O ministro Mário Centeno explica “desvio” de 3000 milhões de euros

Mário Centeno começou por fazer uma intervenção inicial aos deputados. As primeiras palavras foram dedicadas a “lamentar os aproveitamentos e insinuações” sobre a sua disponibilidade para comparecer na comissão. O ministro afirmou, logo de seguida, respondendo às críticas que lhe têm sido feitas de produzir declarações “irresponsáveis” sobre a Caixa, sobretudo do PSD, que a sua intenção é a de “salvaguardar a imagem da Caixa Geral de Depósitos”, que classificou de “instituição de referência do nosso sistema financeiro” e “pilar da economia” portuguesa.

 

 

“O Governo não alimentará incertezas e ruídos”, garantiu , e “tomará as medidas necessárias”. “A Caixa é uma instituição de confiança”, assegurou Centeno.

 

 

De seguida, o ministro procurou esclarecer a polémica sobre o “desvio” nas contas da Caixa, explicando que o valor avançado de 3000 milhões de euros não é um “buraco” mas sim a diferença entre uma estimativa e o resultado do exercício. “Por análise da diferença entre o resultado operacional previsto inicialmente e o esperado para o final do plano de restruturação em 2017, a perspectiva é de uma diferença de cerca de 3000 milhões de euros. Foi a este desvio que me referi. É uma diferença entre um plano e a sua execução. E é assim que deve ser entendido e interpretado.”

 

 

E é para dotar a Caixa de um plano de negócio “credível” e de futuro” que Centeno diz estar a trabalhar: “Tudo faremos para que a posição da Caixa Geral de Depósitos se reforce, tomando, para isso, as medidas que são necessárias, plenamente cientes da responsabilidade adicional do Governo enquanto acionista.”

 

 

Mais: “O que o Governo pretende realizar na CGD é um projecto que acredita ser único na história da instituição e que contribuirá para o reforço da credibilidade da CGD, que se propagará no sistema financeiro nacional e consequentemente na economia portuguesa.”

 

 

Centeno passou então a explicar as alterações ao regime salarial dos gestores do banco público. “O modelo que estava em vigor não garantia, nesta perspectiva, a correspondência entre as funções exercidas e o nível salarial auferido.”

 

 

Na verdade, até agora, em principio os salários estavam limitados pelo salário do primeiro-ministro. Mas, no entanto, permitia-se que os gestores auferissem um vencimento igual à média dos três anos anteriores. Esta faculdade seria opcional. Mas todos os actuais administradores da CGD optaram por esta alternativa. Assim, dificilmente se pode considerar que existia um tecto salarial.”

 

 

No final da sua intervenção, Mário Centeno assumiu vários compromissos, com os trabalhadores e com a viabilidade do banco, e reforçou a ideia de que o Governo quer “manter a CGD como banco público, 100% do Estado”. E imediatamente antes de começar a responder às perguntas dos deputados, deixou-lhes um aviso: “A CGD é a maior instituição bancária do sistema financeiro português. Ela é depositária de 1/3 das poupanças dos portugueses e presta serviço a mais de 4 milhões de clientes. Estou seguro de que os trabalhos desta comissão terão em conta a importância e credibilidade desta instituição para o sistema financeiro, para a economia e para Portugal.”

 

 

‘Irresponsável’, acusa o CDS

 

 

Em resposta ao deputado do BE, Moisés Ferreira, Mário Centeno garantiu que “o tópico Caixa Geral de Depósitos” não era de especial “prioridade” quando se deu a transição de pastas entre o anterior e o actual Governo. “Havia outras urgências, mais urgentes, passe a redundância”, garantiu o ministro, referindo-se sem os nomear, aos problemas do Banif e ao impasse sobre a venda do Novo Banco.

 

 

“Agora vemos o PSD e o CDS a querer encomendar auditorias à Caixa, mas quando foram Governo e tinham informação privilegiada, afinal parece que não tinham tanto interesse em saber o que se passava…”, criticou o deputado do BE, dando origem aos primeiros apartes dos deputados do PSD e do CDS. O deputado prosseguiu nesta linha, lembrando o “alerta” que o gestor da Caixa, José de Matos, enviou a Maria Luís Albuquerque, no primeiro semestre do ano passado. “Podemos começar a concluir que o anterior Governo deixou andar”, sentenciou o deputado. “A sério?”, ironizaram os deputados dos partidos da direita. Para o BE, isso deve-se às propostas que o PSD anunciou de privatização parcial do banco público.

 

 

Centeno admitiu, entretanto, que algumas das hipóteses do plano de negócios da Caixa ficaram “muito longe” da realidade. “Há um desvio muito sistemático e constante face àquilo que era o plano de reestruturação da Caixa.” Daí Centeno não infere que tivesse havido uma “subcapitalização”, como questionou o deputado do BE, do banco a partir de 2012. Nos últimos anos os bancos precisaram de mais dinheiro, contextualizou o ministro.

 

 

João Almeida, do CDS, começou por declarar que o CDS sempre defendeu que a Caixa se mantivesse pública, nem nunca participou em nenhum Governo que defendesse a sua privatização total ou parcial. O deputado pegou nas palavras do ministro e acusou-o de não fazer mais nada do que criar “ruído e incerteza” e de “empurrar com a barriga” a substituição da gestão da Caixa. O ministro argumentou que este é um processo complexo, processualmente, “que não tem comparação com nada que tivesse sido feito”, dadas as exigências da regulação europeia. Quanto ao desvio, o ministro garantiu que “é muito simples de entender”. Nesta altura os deputados começaram a sobrepor os seus apartes à voz de Mário Centeno, obrigando o presidente da comissão, Matos Correia, a repetir a advertência “senhores deputados”, várias vezes, em crescendo de volume.

