Morreu Fidel Castro o herói, ditador e mito do século XX

“O comandante-chefe da revolução cubana morreu esta noite às 22:29”, afirmou Raúl Castro, que sucedeu a Fidel no poder em 2006.

 

 

Ao longo de 57 anos, Fidel Castro foi uma figura ímpar em Cuba e no mundo. ‘El Comandante’, como era conhecido, tinha apenas 32 anos quando derrubou o ditador cubano ditador Fulgêncio Batista, em 1959, transformando a partir daí Cuba num ícone do comunismo e tornando-se ele próprio um mito.

 

 

Reza a história que enquanto proclamava o triunfo da revolução em 1959, várias pombas voaram em seu redor e uma delas pousou no seu ombro. As pessoas entenderam isto como um sinal sobrenatural. O mito marcou a vida de Fidel.

 

 

Em 2006 adoeceu. Tinha já 80 anos e nos dez anos seguintes pouco seria visto em público. A 13 de agosto, completou 90 anos. Em 2016, Fidel foi notícia algumas vezes pelas suas aparições públicas que se tornaram raras nos últimos anos. No dia, a seguir ao aniversário, a 14 de agosto, Fidel Castro foi visto com Nicolás Maduro e ao lado de Raúl Castro, num evento organizado pela companhia de teatro infantil “La Colmenita”, no teatro Karl Marx, em Havana.

 

 

Tinha também publicado o artigo “El Cumpleaños” (“O Aniversário”), divulgado pela imprensa estatal de Cuba, onde se referiu à histórica rivalidade com os Estados Unidos e criticou presidente Barack Obama pelo discurso que proferiu durante a visita realizada ao Japão em maio.

 

 

“Um capricho do destino”

 

 

Quatro meses antes, a 20 de abril, discursou junto com o irmão, o presidente Raúl Castro, no encerramento do Sétimo Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), realizado em Havana. “Estou quase a completar 90 anos, nunca teria imaginado isto, nem foi fruto de um empenho, foi um capricho do destino. Serei como todos os outros. Essa hora chegará para todos nós”, afirmou na altura. Na assistência, houve quem comentasse a melancolia do momento.  “Senti que ele estava um pouco melancólico, como se estivesse a despedir-se. Ele sabe que talvez este tenha sido o último congresso do partido em que pôde participar”, comentou à AFP Natalia Díaz, uma engenheira industrial de 54 anos.

 

 

Nesse discurso, Fidel sublinhou que, após a sua morte “ficarão as ideias dos comunistas cubanos como prova de que neste planeta, se se trabalhar com fervor e dignidade, conseguem produzir-se os bens materiais e culturais de que os seres humanos precisam”. “Devemos transmitir” aos nossos irmãos da América Latina e do mundo “que o povo cubano vencerá”, apontou. “Talvez esta seja uma das últimas vezes que falo nesta sala”, disse Fidel Castro em tom firme, agradecendo depois ao seu irmão, o presidente Raúl Castro, pelo seu “magnífico esforço” à frente do PCC.

 

 

 

 O guerrilheiro que terá escapado a 634 tentativas de assassinato

 

 

 

Na história do século XX, Fidel Castro será lembrado como uma figura ímpar. Foi o criador de uma doutrina militar própria e conseguiu “transformar uma guerrilha num poder paralelo, formado por guerrilheiros, organizações clandestinas e populares”, disse à AFP Alí Rodríguez, ex-guerrilheiro e atual embaixador venezuelano em Cuba.

 

 

A revolução cubana tornou-se um símbolo das revoltas do século XX e ele, o comandante da barba comprida e uniforme militar foi o seu rosto nas décadas que se seguiram. Não é para todos derrotar um exército de 80 mil homens contra uma guerrilha que no seu pior momento contou com 12 homens. Sem passado militar, Fidel Castro expulsou do poder o ditador Batista e esta parte da história é um roteiro quase perfeito de um filme sobre heróis.

