De Luther King às Panteras Negras. Porque George Floyd se tornou a bandeira do que já não cabe na história

 

Numa altura em que o mundo está focado no assassinato do afro-americano, George Floyd, por um polícia de Minneapolis, o ‘elEconomista’ publicou um artigo, no qual aprofunda a história dos Estados Unidos, mostrando que já existiram muitos casos semelhantes no país, ao longo dos anos.

 

 

 

 

O início de tudo

 

 

 

 

Tudo começou há vários séculos, com a chegada dos primeiros escravos africanos aos Estados Unidos. Em 1865 a escravatura no país foi abolida, mas os afro-americanos, nomeadamente as mulheres ainda tinham alguns direitos para conquistar.

 

Em 1909, foi criada a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas Negras (NAACP), que desempenhou um papel fundamental no movimento dos direitos civis, um reflexo da trajectória do país norte-americano, em busca da igualdade.

 

 

As maiores atrocidades cometidas contra os afro-americanos, verdadeiros massacres, foram liderados por «cidadãos ilustres» de populações, que fizeram com que, por ironia do destino, os negros começassem a organizar-se em sindicatos para exigir melhores condições de trabalho e salários mais razoáveis.

 

 

A primeira dessas acções teve lugar em Elaine, Arkansas, em 1919, quando a cidade foi arrasada depois de uma manifestação que causou cerca de 237 mortes de afro-americanos. Logo depois, em Janeiro de 1923, em Rosewood, Flórida, dois homens brancos e 100 mulheres negras, bem como homens e crianças morreram.

 

 

 

 

A Era da Mudança

 

 

 

 

A década de 1950 começou definitivamente a marcar a mudança nos Estados Unidos, sobretudo a partir de 1955. Surgiu uma nova geração, com ícones revolucionários da época, como é o caso de Elvis Presley e James Dean, que passavam a ter voz na sociedade, questionando-se sobre o porquê de não poderem conviver livremente com pessoas de raça negra.

 

 

Muitos governos locais começam a colocar nesta altura em prática as chamadas «Leis Jim Crow», que defendiam a segregação racial em todas as instalações públicas. Naturalmente, as instalações para os brancos eram muitos diferentes das que estavam destinadas aos negros, em termos de qualidade, desempenho e higiene.

 

 

O primeiro grande passo para abolir as «Leis de Jim Crow» foi dado em 1954, quando o Supremo Tribunal declarou inconstitucional a medida, que deixou de existir de acordo com a Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos de Voto de 1965, marcando assim mais uma conquista para a igualdade racial.

 

 

Em 1955 teve lugar uma outra atitude crucial para impulsionar a mudança de mentalidades e comportamentos. A afro-americana Rosa Parks, recusou-se a dar o lugar num autocarro a uma mulher de raça branca, por considerar que os direitos eram iguais.

 

Este comportamento apesar de heróico e louvado pelos defensores de direitos humanos, acabou por lhe valer uma condenação por desobediência civil, bem como a prisão. É aqui que surge o nome de Martin Luther King, que em conjunto com outros activistas, conseguem ajudá-la a regressar à tão desejada liberdade.

 

 

 

 

A Luta pelos Direitos Civis (com consequências trágicas)

 

 

 

 

A partir desse momento teve início uma luta feroz pelos direitos civis, que atingiu o seu auge com a marcha em Washington liderada por Luther King, em Março de 1963. Ao contrário de muitas manifestações actuais, aqui a premissa do movimento era o pacifismo.

 

 

Com Gandhi como referência, Luther King negou o discurso agressivo da Nação islâmica, liderando um total de três marchas na cidade, que apesar da intenção pacífica não conseguiram evitar dezenas de feridos e detidos.

 

Ainda assim, como diz o provérbio «há males que vêm por bem», isto porque as manifestações acabaram por levar o presidente da época, Lyndon B. Johnson, a aprovar a lei que reconhecia o direito de voto para todos os cidadãos em todo o país, independentemente da raça ou cor, mais um objectivo alcançado.

 

 

Mas nem tudo correu bem e nem sempre os defensores de igualdade de direitos conseguiram ser ouvidos e respeitados. O episódio mais dramático da história norte-americana deu-se em Abril de 1968, quando Martin Luther King foi assassinado na varanda de um motel em Memphis, Tennessee, por um cidadão classificado como um «louco solitário».

 

 

A morte violenta do homem que sempre lutou pelos direitos humanos e pela igualdade racial com muitos fãs ao seu redor, acabou por causar revolta e contribuir para mais um episódio de violência no país.

 

 

Mais tarde, em 1992, o motorista de táxi negro Rodney King foi espancado por vários agentes policiais, provocando fúria em várias cidades, com 59 mortos e 2.328 feridos.

 

 

Estes e muitos outros ataques de violência e racismo culminam com o assassinato de George Floyd, em 2020, mostrando que determinados comportamentos continuam a existir no país da América do Norte. A grande questão é: até quando?

 

 

 

 

 “O meu pai mudou o mundo”, disse a orfã Gigi Floyd

 

 

 

 

Divulgada pelo amigo e antigo campeão da NBA Stephen Jackson, a gravação da menina, de seis anos e filha do afroamericano morto pela polícia, já correu mundo.

