A coordenadora do BE considerou hoje que a estratégia apresentada pelo Governo para recuperar o país após a pandemia de covid-19 tem sido “equívoca”, ao dizer que recusa a austeridade, mas sem tomar medidas necessárias para a evitar.
Em conferência de imprensa para apresentar as conclusões da Mesa Nacional do BE, que se reuniu por videoconferência, Catarina Martins foi questionada sobre a entrevista do primeiro-ministro ao Expresso, onde este reitera a recusa de austeridade, mas avisa que os apoios não podem ser ilimitados porque “a despesa de hoje é um imposto de amanhã”.
“Essa é uma frase equívoca porque investimento hoje é receita amanhã, emprego hoje é menos subsídio de desemprego e mais receita fiscal amanhã, foi isso que aprendemos com a crise financeira”, contrapôs a coordenadora do Bloco.
Também “equívoca” foi como Catarina Martins qualificou a estratégia que o Governo tem anunciado para o país sair da crise económica e social que se seguirá à crise sanitária.
“Registamos intervenções em que o primeiro-ministro diz que a austeridade não deve ser repetida, mas registamos que há medidas que são ou não são implementadas”, disse, apontando três exemplos.
Em primeiro lugar, apontou, ao “não se terem proibido despedimentos e obrigado à reintegração de precários” às empresas que recebem ajudas do Estado, o Governo “está a deixar que se crie desemprego”.
Catarina Martins apontou o exemplo da Galp, que recorreu aos apoios previstos para o ‘lay-off’, mas “despediu trabalhadores precários e vai distribuir 300 milhões de euros em dividendos”, situação que considera “injustificável”.
“Se não queremos austeridade, não podemos permitir políticas destas, porque a austeridade é o sacrifício dos trabalhadores face ao aumento do lucro do capital”, disse.
A líder do BE acusou ainda o Governo de ser “equívoco” em relação ao sistema financeiro, mantendo a previsão de injeção de dinheiro no Novo Banco, e não impondo “comissões zero e ‘spreads’ com limites claros” para garantir que os apoios cheguem à economia.
Finalmente, em matéria europeia, Catarina Martins considerou que o ministro das Finanças tem, enquanto presidente do Eurogrupo, apoiado medidas que “significam mais endividamento hoje e mais austeridade no futuro”.
Estudo aponta para reforço das desigualdades na sociedade portuguesa
A crise económica que a pandemia de covid-19 está a provocar em Portugal vai reforçar desigualdades estruturais na sociedade, segundo um estudo do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social
Com uma amostra de cerca de 11.500 inquiridos e efetuado entre 25 e 29 de março, o estudo sublinhou que “o ‘Grande Confinamento’ já está a afetar mais uns grupos do que outros” e concluiu que o maior indício de vulnerabilidade económica neste período é determinado pela situação económica anterior, o que “comprova a natureza não democrática e assimétrica da atual pandemia”.
Entre os setores mais afetados destacou-se o do alojamento e da restauração, no qual 62% das empresas encerraram temporária ou definitivamente (55% e 7%, respetivamente), segundo dados do Banco de Portugal e do Instituto Nacional de Estatística (INE), ao qual estão associados salários baixos e precariedade nos vínculos laborais.
A este grupo juntaram-se ainda os trabalhadores independentes, com mais de 145 mil a terem pedido até 13 de abril o acesso à medida extraordinária de redução da atividade económica.
Simultaneamente, os investigadores assinalaram que “o desemprego registado está a aumentar a um ritmo acelerado (mais 32 mil desempregados registados no espaço de cerca de duas semanas) e o recurso ao ‘lay-off’ atinge números inimagináveis”.
Com efeito, entre 31 de março e 14 de abril, o número de empresas neste regime subiu 20 vezes (de 3.361 para 69.114) e o número de trabalhadores foi multiplicado por 13 vezes (de 72.507 para 938.821).
De acordo com o inquérito, estima-se que cerca de um terço dos trabalhadores por conta de outrem estejam em ‘lay-off’ e que esse regime foi especialmente aproveitado por micro e pequenas empresas (até 10 trabalhadores), que representaram 79% dos pedidos. Por isso, o estudo manifestou a dúvida se o regime de ‘lay-off’ não será “uma antecâmara do desemprego”.
Paralelamente, o documento do COLABOR considerou que “o padrão de especialização” e a “estrutura de qualificações” da população nacional condicionam o potencial do teletrabalho.
Aliás, o estudo indicou que trabalhar a partir de casa “produz desigualdades” entre aqueles que podem facilmente desempenhar as suas funções nesse modelo e os que não podem, bem como entre homens e mulheres, que continuam mais presentes nas tarefas domésticas.
“As condições de implementação de teletrabalho suscitam também tensões no modo de organização do trabalho, aqui também ilustradas, que vão para além da difícil gestão de espaços comuns de trabalho e de vida familiar, incluindo também a própria gestão de tempos de trabalho”, acrescentou ainda o estudo, reforçando que “consoante aumenta o número de indivíduos que compõe o agregado, também crescem as dificuldades económicas”.
Perante 40% dos inquiridos a admitir já ter perdido ou estar em vias de perder rendimentos brevemente, os investigadores concluíram que se não forem melhoradas as respostas públicas a nível nacional e europeu, “o desemprego galopante refletir-se-á no aumento considerável da desigualdade de rendimento e da pobreza relativa e absoluta”.
O “Grande Confinamento” levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a fazer previsões sem precedentes nos seus quase 75 anos: a economia mundial poderá cair 3% em 2020, arrastada por uma contração de 5,9% nos Estados Unidos, de 7,5% na zona euro e de 5,2% no Japão.
Para Portugal, onde já morreram 687 pessoas, o FMI prevê uma recessão de 8% e uma taxa de desemprego de 13,9% em 2020.
TPT com: MadreMedia//Sapo24//Lusa//JYGO // SMA//CSJ// 18 de Abril de 2020