Tudo o que sabemos sobre os crimes do Primeiro Ministro José Sócrates

Todos os dias se escrevem páginas e páginas de jornais sobre o processo que envolve José Sócrates. Foi notícia que motorista do ex-primeiro-ministro levava malas de dinheiro para Paris e mais tarde o ex-governante veio a público dizer que nunca foi confrontado com qualquer indício de corrupção. Será tudo verdade? Já se conhecem todos os detalhes deste alegado esquema? O i revela-lhe hoje tudo aquilo que já se sabe sobre a Operação Marquês e explica-lhe quais é que são os pontos que ainda não foram esclarecidos.

 

 

 

 

O dinheiro para José Sócrates saía exclusivamente da conta que Carlos Santos Silva tinha no BES?

 

 

O empresário e ex-adminsitrador do Grupo Lena Carlos Santos Silva teria mais de 20 milhões de euros depositados numa conta da UBS, dinheiro esse que terá voltado para Portugal, em 2010, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT), pagando apenas 5% de imposto. Segundo o “Sol”, esse dinheiro terá sido depositado por Santos Silva numa conta em seu nome no BES, conta essa que terá servido exclusivamente para sustentar os gastos de Sócrates. Desta conta terá saído o dinheiro – em tranches – para o ex-primeiro-ministro comprar a casa em que vivia em Paris e para comprar os apartamentos em Lisboa e no Cacém, em nome da mãe. Acontece que essa não era a única conta de Santos Silva aberta em Portugal. Depois de pedido o levantamento do sigilo bancário, os investigadores descobriram que teria mais de uma dezena de contas espalhadas por vários bancos. Estão todas congeladas: os investigadores estarão a investigar qual a proveniência dos montantes ali depositados, se a sua origem é ou não ilícita e se delas também terá saído dinheiro para Sócrates.

 

 

 

De onde veio e para que servia o dinheiro que Santos Silva guardava num cofre?

 

 

 

São outras perguntas a que a investigação ainda tenta responder: o montante de 1 milhão de euros descoberto no cofre de uma agência do Barclays em nome de Santos Silva, conforme o i revelou esta semana, tem origem lícita ou ilícita? Por que razão alguém com tantas contas bancárias guardava 1milhão de euros em dinheiro vivo num cofre de um banco? Esse dinheiro foi levantado de uma das suas contas ou chegou por outras vias? em caso de dúvidas, depois de aberto o cofre na semana em que o empresário e Sócrates foram detidos, Carlos Alexandre deu ordens para que o dinheiro fosse depositado numa conta que Santos Silva tinha na agência. Desta forma, ficou tudo apreendido. Caso se prove que a origem é ilícita, dinheiro pode vir a entrar directamente nos cofres do Estado.

 

 

 

Sócrates sabia ou não sabia que iria ser detido?

 

 

 

De acordo com notícias que foram saindo na imprensa, a investigação suspeita que sim, devido às movimentações de Sócrates naquela semana, do adiamento da viagem para Lisboa e de um alegado telefonema do filho na sequência de buscas. Recorde-se que os outros três arguidos foram detidos numa quinta-feira, dia em que Sócrates tinha viagem marcada para Lisboa. O ex-primeiro-ministro viria a cancelar esse voo, e a marcar nova viagem para o dia seguinte. Nessa semana, antes de embarcar para Paris, almoçou com o ex-procurador-geral da República, Pinto Monteiro. E já depois de estar na capital francesa, encontrou-se com Carlos Santos Silva e Gonçalo Trindade Ferreira, que tinham saído de Lisboa em direcção a Londres. Além disso, se dois canais de televisão e um jornal sabiam que a operação para deter José Sócrates estava montada, e se os outros três arguidos já tinham sido detidos, é pouco provável que o ex-governante não soubesse.

 

 

 
Se Sócrates já sabia que ia ser detido, e ainda assim optou por voar para Portugal, como é que o juiz Carlos Alexandre sustentou a tese de perigo de fuga na hora de decretar a prisão preventiva?

 

 

 

De acordo com notícias que têm sido tornadas públicas, ainda que Sócrates tenha regressado a Portugal, os investigadores estavam convencidos de que o ex-primeiro-ministro não acreditava que iria ser detido. Ainda assim, existem dados no processo que revelam que estaria a planear uma viagem de longo curso para o Brasil, dias depois da detenção. Além disso, de acordo com a lei, não é necessário que se verifiquem os três pressupostos para a prisão preventiva – basta um deles – e não foi ainda tornado público quais os argumentos invocados pelo superjuiz.

 

 

 

Por que razão Carlos Santos Silva dava dinheiro a José Sócrates?

