Procurador do Ministério Público português detido por suspeitas de corrupção

Foi em janeiro de 2012 que Orlando Figueira, então procurador da República no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), arquivou um processo relacionado com Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola, o qual envolvia a compra de um apartamento no luxuoso Estoril–Sol Residence. Umas semanas depois, numa conta bancária no Banco Atlântico começam a surgir transferências de milhares de euros. A primeira terá sido de 200 mil euros. Foi esta coincidência temporal que levou, ontem, a Polícia Judiciária a deter Orlando Figueira, atualmente advogado, por suspeitas de corrupção passiva, o primeiro procurador na história do Ministério Público a ser detido por este tipo de suspeita.

 

 

A tal conta no Banco Atlântico, que ontem foi alvo de buscas, terá sido alimentada por outras transferências bancárias feitas pela sociedade Primagest, uma subsidiária da Sonangol, cuja representante em Portugal, Angélica Conchinha (que o DN não conseguiu contactar), também foi alvo de buscas.

 

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Tendo em conta os primeiros dados, a investigação coloca Manuel Vicente como suspeito de corrupção ativa. O número dois de José Eduardo dos Santos dificilmente será constituído arguido, uma vez que goza de imunidade diplomática. Fonte do Atlântico confirmou as buscas, dizendo que o “banco colabora sempre com as autoridades sempre que é solicitado”.

 

 

No último ano, uma pequena equipa de inspetores da Unidade Nacional contra a Corrupção e a procuradora Inês Bonina, nomeada diretamente por Amadeu Guerra, diretor do DCIAP, investigou discretamente os movimentos e elementos financeiros do antigo procurador Orlando Figueira, após uma denúncia anónima ter chegado ao Ministério Público. Nos últimos meses, os investigadores chegaram a uma conta bancária no Atlântico, assim como aos respetivos movimentos financeiros, concluindo que Orlando Figueira não tinha rendimentos suficientes para acumular um montante perto de um milhão de euros.

 

 

É que depois de ter saído da magistratura do Ministério Público, em setembro de 2012, apenas se conhece a Orlando Figueira um emprego: consultor do Activo Bank, um banco ligado ao Millennium BCP, para a área de compliance, prevenção e branqueamento de capitais. Por este trabalho, o ex-procurador receberia três mil euros por mês. Porém, ainda que fonte do Activo Bank tenha referido ao DN que Orlando Figueira se deslocava ao banco três vezes por semana, os investigadores suspeitam que este contrato apenas foi uma formalidade para justificar um ordenado. A Sonangol é o maior acionista do grupo Millennium BCP.

 

 

Ontem, após as buscas da Polícia Judiciária, o banco fez questão de salientar que “o alvo da investigação não é quadro do banco mas sim um consultor externo que fornece serviços esporádicos de consultoria jurídica. O Activo Bank está disponível, como sempre, para colaborar com as autoridades competentes”.

 

 

As buscas da manhã estenderam-se ainda ao escritório de advogados de Paulo Amaral Blanco, que nos últimos anos tem representado em Portugal vários dirigentes angolanos e até o próprio Estado em processos que correram ou que ainda correm no Ministério Público. Ao DN, o advogado disse ter prestado “toda a colaboração e disponibilizado os documentos pedidos” pela investigação.

 

 

Documentos esses que mais não serão do que elementos bancários de Manuel Vicente que Paulo Blanco entregou ao processo da compra do apartamento e que, depois de o advogado os ter pedido, foram devolvidos ao vice-presidente de Angola.

 

 

PGR foi contra “inquirição”

 

 

 

A licença sem vencimento de longa duração concedida, em 2012, pelo Conselho Superior do Ministério Público a Orlando Figueira esteve envolvida em muita polémica. Na altura, o magistrado não informou a hierarquia de qual era a empresa para onde ia trabalhar, já que tinha assinado um acordo de confidencialidade, tendo o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) concedido uma licença de longo prazo, permitindo-lhe voltar a exercer mais tarde funções de procurador.

 

 

Em 2012, Castanheira Neves, advogado e membro do CSMP, quis que Orlando Figueira revelasse quem o tinha contratado. Depois de uma votação empatada, Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, acabou por desempatar, manifestando, segundo a ata, o seu voto contra a “inquirição” proposta.

 

 

Ontem, a Procuradoria apenas disse que na Operação Fizz, como foi batizado este processo, “os factos em investigação indiciam suspeitas da prática dos crimes de corrupção passiva na forma agravada, corrupção ativa na forma agravada, branqueamento e falsidade informática”. Orlando Figueira será ouvido hoje por um juiz de instrução do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.

 

 

Sindicato dos Magistrados escusa-se a comentar detenção de procurador

 

 

 

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Ventinhas, escusou-se hoje a comentar a detenção do procurador Orlando Figueira, alegando que o magistrado exerce atualmente a profissão de advogado.

 

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“Orlando Figueira exerce neste momento a profissão de advogado e não comentamos a detenção de advogados”, disse António ventinhas, escusando-se a mais comentários.

 

 

Orlando Figueira foi detido pela Polícia Judiciária, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais.

 

 

Segundo um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR), os factos em investigação indiciam suspeitas de corrupção passiva na forma agravada, corrupção activa na forma agravada, branqueamento e falsidade informática, adiantando que o detido “é um magistrado do Ministério Público” – cujo nome não menciona.

 

 

A nota da PGR acrescenta que o Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) está a realizar buscas a domicílios, a escritórios de advogados e a instituições bancárias, na qual participam onze procuradores da República, oito juízes e seis dezenas de elementos da Polícia Judiciária.

 

 

A PGR refere que, em causa, está o recebimento de contrapartidas por parte de um magistrado do Ministério Público (em licença sem vencimento de longa duração desde setembro de 2012) com a finalidade de favorecer interesses de suspeito, em inquérito cuja investigação dirigia.

 

 

Orlando Figueira foi procurador do DCIAP até 2012, altura em que saiu para ir trabalhar no sector financeiro e teve a seu cargo o processo “BES Angola”.

 

 

O procurador, na sua passagem pelo departamento do Ministério Público que investiga a criminalidade económica e financeira mais grave e complexa, foi ainda o magistrado que investigou e arquivou o “caso Banif”, relacionado com capitais angolanos.

 

 

 

Joana Marques Vidal foi contra questionar procurador suspeito

 

 

 

Em 2012, Castanheira Neves propôs no Conselho Superior do Ministério Público que Orlando Figueira revelasse quem o tinha contratado.

 

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A Procuradora-Geral da República votou contra uma proposta, discutida no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), para que Orlando Figueira – o magistrado detido por suspeita de corrupção – fosse questionado em relação à entidade para quem estava a trabalhar. Decorria o ano de 2012 e o procurador tinha pedido licença sem vencimento, tendo invocado uma cláusula de confidencialidade e apenas confirmado que se tratava de uma empresa do setor financeiro com ligações a África.

 

 

O caso teve impacte mediático porque se tratava de um magistrado que tinha investigado casos relacionados com Angola e, por isso, fazendo eco do mal estar no próprio Ministério Público, o procurador Castanheira Neves levou o assunto ao CSMP. Os procuradores dividiram-se e Joana Marques Vidal foi chamada a desempatar. O seu voto foi contra que Orlando Figueira fosse questionado. Ficou, no estando deliberado, que o seu gabinete elaborasse um estudo sobre a matéria.

 

 

TPT com: Carlos Rodrigues Lima/Marta Santos Silva/ Valentina Marcelino/DN/ 24 de Fevereiro de 2016

 

 

 

 

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