Os riscos dos EUA e aliados na luta contra o Estado Islâmico

O anúncio foi grandioso: cerca de 30 países, entre árabes e ocidentais, concordaram em formar uma coalizão para lutar contra o grupo radical autodenominado Estado Islâmico (EI).

 

Coaligação reúne países ocidentais e árabes (Foto: AFP)

 

O anúncio foi grandioso: cerca de 30 países, entre árabes e ocidentais, concordaram em formar uma coalizão para lutar contra o grupo radical autodenominado Estado Islâmico (EI), que se instalou em um grande território do Iraque e da Síria e choca o mundo com suas práticas cruéis, incluindo a divulgação de vídeos de decapitações.

 
A aliança seguirá basicamente as linhas apresentadas pelo presidente Barack Obama em 10 de setembro: ataques aéreos, apoio às forças locais, uso da inteligência e contra-terrorismo e fornecimento de assistência humanitária.

 

 

Estado Islâmico – O que está por trás do grupo radical.

 

 
A coligação começou a funcionar poucos dias após a reunião de cúpula em Paris. A França foi o primeiro país a aderir ativamente aos ataques dos EUA no Iraque, na última sexta.

 

 
E, nesta terça-feira (23) o grupo deu um golpe estratégico. O Pentágono disse que os Estados Unidos e cinco aliados árabes (Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Barein e Catar) lançaram os primeiros ataques aéreos contra alvos do EI na Síria. Até agora, os bombardeios estavam concentrados no Iraque.

 

 

O desafio é conseguir que países com diferentes estratégias, políticas e interesses se unam sob a liderança de um país do qual muitos têm receio ou suspeita.

 

 

O plano visa conciliar a experiência que os Estados Unidos têm acumulado ao longo de meio século de intervenções com a realidade turbulenta e volátil do Oriente Médio.

 

 

Mas Obama tenta evitar intervir sozinho e, portanto, precisava de uma coalizão que incluísse, especialmente, os países árabes.

 

 
Até agora, Egito, Iraque, Jordânia, Líbano, Barein, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos manifestaram disponibilidade para apoiar a ação.

 

 

Obama apresentou o plano de modo a liderar “por trás”, como ele fez na intervenção na Líbia em 2011.

 

 
O comentarista político Geoff Dyer disse ao jornal britânico Financial Times que “o risco de liderar por trás é que ele deixa os Estados Unidos dependentes dos esforços de seus membros”.

 

 
“Se eles não conseguirem, Obama poderia se encontrar em meio a uma guerra no Iraque, precisamente aquela que seu governo prometeu sair.”

 

 

Ecos do 11 de Setembro

 

 

Rami Khouri, da Universidade de Beirute, aponta vários problemas para a coligação.

 

 
Khouri observa que este grupo foi criado por Washington, em estado de pânico, antes de consultar as partes interessadas e chegar a acordo sobre os países árabes, deixando-os em uma posição desconfortável.

 

 
Além disso, os Estados Unidos e seus aliados acreditam que, sem um governo inclusivo dos sunitas no Iraque, não há como lutar contra o EI.

 
Washington investiu bilhões de dólares na última década, e o resultado até agora é o sectarismo e a corrupção dos líderes xiitas.

 

 

Sectarismo e repressão

 
Os riscos dos EUA e aliados na luta contra o Estado Islâmico1

Militantes do Estado Islâmico com os restos do que dizem ser um drone americano que caiu em Raqqa (Foto: AFP)

 

 
A ascensão do EI se deve em grande parte ao sectarismo e à repressão dos governos xiitas.

 

 
O governo de Nouri al-Maliki, primeiro-ministro iraquiano até agosto de 2014, usou o exército e milícias para reprimir a população sunita.

 

 
Patrick Cockburn, do jornal britânico The Independent, acredita que os 5 ou 6 milhões de árabes sunitas que vivem entre o Iraque e a Síria temem mais a violência em Bagdá e suas milícias do que o Estado Islâmico.

 

 
O New York Times publicou recentemente denúncias de milícias xiitas retaliando cidades e aldeias sunitas.

 

 
Os riscos do uso de drones

 

 

Outro possível problema, segundo o acadêmico libanês Khouri, é que o presidente Obama mencionou o uso de drones e colocou os casos do Iêmen e da Somália como exemplos do que quer conseguir com a coalizão.

 

 

Nem nesses países e no Paquistão os drones eliminaram as organizações insurgentes.

 

 

Pelo contrário: as mortes de civis aceleraram a radicalização contra Washington.

 

 
Liderança de sucesso?

 

 

Também existem dúvidas, diz Khouri, sobre o fato de que o coordenador da coligação contra o EI seja o general aposentado da Marinha John Allen.

 

 
Anteriormente, Allen teve cargos de responsabilidade no Afeganistão, no Comando Central para o Oriente Médio, no Iraque e no conflito israelense-palestino.

