MPLA: «Nestas eleições, os mortos poderão votar». E especifica problemas já detetádos: «Teremos pela primeira vez os angolanos no exterior também a votar. Mas este é um desastre absoluto. 10 países. Ficou muita gente fora do registo. Nos EUA ninguém foi recenseado».
Segundo o maior partido da oposição angolana, o MPLA está consciente de que poderá sair fortemente penalizado destas eleições e, por isso, têm aumentado as manobras de manipulação de dados. E os cadernos eleitorais ainda não foram publicados, temendo a oposição que nem venham a sê-lo.
A Oposição com assento parlamentar em Angola uniu-se – algo inédito – e redigiu um memorando, assinado pelos líderes de todos os partidos minoritários, que elenca um conjunto de atos que considera violadores da lei eleitoral e da Constituição.
«Esta semana, avançámos para o memorando, onde fizemos a síntese das anomalias, sugerindo correções. O memorando não só identifica os problemas como tem propostas de solução. Uma postura de diálogo: o q fez ontem o PR? Convocou os presidentes dos partidos e apareceu com o absurdo de interpretação – que nem as crianças fazem – sob a proteção de dados. É grosseirismo. Tem algo escondido», acrescentou Costa Júnior à comunicação social.
No memorando, a que o jornal Nascer do SOL teve acesso, destacam-se as denúncias referentes aos cadernos eleitorais. Apesar de, na teoria, estarem sujeitos «ao registo eleitoral todos os cidadãos angolanos maiores de 18 anos», na prática «os cidadãos que constam da Base de Dados dos Cidadãos Maiores e que tenham residência imprecisa, serão excluídos do Ficheiro Informático dos Cidadãos Maiores, do qual resultarão os cadernos eleitorais», como evidencia o documento. Além disso, apesar de a lei definir que «em Ano de eleições, o Ficheiro Informático dos Cidadãos Maiores é fornecido à CNE até 10 dias depois da convocação das eleições», a oposição nota que até à data presente não houve qualquer publicação das listas, acusando o Executivo de João Lourenço de «obstruir o processo de consulta e reclamações dos cidadãos».
Simplificando, a UNITA acusa o Governo e o MPLA de estarem a impedir correções nos cadernos.
Adalberto Costa Júnior nota que «a não fixação das listas dos eleitores maiores de 18 anos pode adulterar os resultados».
E não exclui a possibilidade de «recorrer aos tribunais», nacionais e internacionais.
«Estão a fazer jogo. Jogo pouco democrático. O partido nunca foi entrevistado pela imprensa. É censurado nos órgãos públicos. Tem os noticiários com a-z por um ‘Partido-Estado’», alega Costa Júnior, reiterando que «Angola está igual à Coreia do Norte».
O líder da UNITA acusou, ainda, o Ministério da Administração do Território e Reforma de pretender regressar às «más práticas» de eleições passadas, em que vários eleitores se viram impedidos de votar. Costa Júnior recorda que foram «milhares e milhares de cidadãos» que descobriram, «no dia das eleições, que os seus nomes não constavam dos cadernos eleitorais dos locais onde se tinham registado. Exatamente para evitar isto, foi previsto este procedimento e tem que ser cumprido».
Fim da hegemonia do MPLA?
Deixando para trás o ‘juridiquês’ em que o memorando está redigido, há que destacar as graves acusações ao que os subscritores, na linha de Costa Júnior, denominam como «Partido-Estado» – o MPLA.
A título de exemplo, a Oposição unida refere que «Angola vive uma grave ameaça e regressão nos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, manifestadas por interferências do Poder Executivo no Poder Judicial». Ademais, notam que «o Executivo deve respeitar e fazer respeitar as leis, para que os seus actos não sejam postos em causa pelos cidadãos». Acusam o Governo de «organizar eleições de qualquer forma e à margem da lei», rejeitando e condenando «veementemente» essa «tendência e desejo». Por fim, recomendam ao MPLA «que se despoje da postura de Partido-Estado, para viabilizar, com tranquilidade o processo eleitoral de forma democrática».
Angola parece estar mesmo a mudar, registando cenas nunca antes vistas de confrontação pública do próprio Presidente e líder do partido todo poderoso.
Por exemplo, João Lourenço foi alvo de apupos na chegada a Cabinda e a população não se inibiu de entoar palavras de ordem de apoio à UNITA, à passagem da comitiva presidencial. E os vídeos gravados por populares, e que atestam essa contestação, circulam na internet.
«UNITA, UNITA» foram também palavras de ordem gritadas, espontaneamente, num estádio de futebol em Luanda, face à presença do Presidente João Lourenço.
Segundo as sondagens, que valem o que valem mas que revelam tendências, o MPLA nunca esteve tão ameaçado de perder a maioria absoluta. Apesar de nas zonas rurais o partido no poder continuar com larga maioria, a UNITA tem cavalgado o voto urbano e escolarizado, sendo que os mais jovens são quem tem protagonizado as iniciativas mais contestatárias do regime.
Uma sondagem realizada pela Afrobarómetro, entre Fevereiro e Março de 2022, dá 29% das intenções de voto ao MPLA e 22% à UNITA. Ou seja, o MPLA perderia a maioria absoluta pela primeira vez na história.
Comparando o estudo com um outro feito pela mesma agência em 2019, verifica-se uma descida a pique do MPLA – de 38% para 29% – e uma subida da UNITA na razão inversa – de 13% para 22%, ficando assim a distância entre os partidos em apenas 7 pontos percentuais (a mais curta de sempre). Outro dado interessante desta sondagem é o número de pessoas que não revelam intenção de voto: 31%.
Adalberto Costa Júnior mantém a confiança: «Apesar das dificuldades vamos mesmo fazer a alternância. Angola tem tudo para ganhar».
A polémica Lei das Sondagens
Entretanto, a Assembleia Nacional está a discutir a proposta do Executivo de uma lei que, entre outros temas, determina a quantia de 15 milhões de kwanzas (cerca de 35 mil euros) como capital social mínimo para a constituição de empresas ligadas a pesquisas de opinião. E através desta lei, o Executivo pretende colocar limites e normas às empresas ligadas às sondagens que, em Angola, fruto da inexistência de enquadramento jurídico, operam livremente. Manuel Homem, ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, justificou a exigência do capital com «a necessidade de as empresas possuírem solvabilidade suficiente para reparar possíveis danos a terceiros». Ademais, o ministro explica que a proposta permite a realização de estudos e sondagens no período eleitoral, «desde que não sejam divulgados nos órgãos de comunicação social». Para a oposição, esta proibição trata-se de «uma forma de matar a democracia e a liberdade de expressão».
TPT com: AFP//MadreMedia /Lusa//Henrique Pinto de Mesquita//SOL//Sapo24// 15 de Maio de 2022