“Os portugueses são os que menos têm a perder com os condicionamentos à entrada de imigrantes”

Público – 02/08/2014 – NATÁLIA FARIA

 
Secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, reconhece que há várias cidades onde os postos consulares não têm capacidade de resposta para o aumento da procura. Londres, Manchester, Estugarda e Hamburgo, mas também Pequim, Xangai e Macau são alguns exemplos.

 
José Cesário defende que o ensino português devia apostar mais nas línguas Daniel Rocha

 

Dias depois de ter divulgado o primeiro relatório sobre emigração relativo a 2013, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário, nega que o recente fecho de embaixadas e de postos consulares tenha hipotecado a capacidade de resposta às necessidades do cada vez maior número de emigrantes portuguesas. Assume que há casos de isolamento e pobreza entre os emigrantes portugueses que continuam a sair com “70 ou 100 euros no bolso e um número de telefone de uma pessoa que não sabem se existe”.

 

Alertou no relatório sobre a emigração 2013 para o aumento de situações graves de isolamento e de pobreza entre os emigrantes, que temos obrigação de colectivamente combater. De que forma estão a ser acompanhadas estas situações?

 
Estamos a falar de situações muito diferenciadas. De situações que, por exemplo, na América Latina são de miséria total. De pessoas que temos em bairros dos mais degradados que há no mundo, em Caracas, Buenos Aires, S. Paulo ou em Santos, no Rio de Janeiro. Estamos a falar de alguns casos de sem-abrigo, num ou noutro país da Europa; e estamos a falar de situações de pobreza resultante de exploração laboral. São casos muito diferenciados que requerem uma resposta colectiva, que envolva as nossas instituições públicas, mas que envolva também a comunidade, através de instituições como a Obra Católica das Migrações, a Provedoria do Estado de S. Paulo e o Instituto Lusófono em Paris.

 
Ainda há muitos portugueses a emigrar sem rede e sem garantias de emprego?
Há, embora admita que não haja tantos neste momento. Tem havido um aumento do recurso aos nossos serviços de pessoas que nos inquirem acerca de ofertas de emprego que se iam traduzir em burlas. Nos Camarões, no Reino Unido, em vários países. Isso evidencia que há mais defesas, mas não deixamos de encontrar pessoas que amiúde vão para alguns países, muitas vezes porque alguém na terra deles lhes disse: “Vem por aí, isto resolve-se”. Normalmente são pessoas que vão de autocarro, que partem com 70 ou 100 euros no bolso e um número de telefone de uma pessoa que não sabem se existe.

 

A que ponto a recente reorganização da rede de embaixadas e consulados, que levou ao encerramento de vários postos de representação portuguesa no estrangeiro, hipoteca a capacidade de resposta a estes casos?
Temos efectivamente alguns problemas de resposta na rede consular. Fundamentalmente, em alguns postos que não têm a dimensão suficiente para o crescimento que as respectivas comunidades tiveram. Em relação aos encerramentos que fizemos, foram em locais em que não há problemas de resposta, pelo menos significativos. E são encerramentos em que, na quase totalidade dos casos, houve substituição daqueles postos por outro tipo de serviços que mais ou menos correspondem às necessidades daquelas comunidades. Em Andorra, onde fechámos a embaixada, temos um consulado honorário com dois funcionários que fazem mais serviço do que fazia dantes a embaixada. Em Nantes, onde encerrámos o vice-consulado, mantemos dois funcionários que fazem a mesma coisa que se fazia antigamente. Em Clermont-Ferrand, onde fechámos o vice-consulado, temos um cônsul honorário, que é um cidadão português mas com grande capacidade de influência local, e uma funcionária que cumprem a respectiva missão. Não são estes encerramentos que nos criam problemas. O que nos cria problemas, e, efectivamente, temo-los em casos como Londres, Manchester, Estugarda ou Luanda, são os postos que não têm dimensão para responder, não só às necessidades das comunidades portuguesas, mas também à procura de vistos da parte de cidadãos estrangeiros.

