Um prémio Nobel, um ex-economista-chefe do FMI, vários economistas europeus de nomeada chegaram a um consenso sobre “as causas das causas” da crise da zona euro iniciada em 2010. O manifesto foi divulgado pelo portal Vox e recolheu o apoio de Jorge Braga de Macedo.
“A crise [da zona euro] está muito longe de estar terminada. Ainda que alguns sinais positivos tenham emergido recentemente, o crescimento na zona euro e o desemprego são deploráveis e espera-se que permaneçam numa situação miserável por anos. Pior ainda, muitas das fragilidades e desequilíbrios que empurraram a união monetária para esta crise continuam ainda presentes”, conclui um grupo de economistas europeus que resolveu lançar através do portal europeu Vox (Voxeu.org) um projeto denominado “Reinicializando a zona euro”. O primeiro passo foi concordar “numa narrativa de consenso”, e “convincente”, para o que chamam de “causas das causas” da crise da zona euro desde 2010.
O problema é que “os decisores [europeus] parecem ter-se acantonado num canto”. O círculo vicioso da austeridade com a sua narrativa dominante impôs-se revelando “erros conceptuais” com profundos efeitos negativos (como as escolhas políticas pela austeridade). Ocorreram, também, “conflitos de interesse políticos” entre países membros da mesma moeda (derivados da excessiva exposição dos bancos dos países credores do centro da zona euro às dívidas soberanas dos periféricos, devedores) que impediram “soluções naturais” (“óbvias”, diz o manifesto, como a remissão de dívida) e o estabelecimento de “mecanismos de absorção dos choques”.
Surpreendentemente fácil o consenso
O editor do portal Vox Richard Baldwin, que é também diretor do Centre for Economic Policy Research em Londres e professor no Graduate Institute de Genebra, conseguiu colocar de acordo economistas europeus de distintas tendências e isso aconteceu de um modo “surpreendentemente mais fácil do que seria de esperar”.
Nos autores do manifesto encontram-se o Nobel Christopher Pissarides, Olivier Blanchard, o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, um dos primeiros a apontar o dedo ao famoso erro do “multiplicador” nos resgates dos periféricos, e os professores Paul de Grauwe, colunista do Expresso, e Daniel Gros.
O manifesto pretende ser um primeiro passo para criar uma “massa crítica de economistas na Europa que proceda a uma revisão sistemática do sistema político-económico europeu”.
Em Portugal o manifesto recolheu o apoio de Jorge Braga de Macedo, ex-ministro das Finanças num governo de Cavaco Silva nos anos 90, e na Europa já conta com a assinatura de alguns ex-banqueiros centrais, como o britânico Charles Bean, o sueco Lars Svensson e o irlandês Patrick Honohan. O ex-economista-chefe do Banco de Pagamentos Internacionais Stephen Cecchetti e a economista norte-americana Carmen Reinhart, uma das especialistas em história da dívida, juntaram-se ao movimento.
Os culpados da crise
A crise da zona euro, ao contrário da narrativa dominante, foi filha de uma trilogia de fracassos, diz o manifesto publicado no final da semana e que está aberto à adesão de economistas.
Um fracasso foi anterior à crise, ao não ter impedido o acumular de desequilíbrios evidentes dentro da zona euro que chegaram ao ponto que chegaram, nomeadamente a alavancagem bancária excessiva (casos de Espanha e Irlanda) e o salto de endividamento de alguns estados (como Grécia e Portugal) financiados pela banca dos países do centro na década anterior. E dois fracassos face ao desenrolar da crise, o da ausência total de um quadro institucional para lidar com choques imprevistos e o de uma péssima gestão da crise em tempo real.
Os erros de gestão ao longo da crise foram imensos. O primeiro foi de entendimento da sua génese – a crise da zona euro não devia ter sido pensada “na sua origem como uma crise da dívida dos governos, ainda que, depois, se tenha tornado numa”. O manifesto aponta o facto dos líderes europeus terem levado imenso tempo a perceber a necessidade de recapitalização dos bancos, ao contrário do que foi logo feito nos Estados Unidos a seguir à crise financeira. A ligação umbilical entre os bancos e a dívida nas economias periféricas com défices externos “ampliou largamente e difundiu a crise”. “Foi uma das razões centrais para que uma surpresa isolada na Grécia pudesse desenvolver-se numa crise sistémica de proporções históricas”, diz o manifesto.
Além do mais, na zona euro, apesar de haver um banco central, não havia um “emprestador de último recurso”, e esta falha do quadro institucional alimentou um “vórtice de risco de incumprimento de dívida, que apanhou Portugal e ficou próximo de envolver Itália, Espanha e Bélgica, e mesmo a França e a Áustria flutuaram para a penumbra desses vórtices no pico da crise”.
A frase de Draghi
Os autores referem que o “gatilho” da crise em 2010 foi a revelação em outubro do ano anterior da mentira sobre o défice alimentada pelo anterior governo de direita de Konstantinos Karamanlis na Grécia. Na sequência houve um contágio de descredibilização da situação em vários periféricos da zona euro que levou a uma “paragem súbita” dos fluxos financeiros dentro da zona euro.
Ora, na altura, em vez de “soluções naturais”, conhecidas dos economistas, enveredou-se por uma política de aperto orçamental pró-cíclica que piorou a situação, que levou a “um choque de contração massivo”.
A situação não foi ainda mais dramática porque o Banco Central Europeu, a partir da célebre frase proferida por Mario Draghi em julho de 2012 em Londres, de que “faria tudo o que fosse preciso”, inverteu o sentimento dos investidores em relação à zona euro.
Já não é só uma crise económica
Os autores do manifesto entendem que um entendimento consensual sobre as causas do que se passou e sobre os erros de conceção e as “meias medidas e compromissos confusos” realizados é fundamental para enfrentar a própria situação atual. Permanecem muitos problemas estruturais: o desemprego, a falta de oportunidades para toda uma geração europeia e a retoma económica lenta; o crédito mal parado na banca europeia; o cordão umbilical entre os bancos e a dívida soberana dos seus países; e a vulnerabilidade dos países devedores a “uma inevitável normalização das taxas de juro” que estiveram perto de 0% por tantos anos.
Os economistas juntam-lhe, finalmente, a dimensão política: “Contudo, o dinheiro não é questão central. Esta já não é só uma crise económica. As dificuldades económicas alimentaram o populismo e o extremismo político. Já não são só partes das franjas [do sistema político] que estão a favor de acabar com a zona euro e a União Europeia. Já não é inconcebível que partidos populistas e de extrema-direita ou de extrema-esquerda possam partilhar o poder em vários países da União Europeia”.
JORGE NASCIMENTO RODRIGUES/OBS//23/12/2015