Foi número 2 de António José Seguro na Juventude Socialista. Camarada de sótão de António Guterres, com quem partilha a visão de catolicismo social-democrata. É amigo de longa data de Jorge Coelho, a quem nunca poupou elogios. Andou com José Sócrates na estrada, na campanha das legislativas de 2009. Agora, é o diretor de campanha de António Costa, de quem já tinha sido secretário de Estado. Gestor de formação, colecionador de lupas nas horas vagas, político habituado ao terreno, este é Ascenso Simões nas palavras de quem o conhece bem.
O homem forte de Costa para a próxima campanha eleitoral costuma dizer que partilha com o secretário-geral do PS duas características: é autocentrado e tem algum excesso de confiança. Defeitos de quem foi filho único durante sete anos até o irmão mais novo nascer. É conhecido por algum “mau feitio”, mas os amigos garantem que diz sempre tudo o que tem a dizer, sem segundas intenções. E fá-lo também com o líder do PS – é um dos poucos que é capaz de responder a António Costa quando o ex-presidente da Câmara Municipal tem os seus conhecidos acessos de cólera.
Transmontano, Ascenso Simões aderiu ao PS em 1978 e foi eleito líder da Federação Distrital da JS de Vila Real em 1982. Foi esse o primeiro grande salto político. O segundo chegaria em 2002, altura em que foi eleito deputado socialista. Até lá, e mesmo depois, Ascenso Simões foi crescendo pela mão de alguns dos homens fortes do PS, como Jorge Coelho, por exemplo.
É ele quem se desfaz em elogios quando o assunto é Ascenso Simões. Ao Observador, Jorge Coelho começou por descrever o ex-secretário de Estado como “um camarada e um amigo de sempre” que em todas “as batalhas políticas” que travaram juntos “sempre revelou uma enorme lealdade”.
E foram muitas as batalhas. Talvez a mais recente, em 2005, juntou-os na campanha eleitoral de José Sócrates, aquela que deu a primeira maioria absoluta da história aos socialistas. Era então Jorge Coelho o diretor de campanha do ex-primeiro-ministro e Ascenso Simões seu braço direito. Hoje, é Ascenso, aos 52 anos, quem assume a missão de tentar conduzir o secretário-geral do PS ao cargo de primeiro-ministro.
Vai ser o Jorge Coelho de António Costa e o rótulo agrada-lhe. O próprio nunca negou a influência de Coelho que em tempos descreveu como “a proximidade, a simpatia, a atenção permanentes. (…) O olho de lince que encontra o que falta para que um qualquer processo tenha sucesso”. Os dois partilharão três princípios: coordenação, coordenação e decisão. E têm orgulho em serem homens do aparelho, o que definem como o conhecimento profundo do partido e do país.
Mesmo reconhecendo que Ascenso tem “uma forte ligação ao aparelho partidário” e que essa é uma qualidade “absolutamente fundamental” para mobilizar o “partido numa altura sensível”, Jorge Coelho prefere não lhe colar nenhum desses epítetos. “Não quero entrar nessas telenovelas”, explica. Coelho prefere referir-se a Ascenso, que se licenciou tarde por causa da política, como um “quadro político de altíssima qualidade” e alguém “extremamente organizado e com uma grande visão política”.
Também José Junqueiro, deputado socialista próximo de Seguro, evita comparações. “Jorge Coelho é uma pessoa singular, é irrepetível”. Mas admite que ambos partilham “o mesmo espírito” de combate – ou seja, uma “capacidade de coordenar” fora do comum e uma “presença quase omnipresente no terreno”. Será ele o homem certo para levar António Costa a vencer as eleições? “Eu acho que sim, acho que ele não perdeu o jeito”, diz o socialista.
Conhecem-se há muito tempo e a última vez que trabalharam juntos foi na campanha para as eleições europeias. Era então António José Seguro secretário-geral do partido. Mas as eleições primárias no PS acabaram por afastar Ascenso de Seguro e, ainda hoje, há quem o acuse “de ter sido muito agressivo” com o ex-secretário-geral do PS. Há entre os socialistas quem desconfie que Ascenso seja a “pessoa ideal” para ligar as várias “sensibilidades do partido”.
Na altura, o ex-vereador da Câmara Municipal de Vila Real – ele que foi candidato derrotado em 1993 e 1997 – escreveu vários artigos de opinião onde, mesmo sublinhando o respeito e amizade que tinha por Seguro, não deixava de lhe apontar algumas críticas.
Num desses textos, e num momento em que Seguro acusava Costa de o ter traído quando decidiu avançar para a liderança do PS, Ascenso recordava os tempos da JS em que os dois participaram num “movimento para derrubar [José] Apolinário”.
”António Costa e António José Seguro são duas personalidades que engrandecem o PS. (…) Porém, muitos adversam este património quando falam de Seguro. O seu ar sofrido, o seu uso de palavras graves como traição, desrespeito e desonestidade, levam alguns militantes e simpatizantes a consagrarem rótulos incomuns”, escreveu então Ascenso Simões.
Mais tarde, e já depois de António Costa ter sido eleito secretário-geral do PS, o ex-secretário de Estado viria a explicar o que, na sua opinião, terá faltado a Seguro para se afirmar como um grande líder socialista. “A origem decorosa de uma classe média, a construção de uma carreira política sustentada, unicamente, na endogamia partidária e a ausência de uma visão global das ferramentas intrínsecas para a liderança nas ideias com comandamento no terreno”, foram, para Ascenso Simões, os handicaps que tramaram o precedente de Costa.
