Nos Jogos Olímpicos do Rio o canoísta português Fernando Pimenta ficou em quinto na final do K1-1000

Tudo o que podia controlar, dizia Fernando Pimenta, estava controlado. O que o canoísta português não conseguiu controlar foram as folhas das árvores na sua pista, que caíram do abundante arvoredo que rodeia a lagoa Rodrigo de Freitas. Pimenta acelerou para os 1000 metros da sua vida, mas perdeu velocidade por causa das malditas folhas que se colaram na frente do caiaque e no leme, e acabou por ficar em quinto na final de K1-1000 metros na canoagem olímpica do Rio de Janeiro, uma corrida que lhe parecia destinada, mas em que ficou fora das medalhas que pareciam ao seu alcance.

 

 

Antes da corrida, o homem de Ponte de Lima parecia tranquilo, confiante e muito optimista quanto às suas possibilidades. E assim parecia na partida dada exactamente às 10h12, hora do Rio. Pimenta na frente aos 250m, Pimenta na frente aos 500m, com quase um barco de distância para o segundo. Era o desafio lançado pelo português à restante concorrência: “Estou aqui na frente, se quiserem, venham atrás de mim”. Pouco depois de metade da prova, o caiaque de Pimenta começou a perder terreno e já passa aos 750m em quarto.

 

 

O ritmo da segunda metade da prova era o oposto ao da primeira, passando da prova de uma vida para a frustração de uma vida. À vista desarmada, Pimenta parecia ter sido atingido pelo proverbial “estoiro” e, na passagem aos 750m, já tinha descido para quarto e sem reacção visível. De trás veio então o jovem espanhol Marcus Walz, o mais novo dos oito finalistas, que disparou para a frente no último quarto da prova, ultrapassou a concorrência (saltou de quinto para primeiro) e apanhou a medalha de ouro. Dostal, o checo, ficou em segundo, e Anoshkin, o russo, acabou em terceiro. O australiano Stewart, que liderava aos 750m, desceu para quarto, e Pimenta, quebrado pelas folhas e pela frustração terminou bem longe do primeiro, a quase quatro segundos.

 

 

Passaram uns bons 45 minutos até que o português viesse explicar o que se passou. Percebia-se que tinha estado a chorar, não tinha limpado as lágrimas todas do rosto e voltaria a emocionar-se “on the record” quando falou de todos os sacrifícios que tinha feito para se apresentar no controlo total de tudo o que era controlável. Só não podia controlar as folhas na sua pista. “Ainda é difícil de acreditar no que aconteceu, os factores que eu podia controlar controlei-os muito bem. É muito estranho, ainda não consigo cair na real”, começou por dizer o atleta português.

 

 

Depois, as explicações. “Estava a sentir-me bem, fiz um arranque supertranquilo, consegui ganhar a frente da prova e, no momento em que estava a ganhar avanço sobre os adversários, apanhei algumas folhas das árvores e algumas agarraram-se à frente do barco. Perdi velocidade para tentar tirar as folhas da frente e senti o controlo do barco porque algumas devem ter ficado agarradas ao leme”, disse Pimenta, frustrado com o que aconteceu, mas sem arrependimentos sobre a forma como se preparou para esta segunda participação olímpica e revelando que já se tinha deparado com um problema semelhante no evento teste realizado em 2015 nesta lagoa no meio da cidade: “No ano passado, no teste olímpico aqui, andei a recolher algas 15 minutos antes da prova para que não acontecesse nada. Desta vez eram folhas que estavam soltas.”

 

 

A seguir, o desabafo do campeão europeu desta prova. “Foram quatro anos da minha vida. É frustrante, depois de passar por tantas dificuldades, obstáculos e desafios, chegar aqui e não ter a recompensa. Magoa-me muito”, reforçou Pimenta, que até estava disposto a voltar outra vez para a lagoa e repetir a final logo ali: “Não fui eu que rebentei ou deixei de ter energia. Estou com as baterias cheias e, se fosse necessário, fazia duas ou três provas. Preparei-me melhor do que nunca, bati os meus recordes nos treinos. Se fizéssemos isto à melhor de três, seria diferente.”

 

 

Foi, sem dúvida, um mau início de participação olímpica para Pimenta, que abandonou a dupla que formava com Emanuel Silva e que conquistou a medalha de prata em K2-1000 nos Jogos de Londres em 2012 para competir em K1. Mas os segundos Jogos de Pimenta não acabam aqui. Ainda terá o K4 com Silva, João Ribeiro e David Fernandes, para afastar a frustração e provar no palco olímpico a valia que a canoagem portuguesa tem apresentado em outras competições.

