Em cima, Francisco Veloso, Director da Católica-Lisbon School of Business & Economics.
Entusiasta e estudioso do desenvolvimento económico através da inovação e do empreendedorismo, Francisco Veloso considera que estamos a entrar na era da economia da partilha, com o aparecimento de serviços como o das boleias remuneradas (Uber) ou o aluguer de habitação (Airbnb). Defende que Portugal deve estar na vanguarda deste movimento imparável.
Como analisa esta providência cautelar da associação de taxistas para ilegalizar a Uber?
Proibir estes serviços da economia da partilha como a Uber ou a Airbnb, que resultam da convergência entre telemóveis e internet, é como parar o vento com as mãos. Historicamente, sempre que aparecem alterações tecnológicas significativas, há indústrias que se alteram de forma muito profunda. Por exemplo, o automóvel destruiu a indústria bem estabelecida de transportes entre cidades com base em carroças de tração animal. Há mais exemplos: os computadores pessoais fizeram desaparecer as máquinas de escrever. A fotografia digital fez com que a fotografia analógica se reduzisse a um pequeno nicho, a Kodak fosse à falência e a rede de lojas de revelação de rolos desaparecesse.
Há pessoas que são afetadas…
Existem sempre consequências pessoais e sociais que por vezes são complicadas. Só que há um conjunto de consumidores disponíveis e ávidos por este tipo de serviços.
O que há de diferente nestes serviços?
Estamos perante uma economia da partilha que resulta do facto de estarmos permanentemente ligados. Temos agora no telemóvel informação que nos permite tomar decisões. Sem estarmos online a custos baixos não seria possível aceder à Uber e o fornecedor do serviço não poderia dizer onde está. Esta economia da partilha também se caracteriza pelo facto de as pessoas estarem agora disponíveis para partilhar bens onerosos como um automóvel ou a habitação. De repente, as pessoas perceberam que os podem rentabilizar e partilhar.
Que tipo de regulação devem ter estes serviços?
No passado, estas disrupções aconteciam nos produtos, agora acontecem nos serviços. Nos produtos havia uma intervenção regulatória mais baixa e menos direta. Nos serviços a regulação é mais forte e geralmente protetora dos interesses instalados. Em Nova Iorque, o equilíbrio regulatório para a Airbnb foi encontrado permitindo a adesão apenas a particulares e não a empresas de prestação de serviços de hotelaria.
Em que medida estes serviços provocam uma mudança de mentalidades?
A mudança de mentalidades é muito significativa. Por exemplo, nos EUA, o sonho dos jovens, durante muitos anos, era chegar aos 16 anos para ter a carta de condução e ter acesso ao carro velho da família. Agora o grande sonho é ter uma conta Uber porque isso permite fazer deslocações sem ter controlo parental. Esta geração, que sucede à geração Y, já está a crescer na economia da partilha. A ideia de ter de ser dono de um carro ou de uma casa deixa de ser pertinente.
Como deve o Estado enquadrar estas mudanças?
Os reguladores foram concebidos para a matriz das indústrias existentes. Não estão preparados para lidar com fenómenos como a Uber ou a Airbnb.
Os operadores e as empresas como o Facebook vão ser uma alternativa aos bancos na intermediação de pagamentos e transferências financeiras?
Para as principais economias africanas a principal forma de movimentar dinheiro é o telemóvel. Nas sociedades ocidentais estabeleceu-se que eram os bancos e há muita dificuldade em lidar com estas novas formas de pagamento. O mesmo acontece com o equity crowdfunding, ou seja, a possibilidade de haver um conjunto alargado de financiadores.
O que deveria ser feito em Portugal para aumentar o crowdfunding?
Veja-se o caso do Reino Unido. O regulador flexibilizou a legislação mais depressa do que outros países, o que fez com que as principais plataformas fossem para Londres. Portugal podia fazer o mesmo e tornar-se um exemplo na economia da partilha.
FOTO: TIAGO MIRANDA
João Ramos
04/05/2015