 

 

A sua vida foi sempre um livro – ou filme de aventuras. Derrotou conspirações apoiadas pelos EUA, enviou 386 mil concidadãos para lutar em Angola, Etiópia, Congo, Argélia e Síria. Ao longo de 40 anos (1958-2000) diz-se que escapou a 634 tentativas de assassinato, segundo escreveu Fabián Escalante, ex-chefe dos serviços de inteligência cubanos.

 

 

Ao jornalista Ignacio Ramonet, Fidel confessou carregar quase sempre uma pistola Browning de 15 tiros. “Oxalá todos morrêssemos de morte natural, não queremos que se adiante nem um segundo a hora da morte”, disse em 1991.

 

 

Mas ao líder revolucionário sucedeu também o ditador Fidel que oprimiu os seus opositores e governou a sua ilha com mão de ferro. Nas reações à sua morte, Ramón Saúl Sánchez, líder do Movimento Democracia para Cuba (MDC), no exílio, lamentou que a morte de um “tirano” não signifique “a liberdade do povo de Cuba”. “É a maior tristeza que tenho no meu coração”, disse o ativista à agência Efe.

 

 

“Gostaria de poder dizer que a morte do tirano é a liberdade do povo”, mas no caso de Cuba não é assim, “porque eles [os Castro] trataram muito bem a sucessão”. Para Ramón Saúl Sánchez, se Fidel Castro tivesse morrido enquanto estava no poder poder-se-ia ter desencadeado uma revolta em Cuba para reclamar liberdade, mas como o seu irmão Raúl se encontra na presidência, o impacto não será o mesmo. Para o líder da organização de cubanos exilados, Fidel Castro é um símbolo do terror que Cuba sofreu durante quase 60 anos e o seu legado é nomeadamente “medo” e “dor”.

 

 

 

“Gosto de Portugal. É um país amável, que está no extremo da Europa”

 

 

 

Em Portugal, Fidel foi notícia recentemente, a 27 de outubro, aquando da visita do presidente Marcelo Rebelo de Sousa a Cuba. Os dois apareceram juntos e sorridentes numa fotografia divulgada pelo Granma, órgão oficial. “É natural que duas pessoas bem-dispostas em certas circunstâncias ou sorriam ou riam mesmo acerca de um comentário qualquer que foi feito, agora não me lembro em pormenor”, declarou  na altura o chefe de Estado português.

 

 

Fidel visitou Portugal várias vezes e, em outubro de 1998, depois de uma reunião com o empresário Américo Amorim, no âmbito da VIII Cimeira Ibero-Americana, que decorreu no Porto, confessou que gostava muito dos portugueses. Reforçaria a mesma ideia, três anos depois, numa escala rápida em Lisboa. “Gosto de Portugal. É um país amável, que está no extremo da Europa”.

 

 

Na visita de 1998, é recordado um discurso memorável, em Matosinhos (numa festa promovida pela Associação de Amizade Portugal-Cuba), e encontros com o antigo primeiro-ministro Vasco Gonçalves (morreu em 2005) ou com Carlos Carvalhas (na altura secretário-geral do PCP), além de José Saramago (morreu em 2010). Foi de Saramago, que considerava seu amigo, que terá lido palavras duras sobre a Cuba não da revolução, mas da opressão. Aconteceu em abril de 2003 e na sequência de terem sido fuzilados três cubanos dissidentes que tinham sequestrado um barco, escreveu: “Cuba não ganhou nenhuma heroica batalha fuzilando esses três homens, mas perdeu a minha confiança, destruiu as minhas esperanças e defraudou as minhas expectativas”, escreveu o Nobel português.

 

 

Herói, ditador, mito. Fidel Castro morreu hoje aos 90 anos.

 

 

 

Fidel Castro assistiu desconfiado à reaproximação americana e morreu sem acreditar nela

 

 

 

O líder revolucionário já vira uma dezenas de presidentes americanos avançar e recuar nas suas intenções cubanas antes de Obama fazer a sua reaproximação histórica. Dificilmente Trump a reverterá.

