Compadrio, interesses especiais, tráfico de influências e corrupção minam Hospital de Santa Maria, diz estudo

Um estudo revelou que o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, está envolto numa teia de interesses e de lealdades a partidos políticos, à maçonaria e a organizações católicas.

 

 

“A Maçonaria, a Opus Dei e a ligação a partidos políticos ainda são três realidades externas que intersetam a esfera do HSM”, refere o estudo.

 
O Hospital de Santa Maria, o maior do país, está minado por uma teia de interesses especiais e lealdades a partidos políticos, à maçonaria e organizações católicas, conclui um estudo que avaliou a qualidade e funcionamento de seis instituições nacionais. A análise ao Hospital de Santa Maria (HSM), a cargo de Sónia Pires, salienta que, “apesar das melhorias registadas a partir de 2005″, a unidade hospitalar “continua atravessada por fortes conflitos de interesse e atos nas zonas cinzentas ou silenciadas que se configuram como corrupção“.

 
“A Maçonaria, a Opus Dei e a ligação a partidos políticos ainda são três realidades externas que intersetam a esfera do HSM”, refere o estudo “Valores, qualidade institucional e desenvolvimento em Portugal, encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que vai ser apresentado na quinta-feira.

 

 

 

A investigadora, que se baseou em questionários e entrevistas recolhidos entre 2012 e 2013, traça um retrato negro da instituição onde se entrecruzam os interesses públicos e privados de “grupos poderosos“, nomeadamente na classe médica e na direção de serviços de apoio que condicionam o funcionamento dos serviços a nível de recursos humanos e aquisição de material clínico.

 

 

O diagnóstico era ainda pior há dez anos: “a situação estava fora de controlo, não havendo registos de utilização do equipamento e verificando-se roubos regulares, por parte de médicos e de outro pessoal, que se serviam a seu bel-prazer dos armazéns do hospital para fornecer as suas clínicas privadas“.

 

 

 

O fecho do hospital chegou a ser ponderado e foi necessária “a intervenção enérgica” do ministro da Saúde, que nomeou um novo Conselho de Administração e um novo presidente para salvar a instituição, refere o documento, acrescentando que esse dirigente e a sua família receberam ameaças de morte e chegaram a ser acompanhados por uma escolta policial.

 

 

 
Sónia Pires destaca que “as condições melhoraram” entretanto, mas continuam a ser “prática comum” pequenos atos de corrupção como, por exemplo, “troca de favores, fazendo passar à frente, nas listas de espera, amigos e familiares, e o médico assistente canalizar os pacientes que têm de fazer análises para laboratórios privados dos quais é sócio”.

 

 

A corrupção foi mais evidente até meados de 2000, e sofreu uma quebra com a reorganização dos serviços.

 
“Com efeito, a introdução da informatização dos serviços, as alterações nas chefias dos serviços de apoio (com a vinda de atores do setor privado bancário ou do setor dos seguros de saúde), a entrega de relatórios de contas por serviço, área ou departamento, ou a externalização de certos serviços (como a alimentação, a lavandaria ou obras de manutenção) fazem com que o despesismo seja mais controlado”, adianta o relatório.

 

 

 

O documento revela igualmente casos de absentismo de chefias médicas nos serviços de ação médica e nomeações dos diretores de serviço feitas “à revelia das normas e regulamentos”.

 

 

 

Justifica, por outro lado, a permanência de alguns médicos no serviço público com o facto de “pertencer ao HSM ser útil para conseguir o estatuto social e simbólico próprio à profissão”, admitindo que, embora se mantenham os melhores elementos, há ausência de meritocracia, nas nomeações e na promoção.

 

 
“Os processos de nomeação não são claros e estão atravessados por outras dinâmicas como os jogos de interesse e as lutas entre professores na Faculdade de Medicina, e a presença de dinâmicas externas próprias à sociedade portuguesa — como a maçonaria, a Opus Dei e a ligação a partidos políticos (ligação mais recente, temporalmente, e com ênfase particular no Partido Comunista e no Partido Socialista)”, salienta a investigadora, baseando-se nas informações que recolheu.

 

 
Santa Maria foi a organização mais mal classificada entre as seis analisadas no estudo (Autoridade Tributária, ASAE, EDP, Bolsa de Lisboa, Hospital de Santa Maria e CTT), destacando-se essencialmente na avaliação sobre inovação e flexibilidade tecnológica. No entanto, a partir de 2011, as restrições orçamentais no Serviço Nacional de Saúde condicionaram a introdução de maior flexibilidade tecnológica e inovação nos serviços, notou Sónia Pires.

 

 
O estudo envolveu vários investigadores e foi coordenado pela professora da Universidade Nova de Lisboa Margarida Marques e pelo professor da Universidade de Princeton Alejandro Portes.

 

 
O HOSPITAL DE SANTA MARIA É UMA INSTITUIÇÃO “ÓRFÔ E SUBORÇAMENTADA

 

 
O Hospital de Santa Maria foi “abandonado à sua sorte” e está suborçamentado para fazer face aos elevados custos que tem com os seus utentes, devido ao seu estatuto de hospital de fim de linha, refere também Sónia Pires.

 

 
Segundo a investigadora, as relações entre o Hospital de Santa Maria e os seus aliados naturais, o Ministério da Saúde e o Ministério das Finanças, deterioram-se nos últimos anos, num contexto de “sucessivos cortes orçamentais, que atingiram dezenas de milhões de euros” e passaram a ser “de confronto”.

 
“O Hospital de Santa Maria é, para todos os efeitos, uma instituição órfã”, diagnostica a investigadora, salientando que, “para fazer face à crise, o Conselho de Administração do Hospital foi abandonado à sua sorte, tanto pelos utentes, como pela Faculdade de Medicina, ou ainda as organizações profissionais médicas”.

 

 
Apesar das fortes restrições, o estudo destaca que o hospital procurou “manter os compromissos com os utentes, durante o período de governação interna de 2010-2012”, com o atendimento indiscriminado de utentes e a dispensa de medicamentos e tratamentos caros.

 

 

 

“É opinião unânime que o HSM é suborçamentado pelos custos elevados em medicação e que o seu estatuto de hospital de fim de linha deve ser considerado pela tutela para rever os pagamentos feitos em sede de contrato-programa”, sublinha Sónia Pires.

 

 
Por outro lado, apesar da perceção negativa do HSM e dos hospitais públicos, em geral, na opinião pública portuguesa devido às longas de listas de espera para consultas e cirurgias, a investigadora valoriza “o trabalho árduo” em contexto de crispação económica grave, “nomeadamente no que diz respeito ao atendimento de todos os utentes (vindos do setor privado e do setor público, da região de referência ou fora dela, e dos PALOP) e no facto de contemplar os melhores cuidados possíveis” aos utentes.

 

 

 

O HSM assume “um papel fundamental” perante os doentes do setor privado, salientaram vários responsáveis ouvidos para este trabalho, já que os seguros de saúde só permitem tratamentos até um determinado nível de complexidade devido aos tetos de reembolso preestabelecidos, levando muitos utentes com doenças complexas a recorrer aos serviços públicos.

 

 

 

O HSM foi escolhido como estudo de caso para avaliar, de forma indireta o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e as respetivas políticas governamentais.

 

 

 

27/05/2015

 

 

Foto: Wikipedia

 
Agência Lusa

 

 

 

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