Queda do banco alemão faz temer cenário pior que falência do Lehman

O setor financeiro está em sobressalto por causa do Deutsche Bank e as bolsas continuam a fus­tigar os títulos da instituição financeira. O gigante alemão tem estado sob pressão pela sua exposição ao mercado de derivados, crise de dívida europeia e de­vido à multa de 14 mil milhões de dólares (12,5 mil milhões de euros) que poderá ter de vir a pagar nos EUA, por más práticas ocorridas antes da crise financeira de 2008.

 

 

“As provisões de 5,5 mil milhões parecem curtas, mesmo que a multa seja revista em baixa. Assim, o risco de o banco ter de aumentar os rácios de capital é real. Perante o risco de diluição do valor das ações atuais, o preço tem caído fortemente”, explicou Eduardo Silva, gestor da corretora XTB, em declarações ao Jornal Económico.

 

 

O nervosismo nos mercados é notório. Desde o início do ano, as ações já caíram 52%, avaliando o banco em cerca de 16 mil mi­lhões de euros, um valor não muito longe da multa.

 

 

A dimensão do banco coloca-o no topo da lista em termos de risco sistémico. Há mesmo quem considere que o risco sistémico da queda de um Deutsche Bank é superior à falência de alguns países como Portugal. O cenário traz alguns fantasmas da crise de 2008 e levanta dúvidas sobre se o sistema financeiro estaria preparado para a queda de um banco desta dimensão.

 

 

“A queda de um Deutsche Bank seria equivalente à falência do Lehman Brothers, ou seja, uma catástrofe, mas que exigiria ações muito mais rápidas e definitivas quanto à banca europeia”, adiantou Pedro Lino, CEO da Dif Brokers.

 

 

Nesta altura, a grande dúvida é sobre a capacidade de o banco alemão conseguir “gerar resultados para se reorganizar e, ao mes­mo tempo, poder competir e pagar as multas decorrentes de atividades passadas. Claro que não creio que este valor aplicado pelo regulador americano seja inocente e o facto de a Comissão Europeia estar a visar as empresas americanas pode contribuir para um menor grau de abertura em flexibilizar o valor da multa”, acrescentou Pedro Lino.

 

 

A tese de que esta é uma retaliação dos EUA à Europa, nomeadamente pela aplicação de multas a alguns gigantes norte-americanos como a Apple e a Google, tem vindo a ganhar adeptos.

 

 

Todo este cenário tem pressionado a chanceler alemã, assim como o Banco Central Europeu (BCE), a atuarem. Para já, parece excluída a possibilidade de algum tipo de resgate. Ainda ontem a Reuters avançava, citando deputados das duas maiores forças políticas com assento no Bundestag, que tanto o Governo como os principais grupos parlamentares alemães não apoiam uma operação de salvamento com dinheiro público.

 

 

“As alternativas são alienar ativos, que já verificámos foi o primeiro passo que a instituição tomou, com a venda da Abbey life por mil milhões. Outro cenário é um aumento de capital, a administração recusa que esta hi­pótese esteja, para já, em cima da mesa. Podemos assistir a uma fusão, pouco provável nesta fase. Por fim, temos investimento privado ou público na instituição”, acrescentou Eduardo Silva.

 

 

Em Portugal, a sucursal do Deutsche Bank está, atualmente, a passar por um processo de re­estruturação, estando previsto o fe­cho de 15 balcões e a saída de alguns trabalhadores, revelou à Lu­sa, nesta semana, o presidente do banco. Atualmente, o Deutsche Bank tem cerca de 400 trabalhadores em Portugal, com 50 balcões e, segundo o responsável Bernardo Meyrelles, irá fechar 15 destes, sobretudo nas cidades de Lisboa e do Porto, onde há agências mais próximas entre si.

 

 

Em contrapartida, o plano passa pela abertura de seis centros de investimento, dos quais quatro já estão em funcionamento, onde o enfoque será feito em clientes com valor patrimonial mais elevado.

 

 

Deutsche Bank à beira do colapso. E agora, Angela?

