“Ter um destino é não caber no berço onde o corpo nasceu; é transpor as fronteiras, uma a uma, e morrer sem nenhuma”.
Augusto e Mark Amador, residentes no estado de New Jersey, levaram a efeito o lançamento de um livro bilingue com o título “O Paredão”. O livro tem 150 páginas constituídas por prosa, poesia, ilustração e… “histórias de vida”…
O evento decorreu (9 de Abril) no Avenue A Club, em Newark e contou com mais de uma centena de convidados, entre eles várias personalidades políticas, empresariais, associativas, e culturais de Newark.
O livro, da autoria de Augusto Amador, tem ilustrações de Mark Amador e prefácios de Maria Ascensão Rodrigues e João S. Martins.
Augusto Amador diz no seu livro que “visitar o paredão, como as gentes da terra lhe chamam, é obrigatório para quem regressa, ainda que por uns dias, à Murtosa e às suas casas fechadas. Entre memórias de gestos adiados e o rumor do mar, ergue-se a voz do meu “amigo americano” sem que alguém tenha a coragem de o interromper ou, até mesmo, contestar. De costas voltadas para o mar, recolhe lembranças e desprende a voz tentado, tanto quanto possível, falar acima das arquivoltas do grupo que se formou para o ouvir”.
Maria da Ascensão Rodrigues que não pôde estar presente no lançamento do livro, escreveu no seu prefácio que esta obra de Augusto Amador “é uma narrrativa nostálgica, repleta de carinho e afeto pelas figuras que vivenciaram a sua infância e adolescência, “e se perpetuam no alvorecer daquela idade em que vamos caminhando pela vida com os vivos mas também com os mortos, que vão connosco”, como disse Jorge Amado.
A terra da gente passa por estas páginas de palavras tranquilas nas quais Augusto Amador se mostra grato pelo que lhe transmitiram. E, se os anos despreocupados do autor deixaram por cá raízes profundas, transposto o Paredão, esperavam-no desafios adultos e sérios, que abraçou com denodo e sem hesitação, de forma responsável e solidária. Talvez, por isso, visto do paredão, o sol escorrega e segue viagem pelos caminhos do oceano, que lhe lança desafios num apêlo irrecusável”, diz Maria da Ascensão Rodrigues.
João S. Martins, escritor e poeta, deu início ao protocolo do qual também fez parte a entoação dos hinos dos Estados Unidos e Portugal, aqui interpretados pela jovem Alexandra Marques.
Entre os ilustres convidados encontravam-se os vereadores da cidade de Newark, Anibal Ramos Jr. e Luis A. Quintana, o membro directivo do Partido Democrata, de New Jersey, Joseph Parlavechio, os escritores e poetas Glória de Melo, Baldomiro Soares, Luís Pires, os activistas comunitários Nancy Zake e Arnold Cohen, Doag Sarini, o jornalista e director do jornal Brasilian Voice, Roberto Lima e ainda o reitor (principal) do East Side High School de Newark, Dr. Mário Santos e esposa.
No final da entoação dos hinos, João S. Martins, que escreveu um dos prefácios do livro “O Paredão”, falou sobre a obra e o desejo premente de Augusto Amador “viajar o tempo no tempo, regressar no tempo, voltar ao tempo possível”… Mas será que, “encontraremos o que deixamos, o que desejamos?”.
Sintetizando a obra, João S. Martins fala ainda que “em cada visita ao Paredão há um encontro com os olhos da noite, com o tempo da ausência, há ânsias de caminhar de encontro às memórias, porque em cada visita há sempre uma distância, um partir e voltar, de onde para onde… “E volto sempre…”
“Será Newark um outro Paredão? Paredão de silêncios e memórias, agora do lado de cá, depois de ver o mar e o sonho americano, ou será o próprio mar “aquele outro Paredão” das lamentações, afogadas, lavadas nas águas, também elas de cá e de lá… Constantemente divididos… saudade inquieta do coração partido…
A América é um sonho, uma herança adoptada… Há raízes, esperança, cicatrizes, solidão, resgate, acolhimento, música, diálogo civizacional, aspirações, utopia, mudança, comunidade que religa as raízes e mantém vivo o sonho…de ficar…e o do regresso”, escreve o autor do prefácio.
Durante esta iniciativa houve também uma interpretação poética pela atriz brasileira Alana Rosa que declamou magistralmente os poemas “Na minha cidade” e “Poema de Amor”.
Seguiram-se depois as actuações dos jovens cantores Alexandra Marques e Brian de Jesus, que mostraram o seu talento e a sua rendição a Leonard Cohen’s, entre outros autores.
Após o momento musical de Alexandra Marques e Brian de Jesus a animação ficou a cargo do Dj Luís Neves que proporcionou aos convidados um bom ambiente para que estes degustassem em clima de alegre convívio a lauta e variada refeição, onde não faltou o leitão assado à boa maneira portuguesa.
Depois dos petiscos e do jantar seguiu-se a tradicional sessão de autógrafos que foi muito participada.
Augusto Amador, lembra também no livro o motivo da sua aventura chamada América.
