Morreu o rei B.B. King, o rosto popular dos blues

B.B. King morreu aos 89 anos em Las Vegas.

 

 

 

Riley Ben King não era tão bom quanto o seu primo a apanhar algodão. Era miúdo, em idade de escola, mas passava muitas vezes os dias numa quinta algures no delta do Mississípi dedicado a esse trabalho duro que começava cedo. Uma boa jornada significava que os tios se mantinham calmos. A sua ambição futura era então moldada pela ideia de que talvez um dia pudesse vir a conquistar a sua pequena porção de terra que trabalharia montado num tractor, voltando a casa para uma mulher bela e para os filhos que tivesse trazido ao mundo. Não parecia fadado para grandes voos. Nem sequer no algodão.

 

 
Os horizontes dessa quinta idealizada foram-se estreitando à medida que os seus bolsos e dos amigos, com o passar dos anos, continuavam quase vazios; ao mesmo tempo que, em sentido contrário, os relatos da música que vinham de uma Memphis que parecia imensamente distante começavam a soar mais promissores. B.B. King fez a sua parte ao mudar-se para a cidade; o destino, que já o marcara com um nome de realeza, tratou de lhe mostrar o caminho para o estúdio de Sam Phillips.

 

 

Se era de bênção que ia à procura, não poderia ter calhado em melhores mãos. Phillips era o fundador dos Sun Studios e da mítica Sun Records, por onde passaram Elvis Presley, Johnny Cash, Howlin’ Wolf e tantos outros fazedores da alma musical norte-americana. Sintomaticamente, logo na década de 50, o talento daquele jovem músico que começara por tocar guitarra com grupos de gospel, não escaparia aos ouvidos de Phillips.

 

 

Dificilmente se adivinharia, ainda assim, que ali estava um dos músicos que faria história ao transportar a linguagem original acústica dos blues para a expressão eléctrica.

 

 

 
Falecido aos 89 anos, em Las Vegas, na noite de quinta-feira, B.B. King foi provavelmente o maior responsável pela popularização dos blues. Vivendo com diabetes tipo II desde a década de 80, foram as complicações decorrentes da doença a vitimá-lo.

 

 

As reacções de pesar rapidamente se avolumaram nas redes sociais nas horas a seguir à sua morte, vindo de todos os quadrantes. De Ringo Starr a Snoop Dogg, de Bryan Adams ao vocalista dos Kiss Gene Simmon. Eric Clapton, assumido seguidor de King, afirmara ao Los Angeles Times, em 2005, que “B.B. toca em algo universal; não pode ser confinado a um único género.”

 

 

É naturalmente impensável desviar B.B. King dos blues, tendo sido uma das suas figuras maiores e das raras a conquistar uma dimensão global, mas é um facto que a sua linguagem, ao tomar-se de electricidade, acabaria por colher ensinamentos no jazz de Charlie Christian, nas big bands de Count Basie, numa ampla galeria de bluesmen que ele ampliaria através de uma linguagem apelidada “Memphis Blues” – que partilhava com a génese do rock’n’roll uma sonoridade mais inflamada e intensa.

 

 
Memphis seria igualmente o berço da formação de B.B. King, cujas iniciais haviam de ser repescadas na sua designação de DJ na rádio – Blues Boy. Primeiro, através de uma lição de humildade: “Achava que era realmente bom. Mas quando cheguei a Memphis e fui ao Handy Park – na altura chamava-se Beale Street Park – e ouvi aquelas pessoas, era como se houvesse uma universidade nas ruas!

 

 

 

E descobri então que não cantava assim tão bem”, recordou em entrevista ao site Academy of Achievement. “Via gente na rua a dançar e eu nem sequer sabia andar.” Depois, teve as suas únicas lições a sério, encomendando, comprando e estudando obsessivamente manuais de guitarra numa loja local.

 

 
Parecendo um pormenor, não o é. A curiosidade e a vontade de explorar a guitarra faria de B.B. King não um mero perpetuador de uma música que lhe tinha sido legada pela região do Mississípi, mas um instigador de novos caminhos. Concentrando em si boa parte da tradição musical negra, montada em torno dos blues, B.B. King falava de Frank Sinatra, Nat King Cole, Bach e Beethoven como lendas a cujo patamar sonhava chegar. “A minha única ambição é ser um dos grandes cantores de blues e ser reconhecido”, disse King ao jornalista musical Michael Lydon, citado agora pelo Washington Post.

 

 

 

Na mesma publicação, o historiador de blues Peter Guralnick não lhe nega esse estatuto na História: “Tem o mesmo lugar nos blues que Louis Armstrong tinha no jazz. É um embaixador para a música.”

 

 

O CANTO DE LUCILLE

 

 
Mais do que a sua colecção de 15 Grammy, mais até do que os milhões de discos que terá vendido em todo o mundo, B.B King deu um rosto popular aos blues. Para uns quantos, Howlin’ Wolf, Muddy Waters ou Robert Johnson serão nomes mais emblemáticos desta música. Mas mais ainda do que Buddy Guy ou John Lee Hooker, B.B. King alcançou um reconhecimento muito para além da sua origem musical, tendo trabalhado ao longo da carreira com alguns dos nomes mais importantes do rock como Eric Clapton, George Harrison, Rolling Stones, David Gilmour, U2 ou Joe Cocker.

 

 

Em parte, como nota o crítico do New York Times Jon Pareles, pela sua infatigável vida na estrada, tocando por todo o mundo em toda as oportunidades que se lhe apresentassem – em Portugal, foram várias ocasiões, a primeira em 1973, tendo chegado a partilhar o palco com Rui Veloso. Era habitual fazer anos com mais de 250 concertos.

 

 

 

 

Foto: FABRICE COFFRINI/AFP

 
Gonçalo Frota

 
Joana Amaral Cardoso

 

 

15/05/2015

 

 

 

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