 

No Luxemburgo, um dos destinos para os quais tem havido retoma da emigração, e onde os portugueses representam 30% dos imigrantes, há notícias de manifestações por causa das dificuldades no atendimento do consulado, o qual funciona só por marcações.
O funcionar por marcação não é contrário aos interesses da comunidade, é até vantajoso. Antes, as pessoas iam para a porta do consulado às quatro ou cinco da manhã à espera de uma senha. Era uma coisa inacreditável, porque havia pessoas que iam para lá dias e dias a fio. Hoje, ao irem por marcação, sabem que vão ser recebidos daí a 15 dias, três semanas ou um mês, mas [serão]atendidos.

 
Mas se se tratar de uma situação urgente.
Se for numa emergência, não precisa de marcar. Agora, o consulado do Luxemburgo é daqueles em que precisamos de mais funcionários. De tal maneira que estamos prestes a contratualizar um serviço de call center que nos vai permitir libertar funcionários dos serviços menores.

 
Em 2013, terão saído cerca de 250 funcionários e contratados à volta de 60. Numa altura em que os fluxos emigratórios estão a aumentar, não se justificaria um investimento?
Estamos a procurar melhorar o serviço através daquele novo mecanismo das permanências consulares. Estamos a atender milhares de pessoas em 141 cidades em que, há um ano e meio, não tínhamos qualquer espécie de serviço. Dos 250 que saíram, entre 130 a 150 estariam afectos ao serviço consular. Por isso é que contratámos 62 novos funcionários.

 
Em que pontos sentem maiores dificuldades?
Temos dois casos complicados na Alemanha, em Estugarda e em Hamburgo. Depois temos Londres e Manchester. Na Córsega, temos um problema prestes a resolver-se, porque já conseguimos colocar um funcionário lá. Em Luanda, temos outro problema complicado, quer na vertente das comunidades quer na vertente dos vistos. Está prestes a entrar lá em funcionamento um call center que poderá ajudar a resolver uma grande parte da situação. Temos, na área dos vistos, problemas em Pequim e em Xangai, e em Macau também, embora em Macau já tenhamos um call center a funcionar desde há poucos meses.

 
O recurso aos call centers garante a mesma qualidade de resposta?
Em 2003, fizemos a primeira grande experiência de um call center a sério na rede consular, em S. Paulo. E o serviço passou a ser de primeiríssima qualidade. O funcionário do call center não faz todo o trabalho consular, mas dá informações, faz marcações, atende pessoas, recebe documentos, verifica se os documentos estão em condições, introduz os documentos em bases de dados — que não sejam bases de dados delicadas, como a de identificação civil ou a dos passaportes. E que, a partir daí, transfere o trabalho para o funcionário do posto, que faz o que é essencial desse acto consular e que já só representa para aí um quarto ou um quinto do tempo. É mais do que um serviço telefónico puro e simples, os funcionários do call center normalmente estão no posto consular. Depois de S. Paulo, passámos a ter esse serviço no Rio de Janeiro, Paris, Londres e, ultimamente, Macau. E vamos começar em Hamburgo, Estugarda e Luanda.

 
No relatório na caracterização dos actuais fluxos emigratórios, apontam o crescente número de pessoas com idades mais avançadas, e até com empregos duradouros, que optam por emigrar. Têm noção da dimensão deste fenómeno?
É difícil. Diria mesmo que é impossível com rigor absoluto. Mas encontrámo-los em vários sítios. Em países europeus, sobretudo, para onde a mobilidade é muito fácil. São pessoas que tinham empregos em Portugal e que assumiram compromissos que deixaram de conseguir satisfazer e que optaram por fazer outro tipo de coisas na Suíça, França ou Reino Unido, onde conseguem outro tipo de dividendos. Dantes era muito raro. Agora há mais.

