Grécia, Alemanha e as reparações. Uma guerra complicada

A luta da Grécia pelas reparações de guerra vai muito além do atual Governo, mas a jurisprudência não parece estar do seu lado. Vai Atenas abrir mesmo uma nova frente de batalha com a Alemanha?

 
“A nossa obrigação histórica é reclamar o empréstimo forçado e as reparações”. As palavras de Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, na segunda-feira, são apenas mais um episódio daquela que ameaça ser uma longa saga em torno do tema das reparações de guerra. Esta quarta-feira, o ministro da Justiça, Nikos Paraskevopoulos, disse no Parlamento grego que estava pronto a assinar a lei a exigir reparações de guerra à Alemanha e a mandar apreender ativos alemães na Grécia.

 

 

Do lado da Alemanha, um rotundo “não”. O Governo alemão acredita que a questão das reparações ficou resolvida nas conversações entre as potências mundiais que levaram à reunião da Alemanha em 1990. “Acreditamos firmemente que a questão das reparações foi resolvida política e legalmente”, respondeu o porta-voz da chanceleralemã, Angela Merkel, na quarta-feira, em resposta ao ministro grego.

 

 

Apesar de ter ganhado uma nova vida desde a eleição do Syriza para o Governo grego a 25 de janeiro, a questão das reparações alegadamente devidas pela Alemanha por danos causados pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial à Grécia (e não só) é um imbróglio de longa data e que ainda há pouco mais de dois anos estava em discussão no Tribunal de Justiça Internacional. Mas vamos por partes.

 
OS CASOS EM CAUSA

 
A 10 de junho de 1944, o corpo paramilitar do partido nazi conhecido como SS (Schutzstaffel) matou 218 mulheres, crianças e idosos na vila de Distomo, perto da cidade de Delfos. O caso foi levado aos tribunais alemães pelos gregos até ter sido rejeitado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que considerou que os países estão “imunes” a processos movidos por “cidadãos”.

 

 

Sem sucesso na Alemanha, os queixosos levaram a questão para a justiça grega que condenou a Alemanha a pagar 28 milhões de euros em reparações de guerra, que os alemães se recusaram a pagar. A justiça grega decidiu, então, tentar confiscar e vender propriedades do Governo alemão na Grécia, algo que foi bloqueado pelo Governo grego que não queria entrar em guerra aberta com Berlim.

 

 

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Heinrich Himmler, líder das SS que durante a Segunda Guerra Mundial foram responsáveis por grande parte dos crimes contra a Humanidade do lado nazi.

 

 

Eis que, em 2008, uma decisão da justiça italiana deu novo alento aos queixosos. O caso em mãos: a 29 de junho de 1944, as tropas alemãs mataram 250 civis na cidade de Civitella, na Toscânia. Mais de 40 anos após o massacre, os familiares das vítimas processaram a Alemanha na justiça italiana, exigindo reparações. Depois de muitos anos a lutar, um dos queixosos, um cidadão italiano chamado Luigi Ferrini, viu o Supremo Tribunal de Justiça de Itália dar-lhe razão. O Supremo considerou que os indivíduos que viram os seus direitos humanos violados podiam, de facto, processar um país e exigir reparações de guerra. Ferrini foi preso pelos soldados alemães e enviado para um campo de concentração, onde foi obrigado a trabalhos forçados na produção de armamento para o Exército alemão.

 
Mas os tribunais italianos foram ainda mais longe e decidiram que as decisões dos tribunais gregos podiam ser aplicadas em solo italiano. Ou seja, os gregos que viram a Alemanha condenada a pagar-lhes reparações de guerra, podiam exigir a apreensão e venda de ativos alemães em Itália para fazer este pagamento. Para isso, foi ordenada a apreensão e venda de uma propriedade alemã perto do lago Como, que servia de centro cultural italo-germânico.