 

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Há quase dois anos – em dezembro de 2014 – Barack Obama e Raúl Castro anunciaram que os seus países iriam reatar os laços diplomáticos depois de mais de cinco décadas inimizade e, ocasionalmente, de guerra. A notícia tinha tanto de simbólica como de surpreendente. Afinal de contas, foi de Cuba que os americanos mais temeram o início de uma guerra nuclear com a União Soviética, na crise de 1962; e foi dos Estados Unidos que os cubanos mais se aproximaram de um golpe de Estado patrocinado por um poder estrangeiro, quando militares apoiados pela CIA tentaram tomar o poder, em 1961.

 

 

Obama e Raúl Castro não prometiam restaurar os laços integralmente e não o fizeram. Desde que anunciaram a reaproximação, Cuba e Estados Unidos reabriram as suas embaixadas nos dois países, Barack Obama tornou-se o primeiro presidente americano a visitar Cuba desde Calvin Coolidge, em 1928; Washington retirou Havana da lista de Estados promotores de terrorismo e aprovou dezenas de leis que normalizaram parte do investimento e comércio entre os dois países, permitiram o regresso da aviação comercial a cidadãos de ascendência cubana e abriram dezenas de projetos científicos e humanitários. O embargo mantém-se, por insistência dos republicanos.

 

 

Para trás ficou um ano e meio de negociações secretas entre os dois países, em parte mobilizadas pelo Papa Francisco, que escreveu várias cartas a ambos os presidentes e acolheu encontros no Vaticano. O que começou com um modesto plano da administração Obama para alterar algumas das leis mais restritivas tornou-se numa reaproximação diplomática que poucos anteviam. Afinal de contas, Raúl Castro não era o seu irmão, Fidel, envelhecido, frágil e remetido para um pano de fundo mitológico. Tal como Obama não era nenhum dos Bush ou Bill Clinton, receosos de Fidel e nunca dispostos a desafiar o lobby cubano em Washington.

 

 

Fidel não participou nas negociações, mas fez saber ao governo do seu irmão e herdeiro que desconfiava das intenções americanas – escreve-o a New Yorker. O histórico líder revolucionário já vira dez presidentes americanos avançarem e recuarem em promessas e ameaças a Cuba antes de Obama tentar a sua reaproximação. Mesmo depois de Obama visitar Cuba, onde fez um discurso sobre os méritos do sistema livre de comércio, Fidel escreveu um artigo para o órgão oficial do partido, o jornal “Granma”, alertando para a possibilidade de o seu país se estar a vender aos mesmos americanos que o tentaram assassinar dezenas de vezes – centenas, a acreditar nas suas palavras.

 

 

“Ninguém deve estar sob a ilusão de que o povo deste país digno e altruísta vai renunciar à sua glória, aos seus direitos e à riqueza espiritual que conquistou”, escreveu Fidel desde o seu retiro. “Não precisamos de nada do império”, concluiu, referindo-se aos Estados Unidos.

 

 

A mudança segundo Fidel

 

 

 

Barack Obama diz compreendê-lo. À “New Yorker”, o presidente americano confessou que esperava uma reação mais agressiva de Fidel ao seu programa cubano e ao discurso que fez a um grupo de investidores durante a sua visita. “Até acho que a resposta foi mais branda do que esperava”, lançou. “A resposta de Fidel foi, em parte: ‘Não quero escapar ao passado’. O que entendo completamente de quem tem 90 anos e foi uma figura icónica do século XX.”

 

 

É difícil distinguir entre o que em Fidel foi ceticismo diante a reaproximação americana e o que era receio de que o seu sistema político poderia ser enfim vítima dos americanos não pelo isolamento, mas pela abertura. “As ideias do comunismo cubano são para durar”, disse às centenas de delegados que o ouviram pela última vez este ano no VII Congresso do Partido Comunista Cubano. “Ficarão como prova de que, neste planeta, se trabalha com fervor e dignidade, podem produzir-se bens materiais e culturais de que necessitam os seres humanos. Devemos lutar sem trégua para obtê-los.”