 

Também falam da emigração de famílias inteiras, incluindo crianças. Que políticas deviam estar desde já a ser seguidas para tentar garantir o retorno destas crianças ao país?
Sem qualquer espécie de demagogia, só há uma coisa a fazer: desenvolver a economia e tentar que haja mais empregos em Portugal. No ano lectivo de 2012/2013, entraram pela primeira vez nas escolas luxemburguesas mais de 500 crianças vindas directamente do sistema educativo português. E isto levanta problemas de insucesso escolar. Temos dialogado muito com os países para enquadrar estes jovens e estas crianças, nomeadamente por causa do desconhecimento das línguas locais, que é decisivo para o sucesso educativo.

 

Apontam no relatório a desadequação das habilitações académicas obtidas em Portugal relativamente à realidade actual do mercado de trabalho. O que está aqui em causa?
Temos muita gente licenciada com cursos superiores que literalmente não servem para nada no mercado de trabalho. Encontramos indivíduos licenciados em Direito ou com uma licenciatura em Ensino a lavar pratos — e se estiverem a servir à mesa não é mau, porque é sinal que pelo menos falam a língua local. Muitas pessoas têm cursos superiores mas não falam as línguas e o domínio linguístico é decisivo, porque o mercado de trabalho hoje é completamente aberto. Os chamados quadros estão em circulação permanente por vários países, como os trabalhadores da construção civil também estão; portanto, essa gente precisa de dominar o Inglês.

 
O sistema de ensino português devia apostar mais nas línguas estrangeiras?
Sim, e falo das línguas, não falo do Inglês só. Eu sou de uma região em que a maioria das pessoas que saem vai para países francófonos, e o que se ensina nas nossas escolas é, fundamentalmente, o Inglês. Temos depois uma dificuldade de inserção muito grande, porque eles vão para a Suíça, França, Luxemburgo, Bélgica.

 
No relatório, falam da eventual saída em 2012 de cerca de 95 mil portugueses. Já o ouvi dizer que o sistema está feito para varrer o número de emigrantes para debaixo do tapete, numa tentativa até de fazer baixar os números do desemprego. Isso mantém-se?
Temos procurado ser o mais realistas possível. Para este relatório, pedi expressamente a uma equipa do ISCTE, presidida pelo professor Rui Pena Pires — como sabe, insuspeitíssimo em relação a este Governo —, que nos ajudasse a fazer este trabalho, para que não houvesse qualquer espécie de acusação de parcialidade. Os números que estão no relatório são os números que existem. Não ocultamos o que quer que seja. Quando disse isso, e disse-o em vários momentos, foi porque, durante vários anos, Portugal, nomeadamente o anterior Governo, ocultou esses números. Que eram altíssimos.

 
Vários dos países que são destino da emigração portuguesa têm ensaiado formas de condicionar e controlar a chegada maciça de estrangeiros. A que ponto é que isto poderá prejudicar os portugueses?
Acho que vai prejudicar a circulação de muita gente. Não vai prejudicar a situação das pessoas que forem importantes para o desenvolvimento de cada um desses países. E acho que os portugueses são os que têm menos a perder com os condicionamentos à entrada de imigrantes, porque são, de um modo geral, importantes para o desenvolvimento de muitos desses países. Nós somos a primeira comunidade estrangeira no Luxemburgo, eles não abdicam de nós. Na Suíça, onde o referendo aprovou uma limitação à entrada de estrangeiros, nenhum líder dos partidos que defenderam aquela solução se referiu alguma vez aos portugueses.

 

Mas já há países, como o Luxemburgo, que mandaram sociólogos para Portugal para estudar as novas vagas de emigrantes portugueses que, pouco tempo depois de emigrarem, estavam a cair nas malhas do Estado social local.
Temos algumas franjas. Temos sete mil desempregados portugueses no Luxemburgo. Evidentemente que isso é preocupante, mas os luxemburgueses são os primeiros a dizer-nos que precisam de técnicos sociais portugueses, de engenheiros, de enfermeiros.

 

 

 

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