 

Chama-se Gianna, está aos ombros do veterano dos San Antonio Spurs e, ao olhar em volta, nas ruas cheias de Minneapolis, exclama: “O meu pai mudou o mundo.” Stephen Jacskon, o antigo campeão da NBA, responde em seguida: “Isso mesmo, Gigi.”

 

 

A cena impressiona por si só. Mas mais ainda quando se sabe que foi gravada após a pequena se ter mostrado ao lado da mãe, Rosie Washington, a pedir justiça para a morte do pai, George Floyd. “Quero justiça porque ele era um homem bom. E há provas disso”, sublinhou, apontando para a menina, agarrada às suas pernas.

 

Já Gigi, como é carinhosamente tratada, assistia de semblante triste, mas calmo, às palavras empolgadas da mãe. “Agora nunca a verá crescer. Se ela tiver algum problema, não poderá contar com o pai.” Quando soube da morte do marido, não soube o que dizer à filha. Pouco depois, já a menina perguntava porque repetiam tanto o nome do pai na televisão.

 

 

Até que, finalmente, lhe perguntou como e porque é que o pai tinha morrido. Em lágrimas, seguiu-se a confissão: “Só tive coragem para lhe dizer que ‘ele não conseguia respirar’”. O desabafo final que se tornou símbolo de um mal-estar enorme na comunidade negra americana, vítima de racismo.

 

Afinal, aquelas foram as últimas palavras de George Floyd, um afroamericano de 46 anos que morreu no passado dia 25, depois de um polícia se ter ajoelhado sobre o seu pescoço durante quase nove minutos. Desde então o homem tornou-se mais um símbolo do protesto e justiça social – e ficará para sempre ligado a esse movimento contra o racismo chamado “Black Lives Matter”.

 

 

 

 

Polícia de Minneapolis há muito sem controlo

 

 

 

 

Os acordos do governo da cidade com um poderoso sindicato da polícia e as leis gerais que foram sendo refinadas colocam as forças policiais, e não apenas em Minneapolis, a salvo de problemas nos tribunais.

 

Muito antes da morte de George Floyd na semana passada, os esforços para rever a forma como o policiamento é realizado em Minneapolis fracassaram repetidamente perante um poderoso sindicato de polícias de 800 membros que defende táticas policiais ao estilo militar.

 

 

A agência Reuters refere que o contrato de trabalho do sindicato com a cidade é um obstáculo enorme para os cidadãos que buscam ação disciplinar após encontros agressivos com a polícia. Liderados pelo tenente Bob Kroll, presidente do sindicato, os oficiais raramente enfrentam sanções, o que de algum modo vem explicar o que aconteceu a George Floyd.

 

Uma análise feita pela Reuters às denúncias contra polícias de Minneapolis nos últimos oito anos mostra que 9 de cada 10 acusações de má conduta foram resolvidas sem punição pelo comportamento dos policias. A análise abrange cerca de três mil reclamações durante oito anos, depois das quais, apenas cinco oficiais foram demitidos.

 

A agência alerta para o facto de dezenas de outros contratos semelhantes existem nos Estados Unidos, contendo disposições que impedem os esforços para responsabilizar os policiais por violência e outros eventuais abusos. A agência examinou contratos em 82 cidades e descobriu que 46 exigem a exclusão de registros disciplinares, alguns após apenas seis meses. A ausência de registos dificulta o controlo.

 

Os polícias contam ainda com uma lei denominada imunidade qualificada, criada e reforçada pelo Supremo Tribunal Federal, que protege cada vez mais os agentes de qualquer responsabilidade civil.

 

Em Minneapolis, os oficiais usaram com sucesso a doutrina de imunidade qualificada para ganhar processos civis contra eles nos tribunais federais. É difícil identificar todos os processos por causa de força excessiva nos registos dos tribunais federais, mas a Reuters encontrou 28 casos de 2006 a 2018 nos quais, policiais de Minneapolis pediram a imunidade qualificada. Os juízes aceitaram em 15 deles, encerrando os casos sem julgamento.

 

O contrato do sindicato e a doutrina da imunidade qualificada desempenham um papel decisivo nos incentivos a alguns polícias para cometerem abusos, dizem juristas citados pela Reuters, mas nem sempre fornecem um escudo nos casos que desencadeiam acusações criminais ou o escrutínio da comunicação social – como agora está a acontecer em Minneapolis.

 

Desde a morte de Floyd, o geralmente acessível presidente do sindicato pouco surgiu em público. Mas já elogiou a polícia da cidade pela sua resposta ao “tumulto de maior escala que Minneapolis já viu” e caracterizou a agitação como um “movimento terrorista” que vem sendo construído há anos.

 

 

Em resposta, o ‘mayor’ de Minneapolis, Jacob Frey, afirmou que “para um homem que reclama com tanta frequência da falta de confiança e apoio da comunidade para o departamento de polícia, Bob Kroll permanece chocantemente indiferente ao seu papel de minar essa confiança e apoio”.

 

 

 

 

TPT com: CNN//Reuters//WP//NYT//FOXNEWS// JE// elEconomista//António Freitas de Sousa//Simone Silva/Visão// Stephen Maturen/Getty// 5 de Junho de 2020  

 

 

 

 

 

 

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