 

 

Disse-o desdenhando a sua própria morte, que, nesse discurso de abril, já lhe parecia próxima, mas não tão importante quanto preservar as conquistas da sua revolução de 1959. “Talvez esta seja a última vez que falo nesta sala. Em breve cumprirei 90 anos, não em resultado de nenhum esforço, mas por capricho do destino. Sou como todos os demais: também chegará a minha hora.”

 

 

O dilema Trump

 

 

 

Hillary Clinton foi a primeira grande candidata americana a prometer acabar com o embargo comercial a Cuba na sua campanha. Mas não foi ela quem venceu as eleições. O presidente eleito, Donald Trump, deixou em aberto o seu programa para Cuba, elogiando em alguns momentos a reaproximação da administração Obama e, noutros, criticando algumas cedências comerciais. “Os cubanos – como muitos países no mundo –, não sabem o que esperar e receiam muito uma administração Donald Trump”, escrevia este sábado o analista da CNN, Peter Kornbluh.

 

 

É pouco provável que a próxima administração levante o embargo comercial a Cuba, mas parece também ser difícil reverter a reaproximação iniciada por Obama. O lobby dos dissidentes cubanos conservadores continua a ser uma força de poder em Washington, mas as novas gerações de cubanos-americanos são mais moderadas e favorecem a abertura com o regime, como, aliás, a maioria da população americana  – 58%, de acordo com uma sondagem do “New York Times”.

 

 

Para além disso, dezenas de grandes empresas americanas começaram já a preparar projetos em Cuba – até o próprio Donald Trump sugeriu que poderia abrir lá um hotel. A reaproximação, por outras palavras, tem já vida própria.

 

 

Em Miami grita-se Cuba livre e abrem-se garrafas de champanhe

 

 

A comunidade cubana em Miami passou o dia em festa com a notícia da morte de Fidel Castro. Vários americanos, incluindo responsáveis políticos como Marco Rubio, candidato vencido nas primárias republicanas, juntaram-se às manifestações que, para os exilados, são de celebração pelo fim de uma era.

 

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Gritam “Cuba livre!” e “Liberdade, liberdade!”, tomam banho de champanhe, tiram selfies e fazem vídeos, cantam, tocam tambores e batem panelas. Milhares de cubanos que estão no exílio comemoraram a morte de Fidel Castro e Miami, em particular, está em festa. “É triste que as pessoas comemorem a morte de uma pessoa, mas é que essa pessoa nunca devia ter nascido”, disse Pablo Arencibia, um professor de 67 anos que saiu de Cuba há 20 anos. “Satanás é quem tem que se preocupar agora, porque Fidel vai para lá e vai querer tirar-lhe o lugar”, brincou, quase inaudível, entre sons de panelas, tambores, buzinões e palavras de ordem que acordaram os vizinhos.

 

 

Segundo o Centro de Pesquisas Pew, há dois milhões de cubanos nos Estados Unidos e 68% vive na Flórida. Com comentários como “demorou muito” e “agora falta Raúl”, mais de mil pessoas em Little Havana e outro tanto em Hialeah – dois bairros de Miami que são redutos do exílio cubano – cantam, dançam e se abraçam para comemorar a morte, na sexta-feira, do líder cubano de 90 anos.

 

 

Nestes dois bairros, várias gerações de exilados cubanos acompanharam de perto a atualidade do outro lado do Estreito da Flórida. Uns cantavam o hino de Cuba, outros abriam garrafas de champanhe no meio da multidão que grita “Viva Cuba!” e improvisa batidas de tambores. Os vizinhos acordam com os buzinões que enchem as ruas e saem para festejar praticamente em pijama. Gente de todas as idades e, inclusive alguns americanos, junta-se à festa. “É um grande momento para a comunidade cubana e estou com eles”, disse Debbie, uma aposentada americana, originária da Flórida. “Vivo em Little Havana e isto é grande parte das nossas vidas. A comunidade está sempre  unida”.

 

 

Debbie e a sua amiga cubana, Aymara, comemoram em frente ao emblemático Café Versailles, um ponto de encontro dos cubanos no exílio que, ao longo de décadas, viu muitos protestos e muito poucos motivos de comemoração.