 

 

 

Sócrates alega que o amigo estava apenas a ceder-lhe empréstimos para fazer face a algumas “dificuldades de liquidez” que atravessou “em certos momentos”, nomeadamente no período em que viveu entre a capital francesa e Lisboa e quando teve “parte da família em Paris”. “Sinceramente, não me parece que pedir dinheiro emprestado a um amigo seja um crime”, afirmou Sócrates nas respostas enviadas a perguntas da TVI. Em 2013, dava outra razão para o seu sustento: na primeira entrevista dada à RTP, ex-primeiro-ministro disse ter pedido um empréstimo para estudar e viver durante um ano em Paris. A investigação tem outra teoria: a de que seria na verdade o dono do dinheiro que Carlos Santos Silva acumulara no estrangeiro. Neste cenário, o empresário da Covilhã seria um mero testa-de-ferro ou uma “barriga de aluguer”.

 

 

 

O que é que Sócrates fez ao dinheiro do empréstimo?

 

 

 

Segundo o “Sol”, o ex-governante terá gasto quase a totalidade do empréstimo cedido pela CGD – 95 dos 100 mil euros – na compra, a leasing, de um Mercedes topo de gama. Esta dúvida nunca foi esclarecida pelo próprio nem pelos seus advogados de defesa. Publicamente, Sócrates sempre se escudou numa alegada herança deixada à mãe, Maria Adelaide Pinto de Sousa, para justificar a compra do seu apartamento no edifício Haron Castilho, na Avenida Braancamp, em Lisboa, em 1998. Dois meses antes, a mãe também se tinha instalado num apartamento naquele prédio. Os investigadores terão feito as contas e concluído que o montante da herança não era suficiente para cobrir os gastos de Sócrates.

 

 

 

Mas então, se os milhões de Santos Silva são de Sócrates, de onde veio o dinheiro?

 

 

 

É a one million dolar question deste processo. A investigação suspeita que o dinheiro terá sido acumulado por Sócrates enquanto era primeiro-ministro, por luvas recebidas a troco de favores ou favorecimentos. Por essa razão, está indiciado por corrupção passiva. Mas quem pagou? E quanto pagou? Sabe-se apenas que, confirmando-se a tese de que o dinheiro de Santos Silva é, afinal, de José Sócrates, aqueles montantes não são compatíveis com os rendimentos que o ex-governante auferiu enquanto primeiro-ministro ou enquanto colaborador da Octapharma.

 

 

 

Se Sócrates está indiciado por corrupção passiva, de quem é que recebeu as luvas e quais os montantes das mesmas?

 

 

 

Já todas as teses foram avançadas e nenhuma confirmada. Sócrates recebeu dinheiro por ajudar os negócios do grupo Lena na Venezuela? Por favorecimento do Grupo Lena nas obras da Parque Escolar? Por uma “cunha” colocada junto de Manuel Vicente, vice-presidente de Angola? Por nenhuma destas razões? Ou a investigação ainda está a tentar chegar aos corruptores?

 

 

 

Com que indícios de corrupção é que Sócrates foi confrontado?

 

 

 

Ao que o i averiguou, ainda que nos autos possam já constar indícios a apontar para favorecimentos que justifiquem as quantias depositadas nas contas de Santos Silva, durante o interrogatório o arguido apenas foi confrontado com o seu alegado pedido ao governante angolano. Um pedido que teria o objectivo de beneficiar o Grupo Lena.

 

 

 

Se Sócrates não foi confrontado com indícios fortes de corrupção, a prisão preventiva é ilegal?

 

 

 

É uma questão complexa. Fontes ligadas ao processo explicam que, no entendimento do juiz Carlos Alexandre, havendo fundamentos legais para a prisão preventiva (perigo de perturbação do inquérito, perigo de fuga ou perigo de continuação da actividade criminosa), e podendo esta ser decretada a qualquer crime punível com mais de cinco anos, bastava que Sócrates fosse confrontado, por exemplo, com as suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

 

 

 

Por que razão Sócrates está indiciado por corrupção activa?

 

 

Não há certezas, mas segundo a “SIC”, o ex-primeiro-ministro foi constituído arguido por suspeitas de sete crimes, quatro deles de corrupção – activa e passiva. Ou seja, será suspeito não só de ter sido corrompido como de ter actuado como corruptor. Junto de quem e como é que não foi referido.

 

 

 

O dinheiro que a Octapharma pagava a Sócrates era mesmo pagar os seus serviços ou apenas uma farsa?

