O Presidente eleito garante que será um Presidente cooperante, mas “atuante”, mas pede que não se ponha em causa a estabilidade financeira pela qual “tantos portugueses se sacrificaram”.
Marcelo Rebelo de Sousa não quis chamar “Marcelistão”, preferiu chamar-lhe “Portugalistão”. Na altura, algures no final da primeira semana de campanha, o candidato ainda pensava que a abstenção o podia levar a uma segunda volta. Não mudou no discurso. Tal como nesta noite eleitoral pouco mudou. Garantiu às centenas de presentes na Faculdade de Direito de Lisboa que será o Presidente “dos compromissos”, mas que é preciso que “não se comprometa a solidez financeira pela qual tantos portugueses se sacrificaram”. O Presidente Marcelo promete ser cooperante, mas “atuante” e ter um “estilo” próprio. Vão começar os cinco anos que o candidato agora eleito promete que “não serão tempo perdido”.
Ainda não é Presidente da República, mas enquanto a Assembleia da República discute o Orçamento do Estado para 2016, o Presidente eleito, pede que se equilibre a justiça social com a estabilidade financeira, mas também quer assumir um relacionamento “frutuoso” entre os órgãos de soberania. Foram dois dos cinco desígnios para futuro deixados no discurso, alguns deles cadernos de encargos para o Governo. “Não se pode comprometer a solidez financeira pela qual tantos portugueses se sacrificaram”, disse. Ou, por “palavras simples”:“No tempo que aí vem a opção é clara: ou crescemos economicamente de forma sustentável, criando justiça social, combatendo a exclusão a pobreza e a desigualdade enquanto moralizamos a vida pública e combatemos a corrupção, ou só contribuiremos para agravar as tensões sociais e os radicalismos políticos”, defendeu. Contudo, Marcelo fez questão de dizer que não há ninguém que mais queira que haja um “Governo com eficácia”.
Neste curto discurso, Marcelo mostrou que o “estilo” do novo Presidente será também ele novo. Foi o próprio que o garantiu. Num discurso amenizador, em que disse que os outros candidatos nunca foram adversários, Marcelo quis dar o exemplo daquilo que quer que sejam os seus cinco anos de magistratura: um longo compromisso. Disse Marcelo que “não há vencidos nestas eleições presidenciais” e que por isso será, claro está, “o Presidente de todas as portuguesas e de todos os portugueses”. Frase batida de todos os presidentes eleitos a que o vencedor destas presidenciais de 2016 acrescentou adjetivos. Será “um Presidente livre e isento, cujo único compromisso que assume é tratar dos os portugueses por igual sem discriminações”.
Os portugueses presentes na Faculdade de Direito de Lisboa gostaram. A maioria deles anónimos esperaram desde as sete da tarde pelo candidato que só apareceu já todos os outros tinham discursado e os resultados batido os 99% de freguesias. Marcelo apareceu e pela primeira vez apareceram também seguranças. Afinal, tinha acabado de ser eleito Presidente e o átrio da Faculdade onde sempre deu aulas era pequeno para tanta gente.
No bolso, Marcelo tinha mais quatro desígnios que quer ver cumpridos. O primeiro foi o de “fomentar a unidade nacional”, que passa por“voltar a página e recriar a desdramatização e pacificação económica e política em Portugal”, diz. Tudo porque o país “não se pode dar ao luxo de desperdiçar energias”, acrescentou.
Em segundo lugar, o Presidente Marcelo quer garantir a “coesão social”. Neste ponto, Marcelo diz que será “atuante” sobretudo junto aos mais pobres e lembra as palavras do Papa Francisco. Como terceiro ponto, o próximo chefe de Estado carregou na ideia de “promover as convergências políticas”, diz Marcelo que assume que nos últimos anos “perdeu-se” a política dos compromissos e por isso é necessário “refundar e refazer todos os dias a cultura do compromisso” pelo interesse nacional. “Ninguém pode diminuir ou desvalorizar os partidos políticos, mas ninguém perceberia os interesses partidários à frente dos desígnios nacionais”, acrescentou.
E os partidos que o apoiaram fizeram representar-se, mas de modo discreto. Do CDS esteve Telmo Correia e Filipe Lobo d’Ávila, dois dirigentes do partido, para dizer que esta “não é uma vitória dos partidos” e que espera um Presidente “de proximidade e de “afetividade”. Do PSD não apareceu ninguém da direção. Apenas os ex-ministros Rui Machete, Teresa Morais, e os deputados Duarte Pacheco e Leitão Amaro. Machete fez uma nuance ao discurso dizendo que com Marcelo na Presidência está assegurado o “pluralismo” nos órgãos de soberania.