 

“A história não absolverá Fidel Castro”

 

 

 

A meio do dia de sábado, a rua 8, em Little Havana, permanecia lotada de pessoas em festa desde a madrugada. Jovens e idosos exibiam bandeiras cubanas e americanas, enquanto os motoristas os saudavam com buzinões.

 

 

O governador da Flórida, Rick Scott, declarou num comunicado que se juntava “aos cubano-americanos de todo o país que estão incrivelmente esperançosos com o futuro de Cuba”. “Após décadas de opressão, o povo cubano merece liberdade, paz e democracia”, acrescentou o governador republicano, associando-se ao sentimento dos cubanos nas ruas.

 

 

Também partilharam esta visão o senador pela Flórida, Marco Rubio, e a representante Ileana Ros-Lehtinen, dois congressistas de origem cubana, conhecidos pelas suas críticas ao regime dos irmãos Castro. “A história não absolverá Fidel Castro”, disse Rubio. “Será lembrado como um ditador cruel e assassino que trouxe miséria e dor ao seu próprio povo”.

 

 

“A morte de Fidel Castro encerra uma era de repressão e opressão, [é uma] oportunidade para um novo capítulo democrático em Cuba”, disse Ros-Lehtinen no Twitter.

 

 

Mas além da celebração pelo fim de uma era, os cubanos de Miami não se mostravam muito otimistas com o futuro da ilha. “Demorou demais e houve muita morte pelo caminho, mas não acho que sirva para alguma coisa”, afirmou Aymara, reticente em dar mais dados sobre a sua identidade.

 

 

Viam-se algumas bandeiras venezuelanas entre as cubanas e as americanas, e palavras de ordem eram ouvidas contra o governo de Nicolás Maduro. Os mais jovens faziam vídeos no Facebook Live, postavam fotos no Instagram e transmitiam a festa por FaceTime e Skype aos seus amigos e parentes na ilha, naquele que é para eles um momento histórico.

 

 

Ao contrário do que aconteceu, no mesmo local, há três semanas, quando um grupo de cubanos, na sua maioria reformados, se juntou para comemorar a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas, desta vez havia manifestantes de todas as idades. “Os que diziam que o exílio era coisa de velhos, vejam que esta é uma resposta extremamente eloquente de que o exílio continua vivo e que a ânsia por uma Cuba democrática e progressista está em todos os cubanos”, disse Arencibia.

 

 

URSS/Rússia-Cuba: De irmãos a amigos e parceiros

 

 

 

José Milhazes recorda os altos e baixos de uma relação que colocou o mundo à beira de uma guerra nuclear (a “crise dos mísseis” de 1962) e passou pela colaboração em países como a Etiópia e Angola.

 

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A posição da direcção soviética face à tomada do poder por Fidel Castro em Cuba não foi de imediato apoio. Nikita Krutschov, à altura secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, olhou com desconfiança para a revolução de jovens barbudos, tanto mais que estes não gozavam do apoio do Partido Comunista de Cuba e não eram muito claras as suas intenções políticas.

 

 

A URSS de Estaline tinha cortado as relações diplomáticas com a ditadura de Baptista em 1952 e voltou a restabelecer os laços diplomáticps com Cuba após a conquista do poder por Fidel Castro em 1960 e já depois da morte do ditador soviético. Porém, o Kremlin virou-se mais seriamente para Cuba quando os Estados Unidos tentaram derrubar Fidel através do desembarque de mercenários na Praia dos Porcos, em Abril de 1961. Em Maio do mesmo ano, o dirigente cubano proclama abertamente a opção pela “via socialista de desenvolvimento e é precisamente este factor que irá definir as relações entre Cuba e a União Soviética.

 

 

À medida que aumenta o embargo norte-americano, cresce o número de engenheiros, médicos, conselheiros militares e outros especialistas soviéticos que são enviados para a “Ilha da Liberdade”. A justificação era evitar novas tentativas de derrubar o “primeiro regime socialista no hemisfério ocidental”, mas, na realidade, o Kremlin não podia perder a possibilidade de possuir um “submarino inafundável” a poucos quilómetros do seu principal adversário na guerra fria: os Estados Unidos da América.