 

 

Não é claro ainda se o salário que Sócrates receberia da Octapharma lhe seria pago efectivamente por ser representante da multinacional farmacêutica para a América Latina. De acordo com o “Sol”, era Joaquim Lalanda de Castro, responsável da Ochtapharma, quem receberia os 12 mil euros mensais de uma offshore de Santos Silva. De seguida, canalizaria o dinheiro para Sócrates, simulando ser o pagamento de um salário e despistando eventuais dúvidas sobre como conseguiria sustentar-se em Paris. Segundo o “Sol”, Lalanda de Castro terá sido alvo de buscas mas até à data não há notícia de que este ou qualquer outro representante da Octapharma tenha sido constituído arguido neste processo. E há até documentos, revelados pelo i, que mostram que o ex-primeiro-ministro ter-se-á reunido com Alexandre Padilha, então ministro da Saúde do Brasil, em Fevereiro de 2013, e efectivamente na qualidade de presidente do conselho consultivo da farmacêutica para a América Latina. Entretanto, depois de Sócrates ter ficado em prisão preventiva, a empresa rescindiu o contrato com o ex-governante.

 

 

Qual era o papel de Gonçalo Trindade Ferreira?

 

 

Mais uma dúvida que até à data não foi totalmente esclarecida. O advogado foi procurador da mãe de José Sócrates no negócio dos apartamentos e trabalha na Proengel, uma empresa de Carlos Santos Silva. A investigação desconfia que Gonçalo Ferreira era mais um intermediário na circulação de dinheiro entre Santos Silva e o ex-primeiro-ministro. Ou seja, seria mais um a transportar ou a levantar directamente nos balcões do BES valores em numerário para entregar a Sócrates. Assim sendo, só não é claro por que razão João Perna chegou a estar em prisão preventiva, e Gonçalo Ferreira ficou logo em liberdade a troco de se não se poder ausentar do país e de se apresentar periodicamente no DIAP de Lisboa.

 

 

 

João Perna saiu ou não saiu do país com o carro de Sócrates?

 

 

 

Ricardo Candeias, actual advogado do motorista, adiantou ao i que existiram várias viagens ao exterior. O seu cliente terá saído “várias vezes de Portugal” para “fazer recados, transportar pessoas, etc.”. Sócrates, por seu turno, em resposta a perguntas enviadas pela TVI, garantiu que o seu carro nunca passou de Espanha. “Nunca o meu motorista foi a Paris; nunca me levou nenhuma mala de dinheiro; e nunca o meu carro foi além de Espanha (onde fui passar curtos períodos de férias e pouco mais).”

 

 

 

Qual o interesse de João Perna para a investigação?

 

 

 

O advogado disse ao i estar convicto de que a prisão não serviu para investigar e que motorista nunca foi pressionado. Ex-primeiro-ministro argumenta que investigação utilizou “a prisão para aterrorizar uma pessoa que julgavam vulnerável de modo a tentar obter-se sabe-se lá que informação. Um abuso”. Perna é suspeito de transportar dinheiro para o ex-primeiro-ministro e de ter colocado uma conta pessoal à disposição de Sócrates, que receberia transferências vindas de Santos Silva. João Perna, irmão de uma funcionária do PS, foi contratado em Junho de 2011, depois de Sócrates ter saído do governo.

 

 

 
João Perna foi apanhado a transportar malas com dinheiro para Sócrates? Ou eram envelopes?

 

 

 

Durante o interrogatório, Perna nunca foi confrontado com a tese de que transportava malas com dinheiro para Sócrates, mas sim envelopes. Em entrevista ao i, Ricardo Candeias, advogado de João Perna, alegou que, se algum dia o seu cliente transportou dinheiro, nunca se apercebeu: “Em abstracto, levar dois, três ou dez mil euros num envelope é uma coisa muito fininha, então se for em notas de 500 euros… As pessoas é que não têm noção disso. Portanto é possível confundir isso com papel… É possível que se transporte uma coisa a pensar que é outra.

 

 

 

Porque é que João Perna é suspeito de fraude fiscal?

 

 

 

De acordo com o “Sol”, o motorista só declarava ao fisco metade dos 1200 euros mensais que recebia de ordenado. É uma hipótese por estar indiciado por este crime.

 

 

Como é que Sócrates pode estar indiciado por fraude fiscal se o dinheiro não estava depositado em contas em seu nome?

 

 

 
A dúvida jurídica pode fazer correr muita tinta neste processo. Carlos Santos Silva também está indiciado por fraude fiscal, de onde se depreende haver suspeitas de que nem todos os montantes que tinha em seu nome terão sido declarados, ao abrigo ou não do RERT. Agora, se o dinheiro fosse efectivamente de Sócrates, mas nada estivesse em seu nome, o ex-primeiro-ministro pode responder por não ter pago os impostos devidos? E se esses impostos já tiverem sido pagos por Santos Silva, deveriam ser duplamente tributados?

 

 

 

Por Carlos Diogo Santos

 

 

17/01/2015 – Jornal I

 

 

 

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