Quem é Ketanji Brown Jackson, a primeira mulher negra no Supremo Tribunal dos EUA?

 

Desde cedo que Ketanji Brown Jackson se destacou em concursos de debates e discursos, tendo chegado a ouvir que estudar Direito em Harvard era quase impossível. Mas não desistiu e, hoje, a juíza é a primeira mulher negra nomeada para o Supremo Tribunal, a mais alta instância judicial norte-americana e o terceiro ramo do poder nos Estados Unidos.

 

 

Joe Biden prometeu durante a campanha eleitoral de 2020 que, caso ganhasse o sufrágio, nomearia uma mulher afro-americana para o Supremo Tribunal dos EUA. Uma decisão que, nas suas palavras, “já tardou tempo demais”, uma vez que nunca houve nenhuma nos seus 232 anos de história.

 

 

A Constituição dos Estados Unidos prevê que os nove magistrados do Supremo Tribunal sejam nomeados de forma vitalícia pelo presidente e confirmados pela Câmara Alta do Congresso. Como garantia da sua independência, têm a mesma remuneração garantida para toda a vida.

 

 

O Supremo tem um papel fundamental na elaboração de jurisprudência, e os seus acórdãos estabelecem a norma jurídica em questões sensíveis como o aborto, casamento homossexual, discriminações raciais, pena de morte, litígios eleitorais ou porte de arma.

 

 

No final do seu primeiro ano de mandato, Biden recebeu a confirmação de 40 juízes — o mais elevado nível desde os tempos do Presidente Ronald Reagan — e, destes, 80% são mulheres e 53% são pessoas de cor, de acordo com a Casa Branca. Jackson vem juntar-se a estes números.

 

 

Como se abriram as portas para uma mulher negra no Supremo Tribunal?

 

 

A previsível saída do juiz progressista Stephen Breyer do Supremo Tribunal abriu caminho para a nomeação de uma mulher negra para o cargo. O magistrado, de 83 anos, ocupava o cargo há quase 28 e em janeiro foi referido que iria reformar-se antes das eleições intercalares. E este deixou sempre claro que não tinha “a intenção de morrer no tribunal”.

 

 

Stephen Breyer estava já sob intensa pressão há meses, havendo vozes entre os democratas que pediam a sua saída antes das intercalares, que decidem o controlo do Congresso norte-americano.

 

 

Breyer foi nomeado pelo presidente Bill Clinton e, juntamente com a falecida juíza Ruth Bader Ginsburg, optou por não renunciar na última vez que os democratas controlaram a Casa Branca e o Senado, durante a presidência de Barack Obama.

 

 

Ginsburg morreu em setembro de 2020 e o então presidente Donald Trump preencheu a vaga com uma juíza conservadora, Amy Coney Barrett. O Supremo Tribunal não era tão conservador desde a década de 1930, contando atualmente com seis juízes conservadores contra três progressistas.

 

 

As primeiras discussões sobre a sucessão de Breyer concentram-se em Jackson, mas também na juíza distrital Julianna Michelle Childs e na juíza do Supremo Tribunal da Califórnia, Lenodra Kruger.

 

 

Contudo, em fevereiro, o nome de Ketanji Jackson foi apresentado pelo presidente norte-americano. Antes da apresentação formal da magistrada, a 25 desse mês, Biden deixou uma pequena mensagem no Twitter: “É uma das mentes jurídicas mais brilhantes da nossa nação”.

 

 

No site da Casa Branca lê-se que Joe Biden “procurou um candidato com credenciais excecionais, carácter incontestável e dedicação inabalável ao Estado de direito” e “uma pessoa empenhada em fazer justiça igual perante a lei e que compreende o profundo impacto que as decisões do Supremo Tribunal têm sobre a vida do povo americano”.

 

 

Quem é Ketanji Brown Jackson?

 

 

Jackson nasceu em Washington e cresceu em Miami. Os seus pais frequentaram escolas segregadas e universidades historicamente negras. Ambos começaram as suas carreiras como professores de escolas públicas e tornaram-se líderes e administradores no Sistema Escolar Público, segundo a Casa Branca.

 

 

Quando a agora juíza andava na pré-escola, o seu pai frequentou a faculdade de Direito. Numa palestra de 2017, Jackson identificou o seu amor pela lei já nos momentos em que se sentava com os seus livros de colorir ao lado do pai no seu apartamento, enquanto ele estudava os seus casos.

Além disso, vários exemplos na sua família mostraram a importância da justiça. Dois dos seus tios tiveram carreiras relacionadas com a lei — um era detetive na área dos crimes sexuais e outro foi chefe da Polícia de Miami — e o seu irmão foi agente infiltrado numa unidade de tráfico de drogas em Baltimore.