 

 

Em 1962, Raúl Castro visita Moscovo, onde é recebido por Nikita Khrutschov, o sucessor de Estaline à frente da URSS. Durante o encontro eles acordaram, a fim de evitar novas invasões norte-americanas, instalar em Cuba mísseis de médio alcance com ogivas nucleares. A reacção dos norte-americanos a esse passo provocou uma série crise nas relações entre Washington e Moscovo, que por pouco não descambou num confronto nuclear. O potencial poder destruição das armas nucleares era tão grande que obrigou os dirigentes das duas grandes super-potências a chegarem a um acordo. Khrutschov aceitou retirar os mísseis soviéticos da ilha enquanto que John Kennedy comprometia-se a retirar os mísseis norte-americanos instalados na Turquia, país que fazia fronteira com a URSS, e a não invadir Cuba.

 

 

Este acordo foi recebido com alívio pela comunidade internacional, mas os dirigentes cubanos ficaram ofendidos pelos seus camaradas soviéticos não os terem consultado sobre esse acordo. Em Cuba surgiu a frase: Nikita, Nikita, lo que se dá, non se quitá”.

 

 

Porém, Fidel não tinha outras alternativas para se manter no poder, pois a ajuda financeira, económica e política da URSS era fundamental para a sobrevivência do regime cubano. Por outro lado, os comunistas soviéticos tinham em Cuba um aliado importante para penetrar nos países do chamado Terceiro Mundo.

 

 

 

Angola, Etiópia e por aí além

 

 

Foi no campo desta política que as tropas cubanas foram enviadas, por exemplo, para a Etiópia e Angola. Porém, é de ressalvar que a intervenção armada de Cuba em Angola em 1975, essencial para salvar o regime do MPLA e de Agostinho Neto, foi decidida sem o consentimento do Kremlin. Moscovo recebeu a notícia do envio de militares cubanos para a antiga colónia portuguesa através do seu embaixador na Guiné-Conacri, quando os aviões cubanos já sobrevoavam o Atlântico. Fidel receava que as autoridades soviéticas não dessem luz verde a essa operação antes da proclamação da independência de Angola, a tempo de travar as tropas sul-africanas e da UNITA que avançavam sobre Luanda. Os comunistas soviéticos acabaram por aceitar esse facto consumado, que levou a que a URSS chamasse a si os custos económicos da guerra em Angola.

 

 

A propósito, a cooperação com a União Soviética quase transformou a ilha numa grande monocultura de açúcar, o principal produto de exportação cubana.

 

 

As relações entre a URSS e Cuba começaram a mudar rapidamente com a subida de Mikhail Gorbatchov ao poder em Março de 1985, acelerando à medida que o secretário-geral do Partido Comunista da URSS aprofundava a sua política de reformas internas e de desanuviamento no campo internacional.

 

 

Desde o início que Fidel Castro olhou com desconfiança e cepticismo para a política de “perestroika” (“reconstrução”) e “glasnosti (“transparência), proibindo em Cuba a venda de alguns jornais e revistas soviéticas. Segundo recorda Boris Ieltsine, o dirigente cubano teria manifestado apoio a este na sua luta contra Gorbatchov, mas, como mostraram os acontecimentos, Fidel enganou-se redondamente.

 

 

Em 1989, Gorbatchov visita Cuba num momento em que o seu próprio país atravessava graves problemas económicos, sociais e políticos, que levaram o dirigente soviético a reduzir fortemente a ajuda ao regime de Fidel.

 

 

Nos anos 90, Boris Ieltsin, então Presidente da Rússia, continuou essa política, retirando de Cuba grande parte dos militares russos aí aquartelados. No entanto, é Vladimir Putin que, em 2003, ordena o encerramento da base de espionagem electrónica em Lurdez, que dava a Havana mais de 200 milhões de euros por ano. A título de exemplo, o enfraquecimento dos laços económicos entre Cuba, por um lado, e a Rússia e outros países do espaço post-soviético, por outro, provocou, entre 1990 e 1993, uma queda de 33% do PIB, levando alguns analistas a considerar que a queda do regime comunista cubano estaria para breve.