 

 

Os gregos exigem, ainda, a devolução de um empréstimo que os nazis obrigaram (prática comum) o Banco Central da Grécia a dar à Alemanha, de 476 milhões de marcos. Sem contar com juros, este valor podia ultrapassar os 13 mil milhões de euros atualmente.

 

 

ALEMANHA GANHA EM TRIBUNAL

 

A justiça italiana abriu a porta a pedidos de indemnização de toda a Europa e a Alemanha decidiu rapidamente colocar a Itália em Tribunal. Em dezembro de 2008, a Alemanha entrou com um pedido no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, alegando que, ao permitir que civis exigissem reparações num processo cível contra um país, a Itália violou as suas obrigações perante a lei internacional, que dão imunidade à Alemanha.

 
No centro da disputa, e que acabou por ser fulcral na decisão, está o Tratado de Paz entre a Itália e os aliados – no qual a Alemanha nem sequer foi uma parte –, no qual a Itália aceita uma cláusula que abdica de pedir reparações de guerra. A Alemanha argumentava que esta ainda era válida, enquanto a Itália defendia que os acordos subsequentes (como o acordo de 1961 onde a Alemanha assume, voluntariamente, novas responsabilidades) criavam novas exigências. A Alemanha argumentou, por sua vez, que não se tratavam de novas exigências, mas de exigências antigas.

 

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Representantes da Grécia, que se constituiu assistente no processo movido pela Alemanha no Tribunal Internacional de Justiça contra a Itália

 

 

Finalmente, em 2012, os governantes alemães (e não só) respiravam de alívio. Depois de quatro anos de intensa disputa, o Tribunal Internacional de Justiça decidiu a favor da Alemanha. Segundo Haia, o caso italiano violava a imunidade da Alemanha de ser processada por tribunais nacionais, um princípio reconhecido pela lei internacional.

 

 

Alguns especialistas argumentavam, na altura, que negar este princípio iria abrir um precedente que levaria à inundação dos tribunais. Mas outros, como a Amnistia Internacional, consideravam que a decisão era um “grande passo atrás em matéria de direitos humanos” e que violava o princípio consagrado na Convenção de Haia, de acordo com o qual “as vítimas de crimes de guerra podem processar o Estado responsável para obter reparações”.

 

 

GRÉCIA NÃO DESISTIU

 

 

Na quarta-feira, o Parlamento grego aprovou a criação de uma comissão especial formada para todos os partidos para calcular o valor que a Alemanha alegadamente deve à Grécia em reparações e em relação ao empréstimo forçado.

 

 

No entanto, este trabalho não é pioneiro. Em 2013, o Ministério das Finanças da Grécia terá pedido um relatório a um grupo de especialistas para avaliar quanto seria o valor em causa. “Quanto nos deve a Alemanha” será o título do relatório secreto, de acordo com a revista alemã Der Spiegel. Depois de meses de trabalho, o relatório de 80 páginas terá chegado à conclusão que a Grécia “nunca recebeu qualquer compensação, seja pelos empréstimos que foi forçada a dar à Alemanha ou pelos danos sofridos durante a guerra”.

 
O valor calculado pelos peritos não foi conhecido, tal como o relatório que não foi tornado público, mas o jornal grego To Vima, que diz ter tido acesso ao relatório, afirma que este valor atinge os 162 mil milhões de euros, a soma exigida, agora, por Alexis Tsipras, que corresponde a cerca de metade da dívida púbica grega.

 

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“Não devemos dinheiro aos alemães, eles é que nos devem”. Manolis Glezos do Syriza, ficou conhecido por em maio de 1941 ter subido à Acrópole e retirado a bandeira nazi colocada pelos ocupantes..