Não houve segunda volta
Marcelo Rebelo de Sousa venceu, à primeira volta, as eleições presidenciais de hoje, quando estavam escrutinados 98,77% dos votos, pelas 22:10, segundo os resultados provisórios.
De acordo com os dados divulgados pela secretaria-geral do Ministério da Administração Interna – Administração Eleitoral, Marcelo obteve 52% dos votos, tornando-se no quinto Presidente da República portuguesa desde o 25 de Abril de 1974, e vai suceder a Aníbal Cavaco Silva.
Outros candidatos, como Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, reconheceram a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, que também já reclamou ter sido eleito Presidente. Marcelo Rebelo de Sousa afirmou hoje querer partilhar com todos “a alegria” da sua eleição como Presidente da República, a partir da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, como gesto de reconhecimento pela instituição onde foi aluno e professor.
“É natural que queira a partir daqui partilhar com todos a alegria desta eleição e a responsabilidade do mandato que os portugueses acabam de me confiar. É um gesto simbólico de profundo reconhecimento para com esta faculdade”, afirmou.
António Sampaio da Nóvoa foi o segundo mais votado, com 22,76%, seguido de Marisa Matias, com 10,72%, Maria de Belém 4,28%, Edgar Silva 3,93%, Vitorino Silva 3,38%, Paulo de Morais 2,11%, Henrique Neto 0,81%, Jorge Sequeira 0,30% e Cândido Ferreira 0,23%.
Marcelo Rebelo de Sousa, o comentador que chegou a Belém
Marcelo Rebelo de Sousa anunciou em Celorico de Basto, terra da sua avó Joaquina, a 09 de outubro, a sua candidatura à Presidência da República por considerar ter de pagar ao país o que dele recebeu e por ter o desprendimento exigido de quem não precisa de “lugares, promoções e popularidades”.
Celorico de Basto, no distrito de Braga, foi também o local escolhido para encerrar a campanha eleitoral e foi onde Marcelo exerceu o direito.
“Cumprirei o meu dever moral de pagar a Portugal o que Portugal me deu. Serei candidato à Presidência da República de Portugal”, afirmou a 9 de outubro, dizendo que de outro modo “sentiria o remorso de ter falhado por omissão”, disse no discurso de anúncio da candidatura.
Com dois filhos e cinco netos, Marcelo Rebelo de Sousa nasceu em Lisboa a 12 de dezembro de 1948, filho de um médico e de uma assistente social. A primeira escola que frequentou foi o Lar da Criança, para onde entrou com apenas ano e meio e teve como colega o cirurgião Alfredo Barroso. Dali, Marcelo saiu para o Liceu Pedro Nunes, onde foi o melhor aluno. Já na Faculdade de Direito de Lisboa continuou o percurso de aluno brilhante, terminando o curso com 19 valores.
Mas, ao contrário de muitos outros, não foi na faculdade que teve o primeiro contacto com a política. Marcelo Rebelo de Sousa nasceu e cresceu no meio dela e conviveu desde cedo com a família do então primeiro-ministro do Estado Novo, Marcello Caetano, devido ao envolvimento político do pai, Baltazar Rebelo de Sousa, que foi ministro das Corporações e do Ultramar.
O seu percurso no PSD também começou cedo. Militante desde 1974, ficou responsável pela implementação do então PPD no sul do país. Vinte anos depois, em 1996, no pós-cavaquismo, chegou à liderança do partido, cargo que ocupou durante três anos, saindo depois do fracasso da tentativa de reeditar a Aliança Democrática, com Paulo Portas no CDS-PP.
A sua ascensão à presidência do PSD ficou para sempre marcada por uma frase que até hoje ‘persegue’ Marcelo Rebelo de Sousa. Pouco tempo antes do congresso de Santa Maria da Feira, quando questionado se algum dia seria candidato à liderança do partido, o ‘professor’ foi perentório: “Nem que cristo desça à terra”.
Antes, em 1989, o agora candidato presidencial disputou as suas primeiras eleições como número um da lista do PSD e do CDS-PP à Câmara de Lisboa. É nessa campanha eleitoral que protagonizou um episódio até hoje recordado. Confrontado com alguma falta de notoriedade, Marcelo decide fazer alguma coisa de diferente e mergulha no Tejo em frente às câmaras de televisão para mostrar como o rio estava poluído. O gesto deu que falar, mas nem por isso lhe valeu a vitória.