 

 

Porém, Havana soube encontrar parceiros que permitissem manter vivo o regime, sendo aqui importante salientar o apoio da Venezuela de Hugo Chavez, principalmente no que diz respeito ao fornecimento de petróleo.

 

 

Com a chegada de Vladimir Putin ao poder na Rússia, em 2000, dá-se um novo incremento às relações russo-cubanas em numerosas esferas. Em 2014, o Presidente russo visita Cuba, pouco antes disso, perdoou 90% da dívida cubana à URSS, que constituía cerca de 30 mil milhões de dólares, e foram assinados vários acordos de cooperação em diferentes áreas. No contexto da actual política externa do Kremlin, são cada vez mais as notícias de que os russos poderão regressar à base de Lurdez. Muito irá depender da forma como se desenvolver o diálogo entre Raúl Castro e o Presidente eleito dos Estados Unidos, Ronald Trump. Caso não melhorem as relações entre a Rússia e os Estados Unidos e Washington decida regredir na politica de abertura face a Cuba, iniciada por Obama, os contactos entre Moscovo e Havana poderão conhecer uma nova era.

 

 

Claro que muito também dependerá da evolução da política interna de Cuba depois da morte de Fidel Castro.

 

 

BE realça, em comunicado, que Fidel foi “um grande estadista cubano”

 

O Bloco de Esquerda realça que Fidel Castro foi “uma das figuras mais importantes da história do século XX e líder de uma revolução vitoriosa”.

 

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Em comunicado, os bloquistas defendem que por “mais lendas históricas que se contem sobre heróis infalíveis e encarnações do mal, elas só negam a cidadania e o pensamento crítico. Fidel foi o autor, como figura histórica de grande importância, de grandes feitos e de grandes erros”.

 

 

Para o partido de Catarina Martins, “nos seus erros e nos seus feitos”, Fidel Castro foi “um grande estadista cubano e assim será recordado”.

 

 

O BE foi o único partido que não aceitou integrar a comitiva do Presidente da República, Marcelo rebelo de Sousa, na viagem de Estado a Cuba, que se realizou há um mês.

 

 

Marcelo Rebelo de Sousa envia mensagem de “condolências” ao povo cubano

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enviou hoje “sinceras condolências” ao presidente Raúl Castro e ao povo cubano pela morte de Fidel Castro, com quem se encontrou há um mês. Jerónimo, líder do PCP, transmitiu “solidariedade” e condolências aos comunistas e familiares do falecido “camarada” Fidel Castro.

 

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“No momento em que tomo conhecimento do falecimento do antigo chefe de Estado Cubano, Comandante Fidel Castro, quero expressar as minhas sinceras condolências ao Presidente Raúl Castro Ruz e ao Povo Cubano”, disse Marcelo Rebelo de Sousa numa mensagem divulgada no ‘site’ da Presidência da República portuguesa.

 

 

“Evoco, ainda, o encontro havido há um mês, em que falámos das relações entre Portugal e Cuba, na perspetiva do seu aprofundamento económico, social e cultural, num mundo em mudança”, salienta.

 

 

“Foi um protagonista controverso mas marcante, quer em Cuba, quer na América Latina quer no que então se chamava 3.º mundo, ou não alinhados, sobretudo entre os anos 60 e os anos 90 do século passado e que chegou a ser uma personalidade mítica para os seus apoiantes”, afirmou o chefe de Estado Português.

 

 

Apesar de Fidel Castro, admitiu Marcelo Rebelo de Sousa, não se situar na mesma “área ideológica”, que ele, o Presidente reconheceu o papel do líder cubano na História: “Não se pode negar que ele teve um peso na América Latina, no chamado terceiro mundo, até no mundo em geral, pensemos na crise dos mísseis que fez suspender por um instante o mundo no início dos anos 60”, salientou.