“A América era um sonho que herdei do meu pai e adotei dos meus irmãos. A inquietação que senti quando cheguei a Newark ainda hoje a sinto. Nesta nova realidade americana, aos poucos, fui-me afastando das manhãs claras feitas com flores de cores de tom azulado e a imobilidade do silêncio foi substituída pelo conflito áspero da negro do alcatrão…”
O autor de “O Paredão”, fez questão de agradecer na sua obra a hospitalidade desta terra que escolheu para sua segunda Pátria. Escreve Augusto Amador na página 128 que “no espaço da tua ambiguidade colorida encontrei a côr verde das ondas que deixei atrás. Na tua rigorosa mão, que me guia e me acolhe em dias de liberdade incompleta, sinto a força das manhãs de sol e esperança que despontam sempre que a tua voz se ergue. Na singeleza dos teus ombros descanso das viagens sem trégua e procuro refúgio quando a força do adeus me apoquenta como fogo lento. Aprendi a amar-te com violência cega entre uma dor flutuante e uma vontade de viver para lá da distância e da ausência. Sei que me acolheste no esplendor dos teus segredos e me ofereceste a possibilidade de criar novas raízes, com o tamanho e a força da ternura das tuas cidades incautas e estranhas. Obrigado!”
Augusto Amador “o vereador poeta”
Augusto Amador nasceu na Murtosa, onde fez a escola primária e secundária antes de emigrar para os Estados Unidos, em 1966, com apenas 16 anos de idade.
Em Newark, onde ainda reside, frequentou o Universidade Rutgers, como estudante trabalhador. É casado e tem dois filhos; o Mark e a Nicole. E tem também a genra Cathy, casada com o Mark.
O seu envolvimento na vida comunitária passa por várias associações e clubes luso-americanos. Em 1992 participou e venceu as eleições para o Conselho Escolar de Newark, ganhando com uma percentagem de votos jamais alcançada por um candidato ao cargo. Esta vitória despertou-lhe o interesse para a vida pública e em 1998 concorreu e ganhou as eleições para vereador do Bairro Leste da cidade de Newark, cargo que ainda hoje ocupa.
O seu gosto pelas letras levou-o a escrever o seu primeiro livro (re) “Cantos da Viagem”, composto por uma colectânia de poesia e prosa, obra esta ilustrada pelo pintor e ceramista Fernando da Silva. O livro retrata, acima de tudo, um amor à terra natal, a Murtosa, que nunca esqueceu.
No epílogo do livro “O Paredão”, Augusto Amador recorda ainda que, “desde os tempos de menino, vividos na quieta proteção das mulheres que definiram a minha vida, até aos dias consumidos por esta obsessão de servir a comunidade onde vivo, muito foi contado. E muito ficou por contar. Para além das histórias que saltaram do baú das recordações, este livro deu-me a oportunidade de revelar a arte colorida do meu filho Mark e a forma como ele expressou na tela o que fui escrevendo ao longo do tempo. Obrigado Mark!”
Em conversa com o The Portugal Times, Augusto Amador refere a saudável cumplicidade que existe entre ele e o seu filho Mark. “Ser pai não é apenas o simples acto da concepção. É muito mais. É dar-lhe os braços como guarida e o mundo como legado. É ser, o filho, para nós, uma extensão fora do corpo; e é ter alguém com quem multiplicar o presente e dividir a vida no porvir. Ser pai é um acto de amor, amizade, parceria fiel. E como recompensa, ganhar um companheiro para seguir a longa estrada da existência, até ao fim dos dias”.
Quem é Mark D. Amador?
Mark D. Amador, é filho do veredor Augusto Amador, e nasceu em Livingston, New Jersey, mas viveu em Newark durante a maior parte da sua vida.
Frequentou a Universidade Rutgers onde se formou em Psicologia. O gosto pela pintura vem desde os seus anos de criança e esta colaboração no livro “O Paredão”, da autoria de seu pai, é o seu primeiro trabalho público.
Mark é considerado um artista que de forma autodidata sabe levar para a tela as nuances dos seus traços e das suas colorações variadas, nunca atrapalhando a natureza, mas extraindo dela o que oferece de melhor em termos de possibilidades de criação artística.
Casado com Cathy (1ª na foto à esq.), Mark e a esposa vivem actualmente em Cedar Grove, New Jersey, com dois cães e um gato.
Em conversa com o The Portugal Times, Mark Amador acredita que “a arte é muito importante para não ser compartilhada”, e deixou bem claro que se sente muito honrado por ter participado na publicação de “O Paredão”.
Comentando o companheirismo que existe entre ele e o pai, Mark lembra antes de mais que “o meu herói de toda uma vida não é protagonista de nenhuma história em quadradinhos, filme de ação ou lenda antiga. Pelo contrário, ele é bem real e eu, entre muitos outros favores devo-lhe a minha vida!
Por isso, hoje, neste dia tão especial, não posso deixar de agradecer ao meu pai, mais uma vez, por diariamente me dar o seu exemplo de um grande homem, generoso, honesto, persistente e lutador, e por estar sempre presente e constante, quando preciso da sua força e estabilidade. Obrigado pai! És a minha inspiração e referência!”
Entre os convidados era notória a satisfação que reinava quer pela iniciativa de Augusto e Mark Amador, quer pelo significado do conteúdo da obra, cuja parte das receitas da venda desta edição, será doada ao “Ironbound Animal Rescue Organization”.
“Há uma terra para além do mar que me engole os olhos e me consome em dias de ausência. Há um país para lá do paredão…”, refere Augusto Amador.
A verdade é que eu também sinto que, às vezes, “bate aquela nostalgia”. Uma saudade do que fui, de momentos que não voltam, de pessoas que não estão mais aqui. Precisamos reviver, eu bem sei, mesmo que só na lembrança, voltar à nossa antiga casa, rever a nossa infância e todos os momentos felizes que lá passamos.
Só que “regressar é despertar do sonho, é voltar as costas ao Sésamo real; ficar é prolongar o martírio”. Por isso, consciente do desequilíbrio a que o espírito está sujeito, também eu quero regressar um dia ao meu “Paredão”!…
JM/The Portugal Times/24 de Abril de 2016