Ex-primeiro-ministro diz-se gravemente ofendido na sua honra. “Este anúncio visa apenas atemorizar-nos. Aquilo que estamos a publicar são as conclusões da investigação”, reage director do semanário.
O ex-primeiro-ministro José Sócrates anunciou, através dos seus advogados, que vai processar o semanário Sol, depois de ter conseguido proibir o Correio da Manhã de publicar matéria que conste do processo judicial em que está envolvido.
O antigo governante acha que a mais recente manchete do semanário, “Ministério Público investiga continuação dos crimes com Sócrates preso”, ofende gravemente a sua honra. Por isso, e por entender que a notícia desvenda factos da sua vida privada e familiar, Sócrates decidiu recorrer outra vez aos tribunais. Vai queixar-se de difamação e calúnia. O PÚBLICO tentou saber junto dos seus advogados se o antigo governante também tenciona intentar uma providência cautelar, como fez com o Correio da Manhã, mas estes preferem não revelar por agora as suas intenções.
O director do Sol, José António Saraiva, não se mostra surpreendido com o anúncio do ex-primeiro-ministro, tendo em conta o seu “longo historial de desmentidos e providências cautelares, do caso Freeport ao Taguspark”.
“Este anúncio visa apenas atemorizar-nos e condicionar-nos. Ora, aquilo que estamos a publicar são as conclusões da investigação, e eles sabem disso”, prossegue José António Saraiva, acrescentando que não percebe por que razão Sócrates fala em devassa da vida privada, acusação que considera caluniosa. “Não fazemos campanhas contra ninguém nem jogos políticos. O nosso objectivo é fazer bom jornalismo”, diz ainda o director do Sol.
Entretanto, a comarca de Lisboa esclareceu melhor em que termos é que o Correio da Manhã se encontra impedido de noticiar matéria que conste do processo: “A decisão não proíbe a publicação de notícias sobre José Sócrates ou sobre o processo conhecido como Operação Marquês, mas apenas sobre elementos deste processo cobertos pelo segredo de justiça, tal como não proíbe qualquer investigação jornalística ou a publicação de notícias sobre investigações jornalísticas anteriores, presentes ou futuras, sobre o mesmo caso ou sobre os arguidos”, refere uma nota informativa da comarca.
Para a direcção do diário, fica pouco para noticiar: “A clarificação da presidente da comarca diz que podemos noticiar tudo… excepto o que não podemos noticiar”, explica o director-adjunto Eduardo Dâmaso. “Num processo com mais de 50 volumes, que abrange uma imensidão de factos, inclusive todos os que noticiámos antes de sequer haver inquérito – casa e estadia em Paris, relações com a Octapharma, venda das casas da mãe a Carlos Santos Silva, discrepância entre rendimentos declarados no Tribunal Constitucional e várias aquisições patrimoniais – sobra quase nada para noticiar”, lamenta o jornalista.
O Correio da Manhã publica este sábado, em vários jornais, um anúncio em que reproduz a sua primeira página de quarta-feira passada: uma capa rasurada por tinta azul na qual apenas se consegue ler “Continuaremos a informá-lo”. Nem todos os jornais aceitaram publicar o anúncio: o Jornal de Notícias recusou-o, segundo o seu director, Afonso Camões, por os jornalistas da casa não estarem dispostos a alinhar “numa operação de marketing levada a cabo por um concorrente a pretexto da liberdade de imprensa”. O Correio da Manhã tem publicado várias notícias sobre a relação próxima entre Afonso Camões e Sócrates e as suas implicações no grupo Global Media, de que o JN faz parte.
Também o Diário de Notícias, do mesmo grupo, não vai publicar. Ao PÚBLICO, o seu director, André Macedo, admitiu apenas que “neste momento não há uma publicidade ao Correio da Manhã“. Fez questão ainda de sublinhar a sua função editorial. “A publicidade não é uma área em que intervenha”, referiu salientando ser “sempre pela liberdade de expressão”.
A decisão final terá passado pela comissão executiva do grupo que em resposta escrita disse que o grupo “está naturalmente solidário contra qualquer tentativa de limitar a liberdade de expressão ou de imprensa”, sublinhando, porém, que “a defesa desse princípios basilares não é compatível com o seu aproveitamento ilegítimo para uma campanha de marketing de uma qualquer marca de informação”.
Não é a primeira vez que uma providência cautelar é usada para impedir a publicação de notícias. Um dos casos mais polémicos ocorreu em 2004, tendo a acção sido interposta por um jornalista do Correio da Manhã, que conseguiu assim evitar a transcrição de mais conversas com fontes sobre o processo Casa Pia, gravadas em cassetes que alegadamente lhe foram furtadas. A providência visou primeiro a revista Focus, depois o semanário Independente, e por fim foi alargada ao Jornal de Notícias, PÚBLICO, 24 Horas, O Crime, Expresso e Visão. Em 2010, o Sol foi igualmente proibido de publicar algumas escutas do processo Face Oculta sobre o caso PT/TVI, mas não respeitou a decisão judicial, o que lhe custou uma indemnização de mais de 400 mil euros.
Mariana Oliveira/Ana Henriques e Pedro Sales Dias/PUB/6/11/2015