 

 

Do encontro com Fidel quando visitou Cuba, Marcelo Rebelo de Sousa partilhou que o líder cubano estava “fragilizado do pronto de vista físico mas intelectualmente muito atento, atento ao que se passava hoje, acompanhava a par e passo as notícias do dia e comentando o mundo tal como ele se encontrava, além de recordar o passado com uma vivacidade indiscutível”.

 

 

Mesmo reconhecendo a debilidade física de Fidel Castro o Presidente da República confessou estar algo surpreendido com a morte do ex-chefe de Estado cubano.

 

 

“Eu não diria, apesar da fragilidade física que um mês depois já não pertencesse ao mundo dos vivos”, referiu.

 

 

Jerónimo sobre Fidel: “Uma vida inteiramente consagrada aos ideais da liberdade, da paz e do socialismo”

 

 

 

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, numa declaração sobre a morte de Fidel Castro, prestou “homenagem à sua excepcional figura de patriota e de revolucionário comunista evocando o exemplo de uma vida inteiramente consagrada aos ideais da liberdade, da paz e do socialismo”.

 

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Jerónimo de Sousa destacou a “heróica guerrilha da Sierra Maestra”, que “libertou Cuba de uma cruel ditadura e que, enfrentando a agressão e o bloqueio dos EUA, uniu e mobilizou a energia criadora dos trabalhadores e do povo na construção de uma nova sociedade liberta da exploração e da opressão imperialista, uma sociedade socialista, solidária com a luta libertadora de todos os povos do mundo”.

 

 

Para o secretário-geral do PCP “a melhor forma de honrar a memória do camarada Fidel Castro é prosseguir a luta pelos ideais e o projecto a que se consagrou até ao fim da sua vida, é fortalecer a solidariedade com Cuba e a sua revolução socialista exigindo o incondicional respeito pela soberania da Ilha da liberdade, o imediato fim do criminoso bloqueio norte-americano e a restituição ao povo cubano de Guantánamo”.

 

 

Trump diz que o mundo está assinalar a “morte de um ditator brutal”

 

Donald Trump reagiu inicialmente à morte do líder cubano (com algumas horas de atraso) através da sua conta pessoal do Twitter, se bem que de uma forma lacónica e demasiado curta. Depois, em comunicado, alongou o seu parecer e chamou Fidel Castro de “ditator brutal”.

 

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O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, afirmou que Fidel Castro foi um “brutal ditador” que “oprimiu o seu próprio povo” e prometeu que procurará assegurar que os cubanos atinjam a “prosperidade e liberdade”.

 

 

Através de um comunicado, Donald Trump prometeu que o seu governo fará “tudo o possível para assegurar que o povo cubano possa iniciar finalmente o seu caminho para a prosperidade e liberdade”.

 

 

Quanto a Fidel Castro, apontou que deixa “um legado de fuzilamentos, roubo, sofrimento inimaginável, pobreza e negação de direitos humanos fundamentais”. Para Trump, Cuba é ainda uma “ilha totalitária”.

 

 

Papa Francisco manifesta pesar e diz que reza por Fidel Castro

 

O papa Francisco manifestou hoje pesar pela morte do líder cubano Fidel Castro e, num telegrama dirigido ao seu irmão Raúl, que o sucedeu na presidência de Cuba, disse que vai rezar pelo seu descanso.

 

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“Ao receber a triste notícia do falecimento do seu querido irmão, o excelentíssimo senhor Fidel Alejandro Castro Ruz, ex-presidente do Conselho de Estado e do governo da República de Cuba, expresso os meus sentimentos de pesar”, afirma o papa.

 

 

No telegrama, Jorge Bergoglio estende os seus pêsames aos restantes familiares do líder histórico cubano, assim como ao governo e ao povo “dessa amada nação”.

 

 

“Ao mesmo tempo, ofereço preces ao Senhor pelo seu descanso e confio a todo o povo cubano a materna intervenção de Nuestra Señora de la Caridad del Cobre, padroeira desse país”, acrescentou o papa Francisco.

 

 

 

TPT com agências: Reuters//AFP//José Milhazes//Observador// 26 de Novembro de 2016

 

 

 

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