 

 

 O sistema financeiro alemão andou anos a ser acusado de ser responsável pelos resgates da troika. Para evitar ir em socorro dos bancos germânicos, afogados em dívida grega, Berlim teria incentivado a ajuda externa a Atenas. A partir daí, a história é a que se conhece. Agora, depois de anos de resgate, com a zona euro a tentar recuperar e o Banco Central Europeu (BCE) a aguentar as hostes, o Deutsche Bank, maior símbolo da banca alemã, precisa de ajuda. Uns chamam-lhe justiça poética. Outros, mais um apocalipse na moeda úni­ca.

 

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Olhar para os acontecimentos em torno do Deutsche é quase um regresso ao passado recente. O guião é assustadoramente familiar ao de 2008: primeiro, as ações caem a pique – 51,7% desde o início do ano -; depois, o presidente do banco diz que a instituição está aí para as curvas; segue-se o ministro das Finanças com a sua mensagem “não estou preocupado com o banco”; entretanto, as ações continuam a cair. Seguindo o rumo habitual, há-de chegar-se à parte das pessoas a retirar o dinheiro do banco e do anúncio pesaroso, por parte do Governo, de que há ali um pequeno problema para se re­solver.

 
Com um buraco de 54 biliões de euros, o Deutsche entra de caras famosa galeria dos ‘too big to fail’. E não é só um problema financeiro ou económico, é uma gi­gante dor de cabeça política pa­ra Berlim. E, sobretudo, para a chanceler alemã, Angela Merkel que, “escaldada” pelos resgates aos países periféricos e pela crise dos refugiados, arrisca não sobreviver a uma terceira guerra.

 
A decisão de abrir as portas a um milhão de refugiados, no ano passado, levou Merkel a sofrer uma pesada derrota nas eleições regionais. Ainda assim, se lhe dessem a escolher, Merkel iria certamente preferir lidar com mais outro milhão de refugiados, em vez de enfrentar o dilema do Deutsche.

 

 

Expliquem lá isso aos gregos…

 
O governo alemão negou, esta semana, estar a preparar um resgate ao Deutsche, após o jornal Die Zeit ter avançado com uma no­tícia nesse sentido. No entanto, perante uma iminente queda, dificilmente Berlim não irá agir no sentido de evitar um choque capaz de deitar por terra não só todo o sistema financeiro alemão, como o do resto da zona euro. Deixá-lo cair seria condenar a moeda única ao seu fim, na pior das hipóteses, ou a mais um longo período de crise e caos, na melhor.

 

 
A falência não é opção, mas segurá-lo é uma opção dolorosa e que promete dar nova machadada na credibilidade da Europa. Esqueça-se que a zona euro deixou cair os bancos gregos no verão de 2015, olhando impávida en­quanto as pessoas não conseguiam levantar dinheiro para fazer a sua vida. Esqueça-se, até, as regras dos resgate ‘a la’ Portugal ou ‘a la’ Espanha, porque agora há uma união bancária – muito coxa – com regras que permitem um ‘bail in’.
Qualquer solução próxima do que aconteceu no Novo Banco, no Banif ou até na Caixa Geral de Depósitos vai mexer com as contas públicas alemãs, fazendo disparar a dívida pública – atualmente em 71,2% do PIB – e impactando com força no défice.

 

 
Nessa altura, das duas uma: ou Berlim se sujeita às regras dos comuns mortais, aplicando medidas de consolidação orçamental para corrigir o desequilíbrio, algo que, provavelmente, custaria a cabeça de Merkel; ou acabará por virar as costas as todas as indicações que deu a Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia ao longo dos últimos anos, criando mais um rombo na credibilidade das regras europeias.

 

 
O sentimento anti-europeu acabará por aumentar em qualquer um dos cenários: no primeiro, entre o povo alemão; no segundo, entre o resto dos povos do Velho Continente.

 
Mas, desta vez, ninguém po­de culpar os gregos. Até porque a exposição do Deutsche à dívida grega foi caindo a pique durante os anos da troika, de 1,6 mil milhões de euros em 2011, para pouco menos de 300 milhões no final do ano passado. E isso, perante um buraco de 54 biliões, é ‘peanuts’.

 

 

TPT com: Kai Pfaffenbach/Reuters//Fabrizio Bensch/Reuters//AFP//Bárbara Barroso//Luis Reis Pires//Jornal Económico// 1 de Outubro de 2016

 

 

 

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