 

 

 

Pimenta quer usar a frustração como combustível para uma boa prestação no K4, que terá eliminatórias e meias-finais na próxima sexta-feira, e a final no sábado: “Estou mais do que em condições para o K4. Acho que isto vai jogar a meu favor e podem ter a certeza que vão ter um Fernando Pimenta ainda mais forte do que hoje. Vai dar-me ainda mais energia. Espero que os meus colegas do K4 confiem em mim. Acreditem que eu vou estar a mais de 100 por cento, porque eu não gosto de perder. Vou estar ainda mais furioso, mas a fazer provas com cabeça e não só com o coração.”

 

 

 

Em Ponte de Lima, Fernando Pimenta “vai ser recebido em braços”

 

 

 

Quase uma centena de amigos e familiares de Fernando Pimenta juntaram-se no Clube Náutico de Ponte de Lima para ver o canoísta a lutar por uma segunda medalha olímpica. Durante quase toda a prova, Pimenta foi aplaudido e incentivado pelo público, que parecia estar a assistir à corrida na lagoa Rodrigo de Freitas, mesmo nos momentos em que foi perdendo terreno para o espanhol Marcus Walz. No fim, a esperança deu lugar ao desânimo. Mas foi um desânimo fugaz. Não durou mais do que os 3m35,349s que canoísta da casa demorou até chegar à meta. O quinto lugar soube a pouco, mas o orgulho dos limianos não foi abalado.

 

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“Em todos os desportos individuais há a possibilidade de, numa fracção de segundo, tudo poder mudar”, diz o pai de Fernando Pimenta, que partilha o nome com o filho. Ainda que sem medalha nesta prova individual – o canoísta ainda vai participar na prova de K4 1000m –, o pai Pimenta não tem dúvidas de que, em Ponte de Lima, o filho “vai ser recebido em braços”.

 

 

Antes da prova, Fernando Pimenta pai estava sereno. Diz estar habituado aos dias de competição do filho e prefere manter a “cabeça no sítio”, afastando o “nervoso miudinho”, natural nestas alturas. Diz que o filho também é assim: encara qualquer competição com “naturalidade e sem ansiedade”. Valores que transmitiu ao filho desde que Fernando começou a praticar canoagem, aos 11 anos, depois de ter experimentado o atletismo.

 

 

Diz o pai que parte do sucesso do canoísta, formado no Clube Náutico de Ponte de Lima, está, precisamente, na estrutura familiar que sempre serviu de suporte em todos os momentos da carreira. A ligação a Ponte de Lima e a vontade de representar a terra é também um dos motores do seu êxito. Essa ligação à terra é, sublinha o pai, o único motivo para nunca ter aceitado qualquer convite de outro clube. “Para não estar tanto tempo sem cá vir, acabou por trocar o curso de Fisioterapia em Coimbra, pelo de Reabilitação Físico-Motora, numa universidade mais perto de casa”, conta o pai Fernando.

 

 

Para o vice-presidente do Clube Náutico de Ponte de Lima, José Carlos Gonçalves, a relação que Pimenta tem com o coordenador técnico dos limianos, Hélio Lucas, também seleccionador nacional, é uma das peças-chave para que o canoísta tenha coleccionado uma série de bons resultados ao longo dos últimos anos: “Existe uma aliança muito forte entre os dois”, refere. Gonçalves sublinha também o “grande espírito de família” que se vive dentro do clube, que actualmente conta com 250 atletas de diferentes escalões.

 

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O dirigente esperava que “esta família” festejasse, no próximo domingo, os 25 anos de existência do Náutico, com o presente trazido do Rio, para que o clube atingisse a marca de 40 medalhas ganhas. Não foi possível, mas o mais importante, diz, é destacar “o trabalho desenvolvido por um grupo que tenta despertar nos jovens o interesse pelos desportos náuticos, numa terra que tem o rio como centro da actividade diária”. Um projecto que está a ser realizado em parceria com as escolas do concelho, para promover o desporto escolar. De resto, foi através de um programa do mesmo género que Fernando Pimenta chegou ao Clube Náutico.

 

 

Outro caso semelhante é o de Duarte Silva, de 17 anos, que conheceu o clube através de um programa escolar desenvolvido em parceria com o Náutico.

 

 

Duarte começou aos 14 anos e, três anos depois, foi campeão júnior de K2, no Europeu deste ano, em Pontevedra, Espanha. Assistiu à final de K1 1000 metros com alguns dos colegas de equipa e diz ver em Fernando Pimenta um exemplo de motivação que o ajuda a traçar metas e a continuar no desporto. Tímido nas palavras, não esconde que um dos seus sonhos passa por um dia conseguir chegar a um nível olímpico. Por agora, quer dar um passo de cada vez e aproveitar a entreajuda que existe entre os atletas mais velhos, como é o caso de Pimenta, e os mais novos, que diz treinarem em conjunto sem distinções de palmarés: “Aqui no clube somos todos um.”

 

 

TPT com: REUTERS/DAMIR SAGOLJ//Marco Vaza//André Vieira//Público// 16 de Agosto de 2016

 

 

 

 

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