 

 

Segundo a revista alemã Der Spiegel, este relatório foi entregue pelo Ministério das Finanças ao então ministro dos Negócios Estrangeiros grego, Dimitris Avramapoulos, e ao primeiro-ministro, Antonis Samaras. A decisão teria de ser tomada ao mais alto nível, mas o relatório ficou na gavetanuma altura muito sensível do resgate. A Grécia tinha acabado a segunda fase da sua reestruturação de dívida e tinha a promessa, feita em novembro de 2012, do Eurogrupo de que iria discutir a sustentabilidade da sua dívida assim que conseguisse um saldo primário nas finanças públicas.

 

 

Agora, o ministro da Justiça, Nikos Paraskelopoulos, ameaça fazer cumprir exatamente a decisão de 2000 da justiça grega, relativa ao massacre de Distomo, e de apreender ativos alemães. Só o Governo pode tomar essa decisão, algo que o Executivo grego em 2000 não quis fazer.

 

 
A ALEMANHA DEVE REPARAÇÕES À GRÉCIA?

 

Esta questão, a avançar o processo pela Grécia contra a Alemanha, terá muitas nuances com base nas interpretações diferentes de alguns tratados. Mas não só.

 

 

 

A Alemanha pagou, em 1960, cerca de 115 milhões de marcos alemães (cerca de 59 milhões de euros a valores da altura) de compensação às vítimas gregas dos crimes nazis. As vítimas dos campos de trabalhos forçados receberam compensações individuais. Alexis Tsipras alega que estas reparações não cobrem a destruição causada durante a ocupação nazi da Grécia, entre 1941 e 1944.

 

 

Grécia, Alemanha e as reparações. Uma guerra complicada4

O primeiro-ministro Alexis Tsipras diz ao Parlamento que a Grécia irá cumprir as suas obrigações, mas que irá exigir o mesmo dos outros países.

 

 

Outra questão é a do valor das indemnizações que foi acordado. A certa altura, nas negociações de paz da conferência de Paris, a Grécia terá exigido 7,1 mil milhões de dólares de reparações de guerra à Alemanha. No entanto, este valor foi rejeitado e reduzido na altura para 45 milhões de dólares, que já terão sido pagos entre 1950 e 1990.

 

 

Os empréstimos entram noutro pântano legal. Se for considerado uma espécie de dano de guerra, poderia ser objeto de reparação. Mas, de acordo com o tratado de 1990, a Alemanha não teria de pagar. Se for considerado apenas um empréstimo sem juros, o valor será muito reduzido. Sem juros, o empréstimo valeria cerca de 14 mil milhões de dólares a preços atuais. Com juros de 3% durante 66 anos, o valor em dívida subiria para 95 mil milhões de dólares.

 

 

Mas mesmo o valor total é discutível. Segundo Albrecht Ritschl, um historiador de economia da London School of Economics, em vez de mais de 160 mil milhões de euros, o valor das reparações não ultrapassaria os 13 mil milhões de euros.

 

 

 

UMA QUESTÃO POLÍTICA

 

No final do dia, mesmo que o valor seja reduzido, a Alemanha garante que pagou o que tinha a pagar e que não vai ceder nesta questão. Legalmente, um pagamento à Grécia podia criar o precedente legal necessário para que outros países, alguns de maior dimensão (como a França), exijam reparações à Alemanha.

 

 

Outra das questões apontadas pela Grécia é o incumprimento da Alemanha de parte das dívidas da primeira guerra. Em 1953, no âmbito dos acordos de Londres, a Alemanha beneficiou de uma reestruturação de grande dimensão, com um perdão parcial e uma boa parte dos prazos de pagamento da dívida pública alemã a serem também estendidos para prazos mais longos o muito longo prazo. Com esse acordo, a Alemanha acabou por demorar 92 anos a pagar por completo essa dívida, desde o final da primeira guerra, até ao pagamento da última tranche em 2010.

 

A Grécia pode seguir nos próximos meses para os tribunais internacionais, mas as decisões mais recentes não inspiram grande confiança para os lados das pretensões gregas.

 

 
Autor: Nuno André Martins
Observador

 

13/03/2015

 

 

 

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