 

 
“É difícil acreditar em uma combinação mais deprimente de fracassos da política americana na região do que os que acumula Allen”, diz.

 

 

 

Além disso, para Khouri e outros analistas, a coalizão também tem resquícios da resposta dos Estados Unidos e seus aliados aos ataques de 11 de Setembro de 2001.

 

 
No entanto, o problema com o IE é diferente da Al Qaeda e, segundo analistas, as reações emocionais anti-islâmicas e militaristas devem ser evitadas.

 

 

Luta regional

 

 

Apesar do sucesso duvidoso de intervenções no Afeganistão e no Iraque durante a última década e a rejeição de grande parte da população americana a entrar em uma nova guerra, Obama tem sido pressionado pelos chamados neo-conservadores em seu país, por governos de países árabes sunitas e por Israel para intervir militarmente contra o governo de Bashar al-Assad na Síria e atacar instalações nucleares iranianas.

 

 
O crescimento violento do EI levou Obama a projetar uma intervenção com o menor risco militar, político e econômico possível.

 

 

Ter uma coalizão foi uma das condições prévias para evitar um possível fracasso unilateral.

 

 

Mas a guerra na qual a coligação ainda frágil e incerta está prestes a entrar faz parte da luta política religiosa entre sunitas e xiitas na região.

 

 

Irã contra a Arábia Saudita

 

 

E a rivalidade pela hegemonia regional entre o Irã (xiita) e Arábia Saudita (sunita) marca as alianças.

 

 
Ambos os países têm interesse em lutar contra o EI, mas mantêm uma forte concorrência regional.

 

 
O Irã apoia Bashar al-Assad, o Hezbollah no Líbano e o Hamas em Gaza; a Arábia Saudita apoia a oposição sunita na Síria.

 

 
Da mesma forma, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Egito lutam contra a Irmandade Muçulmana, enquanto o Catar e Turquia os apoiam.

 

 

Os Estados Unidos, a Arábia Saudita e o Irã estão se comunicando no combate ao EI, mas é difícil de alcançar um elevado nível de coordenação.

 

 

O dilema da Turquia

 

 
A Turquia (com população de maioria sunita), por sua vez, preferiu manter uma postura cautelosa, especialmente desde que dezenas de diplomatas foram sequestrados pelo EI.

 

 
O governo turco teme que o combate ao EI ajude a fortalecer os curdos iraquianos e, em médio prazo, um Curdistão turco.

 

 
Outros países temem que o Irã saia fortalecido desta guerra.

 

 
Juan Cole, professor da Universidade de Michigan, disse em seu blog: “(É) uma triste ironia que as duas potências regionais mais entusiásticas no combate ao ISIL (EI) sejam o Irã e a Síria.”

 

 
Bashar, inimigo também do EI

 

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Presidente sírio também é inimigo do Estado Islâmico (Foto: AP)

 
Em relação à Síria, durante os últimos três anos a Casa Branca insistiu que uma condição para se chegar a um acordo de paz no país era que o presidente Bashar al-Assad – alawita, um ramo xiita – saísse.

 
Além dos ataques a focos do EI na Síria, Obama pretende fornecer assistência militar a grupos armados do fragmentado Exército Livre da Síria – a quem se refere como “oposição moderada” – a fim de que eles combatam o governo de Damasco e o EI.

 

 
A Síria não se pronunciou sobre os recentes ataques, mas havia comunicado anteriormente que qualquer ataque a seu território seria considerado uma interferência.

 

 
E o governo russo também disse que um ataque de Washington na Síria será considerado uma violação ao direito internacional.

 

 

Rebeldes moderados?

 

 
Na volátil situação na Síria, é difícil saber quais grupos são moderados, e há risco de transferência de armas para grupos que podem se tornar inimigos dos Estados Unidos.

 

 
Lina Khatib, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional, acredita que o plano de Obama e da coalizão não contempla uma forma de incluir o Exército Livre da Síria em um quadro político.

 

 
Esta confusão pode reproduzir o caos que ocorreu na Líbia após a intervenção da OTAN em 2011.

 

 
Grande parte da população sunita na Síria teme e rejeita o governo de Bashar al-Assad e muitos deles preferem o EI.

 

 
Ao mesmo tempo, os adversários do governo desconfiam dos Estados Unidos depois de ter esperado por quase quatro anos até que este país interviesse para apoiá-los.

 

 
O sentimento de muitos cidadãos sírios e iraquianos é de estar presos entre o Estado Islâmico e os governos de Damasco e Bagdá, e a esperança de serem salvos por uma coalizão improvisada parece distante.

 

 
(*) Mariano Aguirre coordena o Centro Norueguês de Consolidação da Paz (NOREF) em Oslo. www.peacebuilding.no

 

 
Mariano Aguirre* Especial para a BBC Mundo

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