A Seguro faltou, ainda, uma vida para além da que sempre calcorreou. Uma conversa com qualquer um dos seus antecessores, sobre literatura ou sobre cinema, traria, inevitavelmente, novos dados, novas provocações intelectuais. Com Seguro era pouco provável”.
Apesar de ter estado do lado de Costa durante a disputa pela principal cadeira do Largo do Rato, Ascenso Simões é, ainda assim, reconhecido como uma figura “consensual”. É o que diz, por exemplo, o deputado Fernando Serrasqueiro. “Ascenso Simões tem conseguido, ao longo dos anos, lidar com as diferentes sensibilidades do partido e manter pontes. [Basta ver] que foi próximo de Sócrates, amigo de Seguro e agora diretor de campanha de Costa”.
Talvez isso justifique ter uma lista com mais de 300 pessoas a quem oferece presentes no natal – uma lista de onde nunca cortou qualquer nome.
Pertenceu ao secretariado de Sócrates e depois de ter comandado na estrada a campanha de 2009, em que o primeiro-ministro perdeu a maioria absoluta, não se coibiu de criticar publicamente a formação do então novo Governo, que lamentou não estar a ser “um Governo de combate”. Em 2014, porém, foi uma das pessoas que mais criticou o Presidente da República por ainda não ter condecorado o ex-primeiro-ministro.
Eduardo Cabrita, que, como Ascenso, foi secretário de Estado de Costa, destaca o facto de o agora homem forte do secretário-geral socialista, uma torre (de altura) e um provinciano que não renegou a origem, conhecer “o país de norte a sul”, desde as principais estruturas partidárias aos núcleos autárquicos, passando pela própria orgânica das forças de segurança.
É desse período que Ascenso mantém o hábito de se levantar às 6h15, hora em que recebia os primeiros relatórios do dia. Mas foi também nessa altura, sobretudo durante a época mais crítica dos incêndios florestais, que apanhou um dos maiores sustos da vida, quando foi apanhado no meio de um incêndio em Penalva do Castelo. Um outro socialista, que preferiu não se identificar, conta como muitas vezes “Ascenso Simões acordava durante a noite com pesadelos por causa dos incêndios florestais”.
“Enquanto secretário de Estado da Administração Interna e depois da Proteção Civil, Ascenso Simões tomava como suas as questões que tratava”, explica Eduardo Cabrita. Em 2005, um dos verões mais críticos dessa legislatura, continua o deputado socialista, não era raro ver Ascenso Simões afetado “sempre que morria um bombeiro”. “Eram coisas que o marcavam muito”, explica.
Apesar do conhecimento profundo do terreno, como todos os socialistas ouvidos pelo Observador reconhecem, há um laço especial com Vila Real, terra onde nasceu e cresceu para a política, que Ascenso faz questão de assumir. Ao contrário do irmão, que vive em Zurique, o administrador da Entidade Reguladora de Serviços Energéticos (ERSE), ainda visita regularmente a família que tem em Trás-os-Montes. É isso que dizem Fernando Serrasqueiro e também Eduardo Cabrita. “Ascenso Simões alia o grande sentido político ao sentimento regional de defesa de Trás-os-Montes” sem nunca cair em derivas “provincianas”, explica Cabrita.
Foi lá, em Vila Real, que começou a tal ligação à religião que o aproxima a Guterres. Ainda jovem, foi acólito e membro do coro da igreja, um laço que manteve na vida adulta (e política).
Embora costume dizer que é católico, mas que vive a religião sem intermediários, Ascenso acrescenta à dimensão política que todos lhe reconhecem “ao conhecimento muito profundo das questões ligadas à Igreja”.”Houve tempos em que conhecia todos os bispos portugueses e era capaz de lhes traçar o perfil”, explica Cabrita.
Por ser, pelo menos na altura, um assumido opositor da despenalização do aborto – outro aspeto em comum com Guterres -, Ascenso Simões chegou a ver-se envolvido numa polémica interna do partido. Helena Roseta e João Cravinho, por exemplo, vieram a terreiro questionar o facto de os opositores do aborto dominarem as listas, afastando ou relegando para segundo plano os defensores da despenalização.
“Terá havido uma mão invísivel destinada a destacar os independentes ou militantes do partido que sempre exprimiram posições contra o aborto enquanto algumas pessoas que se destacaram na luta pela despenalização são varridas das listas ou postas em lugares não ilegíveis?”, perguntava então.
Mas isso são águas passadas. Agora é altura de Ascenso Simões ajudar António Costa a chegar a São Bento. Mais uma vez: será ele o homem certo? Eduardo Cabrita também acredita que sim e diz ver no antigo secretário de Estado a capacidade de “corrigir” os erros que forem sendo cometidos durante a campanha e de reagir rapidamente “às circunstâncias imprevisíveis”.
Entre os socialistas, contudo, há alguma desconfiança que Ascenso seja capaz de fazer uma campanha moderna e adaptada ao país de hoje. “Vai começar a campanha em Guimarães e acabar na Torre de Belém? Isso era como se fazia dantes a campanha”, comentou ao Observador um ex-dirigente, sobre as únicas linhas conhecidas da campanha que ainda está a ser traçada.
O livro que Ascenso está a preparar sobre a campanha de José Sócrates, esse, terá de esperar, porque a vida na estrada não dá descanso. E as lupas, que comprava para ajudar na coleção de selos e que entretanto substituíram o antigo hobby, vão ter de ficar para segundo plano.
Miguel Santos/OBS/16/7/2015