Mas, além da liderança do partido e da experiência autárquica, não só em Lisboa, como em Cascais e Celorico de Basto, os ‘corredores do poder’ são bem conhecidos de Marcelo Rebelo de Sousa que foi deputado à Assembleia Constituinte, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do VIII Governo Constitucional, vice-presidente do Partido Popular Europeu entre 1997 e 1999 e membro do Conselho de Estado há quase 10 anos.
Profissionalmente, além da longa carreira como professor catedrático, não só na Faculdade de Direito de Lisboa, mas também na Universidade Católica, Marcelo Rebelo de Sousa passou também pelo Expresso, nos tempos iniciais do semanário fundado pelo militante número um do PSD, Francisco Pinto Balsemão.
Dessa altura vem também outro episódio caricato, quando foi publicada na secção ‘Gente’ do semanário, no meio de um texto, uma frase da autoria de Marcelo fora de qualquer contexto: “O Balsemão é ‘lelé’ da cuca”.
Mais tarde, a relação entre os dois volta a sofrer novo abalo, quando Marcelo estava à frente do Expresso e Balsemão liderava o Governo, com os mais duros ataques ao executivo a surgirem precisamente naquele semanário.
Paulo Portas foi outros dos alvos das ‘brincadeiras’ de Marcelo, quando o atual líder do CDS-PP dirigia o semanário Independente. À saída de uma reunião com o então Presidente da República Mário Soares, Marcelo terá contado a Paulo Portas que tinha sido servida uma ‘vichyssoise’, uma informação que posteriormente se veio a confirmar ser falsa e que, anos mais tarde, começou a ser usada como exemplo de que Marcelo seria uma pessoa pouco fiável.
Essa é, aliás, uma das críticas mais repetidas à sua personalidade, a par de ser uma pessoa instável e demasiado imprevisível.
Simultaneamente todos o reconhecem como uma pessoa de grande inteligência, simpático, divertido, emotivo e um verdadeiro estratega político.
Nestas eleições, uma surpresa chamada Tino
Foi o único candidato a apresentar-se sem qualquer curso superior. Tem 44 anos, a sua profissão é calceteiro, ganhou atenção mediática quando em Fevereiro de 1999, subiu ao palanque do 11º congresso do PS para um inflamado discurso que culminou com o famoso abraço ao então líder, António Guterres, e tornou-se a maior surpresa destas eleições presidenciais com o seu desempenho.
Chama-se Vitorino Francisco da Rocha e Silva, mas todos o conhecem como Tino de Rans, o homem do povo que fez toda a sua campanha com base na sua condição popular e o apelo ao voto dirigido ao cidadão comum. Face ao lugar de evidência que conquistou, não é difícil perceber que terá garantido o estatuto de voto de protesto entre muitos eleitores portugueses.
“Darei protagonismo à plebe” ou “alegria ao povo” foram algumas das expressões que o antigo presidente da Junta de Freguesia de Rans repetiu no caminho para o acto eleitoral. E também se afirmou disponível para “receber e sentar o povo em Belém”, chegando a considerar o seu perfil parecido com o de Marcelo Rebelo de Sousa.
“Fiz tudo para que as pessoas fossem votar”, comentou, a propósito da taxa de abstenção, “e penso que os jovens votaram mais do que antigamente.”
Nascido em Penafiel a 19 de Abril de 1971, Tino de Rans foi eleito para líder da Junta de Freguesia em 1993, cargo para o qual mereceu a reeleição em 1997. A memorável presença no congresso socialista permitiu-lhe editar um livro com prefácio do bispo D. Manuel Martins e devolveu-o ao interesse dos media – além de editar um disco, “Noites Marcianas” (SIC) foi o primeiro programa de TV em que participou, logo em 2001, seguindo-se “A Quinta das Celebridades”, na TVI, quatro anos mais tarde. Há cerca de três anos teve um regresso ao pequeno ecrã, outra vez na TVI, envolvendo-se no programa “Big Brother VIP”.
Abandonaria o PS e, em 2009, foi já como independente que se candidatou às autárquicas de 2009 em Valongo, onde habitava desde os anos 90, mas falhou a eleição.
Para ser candidato a estas eleições presidenciais, Tino apresentou 8.118 assinaturas, superando o mínimo legal de 7.500 com um número que, segundo a sua assessora, Margarida Loureiro, envolvia simbolismo: “Porque 81 é a idade da sua mãe e 18 a da sua filha”, contou Loureiro.
Liliana Valente/OBS/Paulo J. Ferreira/Económico/ EPA/TPT/ 24/1/2016