 

 

João Almeida repetiu que a atitude do ministro é “irresponsável”. Porque, argumentou o deputado, o desvio de que fala Centeno não é uma diferença entre a previsão e a execução, “é entre a previsão e outra previsão que o senhor faz”. “É necessário olhar para o plano de reestruturação da Caixa e dar-lhe outro realismo. É isso que pretendi fazer. O outro programa estava fora dos carris. Um desvio não é um buraco. É a diferença entre uma previsão e a sua execução”, repetiu o ministro. “É falso”, retorquiu o deputado. “Diga qual é o desvio efectivo.” “Estou certo que esta comissão irá chegar à resposta à pergunta que está a fazer”, respondeu Centeno.

 

 

‘Preocupante’, diz o PCP

 

 

A decisão de substituir a gestão da Caixa deveu-se, segundo Centeno, à necessidade de “implementar um novo plano de negócios”, bem como aos relatórios de supervisão sobre os “maiores problemas identificados na Caixa”. Uma substituição “não se faz por oposição”, garantiu Centeno. “O novo conselho de administração é o que consideramos adequado ao novo plano de negócios”, acrescentou o ministro.

 

 

Miguel Tiago, do PCP, começou por afirmar que o Estado “tem de cuidar do seu banco” e acusou as regras da concorrência europeia de limitarem a capacidade de intervenção do Estado. O deputado questionou o ministro sobre o “peso dos resgates de outros bancos” nas contas da Caixa. “Eu não tenho informação de qualidade para lhe transmitir. Enquanto acionista não tenho essa informação”, respondeu Mário Centeno. “Há perdas na Caixa resultantes de compromissos com outros bancos? O Banif devia dinheiro à Caixa? O BES devia dinheiro à Caixa?”, insistiu Miguel Tiago. “Eu não tenho essa informação…”, repetiu o ministro. “Sendo o ministério das Finanças o garante máximo do sistema financeiro é no mínimo preocupante que não saiba”, criticou o deputado do PCP.

 

 

“Confltualidade” máxima 

 

 

“Pode assegurar que a Caixa tem condições para assegurar depósitos e rácios de solvabilidade?” Foi com esta pergunta que Hugo Soares, do PSD, iniciou a sua inquirição. Por três vezes. “Quem tem de fazer essa avaliação é o supervisor”, repetiu o ministro, também por três vezes. Ao fim, à quarta vez, Centeno garantiu que a informação que tem é a mesma que o deputado do PSD também tem: “A Caixa cumpre os rácios de capital.” “Obrigado, senhor ministro. O senhor hoje deu um grande contributo para a confiança que a Caixa deve ter. Depois de nos últimos meses se ter comportado como um elefante na loja de porcelana, desculpe a franqueza, acaba agora de dar razão a esta comissão de inquérito”, elogiou, sarcasticamente, o deputado do PSD.

 

 

De seguida, mais do mesmo. Hugo Soares repetiu por três vezes a mesma pergunta, e Centeno a mesma resposta. “Quem elaborava as previsões macroeconómicas do Banco de Portugal que estiveram na base do plano de negócios?” “O Banco de Portugal”, respondeu Centeno, acrescentando que não havia “previsões assinadas”, mas antes documentos do Banco de Portugal. A pergunta tinha água no bico: era Centeno que, em 2012, era director-adjunto do departamento de estudos económicos do Banco de Portugal. A pergunta e a resposta deram origem a novo burburinho. Matos Correia, ríspido, garantiu que não voltaria a advertir os deputados para a necessidade de deixarem ouvir as perguntas e respostas. A tensão entre o PSD e o PS – como na comissão do Banif – volta a ser grande e ruidosa.

 

 

“O Estado e a Caixa não contrataram assessoria” para a futura administração. “Isso deixa-me muito preocupado”, afirmou Hugo Soares. “Não acredito que António Domingues ou outro concorrente estejam a pagar a assessoria.” Mário Centeno fez uma pausa, consultando o seu assessor e o Presidente da Comissão. E repetiu que nem o Estado, nem a Caixa, estão a pagar. “Estão portanto a trabalhar pro-bono… Mas vamos querer saber no futuro quem pagou. E se o senhor ministro ou a Caixa pagarem, sem ter sido contratado, o senhor ministro hoje está aqui a mentir nesta comissão de inquérito e nós não vamos deixar passar outra vez essa questão em claro”, acusou o deputado do PSD.

 

 

Centeno franziu os olhos e esboçou um sorriso. O deputado do PSD continuou, perguntando qual o valor real de recapitalização necessário para o banco público. “Esse montante não está apurado”, respondeu Centeno, assegurando que será a nova administração a avançar com um valor, após uma auditoria. “O senhor ministro não sabe nada”, concluiu Hugo Soares. Mais uma vez, Matos Correia pediu aos deputados que contivessem os seus apartes e mantivessem o “nível de conflitualidade dentro dos limites”.

 

 

O alívio cómico com Darth Vader

 

 

“Constatamos que o partido proponente desta comissão”, ou seja o PSD, “está mais interessados em especular com base em notícias de jornal”, começou por criticar João Galamba, do PS. Nesta altura, quando o deputado socialista perguntava ao ministro se os “CoCos caem do céu” (o que foneticamente parece verdade, se atendermos à queda dos frutos do coqueiro), eis que o telemóvel de uma deputada do PSD toca. O som do toque é a marcha imperial, de Darth Vader, da Guerra das Estrelas. Foi o alívio cómico possível. “Senhora deputada não se incomode, há males que vêm por bem”, assegurou Matos Correia, o já desgastado presidente da comissão.

 

 

TPT com: AFP//JN//DN//Paulo Pena//Público// 29 de Julho de 2016

 

 

 

 

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