 

 

Ketanji Brown Jackson foi, desde cedo, apresentada como “uma grande vencedora”, destacando-se em concursos de discurso e debate. Mas, como muitas mulheres negras, ainda enfrentava os opositores. Quando disse ao seu orientador da escola secundária que queria frequentar Harvard, foi avisada de que não devia “pôr a sua mira tão alta”.

 

 

Contudo, esse aviso não a impediu. Formou-se em Direito nessa mesma universidade e foi editora da Harvard Law Review.

 

 

Dando continuidade ao seu trajeto, a primeira mulher negra a assumir o cargo no ‘templo’ da lei norte-americana vai mesmo fazer história. Jackson, agora com 51 anos, é ex-colaboradora de Breyer, trabalhou na Comissão de Sentenças dos EUA e é juíza de um tribunal federal desde 2013. Foi também indicada pelo ex-Presidente Barack Obama para ser juíza de um tribunal distrital, tendo depois sido nomeada para o Tribunal de Recursos dos Estados Unidos.

 

 

Mas o processo até aqui chegar não foi simples. Ketanji Brown Jackson enfrentou duros ataques por parte dos republicanos norte-americanos durante os quatro dias de audiências realizadas em março no Congresso no âmbito do processo de confirmação.

 

 

No primeiro dia de discussões, a juíza prometeu defender a democracia e Constituição norte-americanas, aguentando os ataques durante a audiência no Senado.

 

 

“Se eu for confirmada, comprometo-me com vocês que trabalharei produtivamente para apoiar e defender a Constituição e o grande experimento da democracia americana que perdurou nos últimos 246 anos”, disse a magistrada perante o comité da Justiça do Senado dos Estados Unidos da América.

 

 

“Recebi tantas mensagens, cartas e fotos de meninas de todo o país que expressaram o seu entusiasmo por mim”, apontou. “Porque eu ser uma mulher, uma mulher negra, significa muito para as pessoas”.

 

 

Sem enveredar demasiado pela dimensão histórica da sua nomeação, a juíza insistiu na sua “independência” e “neutralidade”, tendo ainda prestado homenagem a todos aqueles que a ajudaram a chegar a este patamar, como os seus pais.

 

 

“Depois de terem vivido pessoalmente a segregação racial, (…) os meus pais ensinaram-me que, ao contrário das muitas barreiras que eles tiveram que enfrentar enquanto cresciam, o meu caminho era mais claro, de modo que se eu trabalhasse duro e acreditasse em mim mesmo, na América eu poderia fazer qualquer coisa ou ser qualquer coisa que eu quisesse ser”, contou.

 

 

“Sou juíza há quase uma década e levo muito a sério essa responsabilidade e o meu dever de ser independente. Decido casos a partir de uma postura neutra. Avalio os factos, interpreto e aplico a lei aos factos do caso diante de mim, sem medo ou favor, de acordo com o meu juramento judicial”, frisou Ketanji Brown Jackson.

 

 

A magistrada fez este pronunciamento no final de uma audiência que durou quase cinco horas, e na qual ouviu 22 membros do comité da Justiça do Senado: 11 democratas e 11 republicanos.

 

Os democratas comemoraram a natureza histórica da indicação de Ketanji Brown Jackson e elogiaram o seu histórico e experiência única.

 

 

“Não é fácil ser o primeiro. Muitas vezes é preciso ser o melhor e, de alguma forma, o mais corajoso”, reconheceu o senador democrata Dick Durbin no início da audiência, que elogiou a carreira da magistrada.

A experiência de defensora pública de Ketanji também foi sublinhada pelo senador Richard Blumenthal, frisando que isso a ajudou a “entender o sistema de justiça norte-americano de forma única, através dos olhos de pessoas que não podiam pagar um advogado”.

 

 

Por outro lado, os republicanos tentaram vincular Jackson a grupos de esquerda, como “Demand Justice”, que defende a nomeação de juízes progressistas, e deixaram claro que iriam continuar a retratar Ketanji Brown Jackson como “suave no crime”.

 

 

“Parte do esforço democrata para abolir a polícia é nomear juízes que consistentemente ficam do lado de criminosos violentos, libertam criminosos violentos, se recusam a fazer cumprir a lei e isso resulta em colocar civis inocentes em risco”, disse o senador republicano Ted Cruz.

 

 

Durante as audiências no Comité de Justiça, os conservadores criticaram Ketanji pelo seu trabalho em defesa dos prisioneiros de Guantánamo (Cuba) e questionaram-na sobre alegadas “sentenças suaves” em vários casos de pornografia infantil.

 

 

“Nada está mais longe da realidade”, disse. “Tenho pesadelos até hoje”, explicou, observando que, como mãe de duas raparigas, os casos de crimes sexuais contra menores foram especialmente angustiantes.

 

 

Contudo, especialistas jurídicos elogiaram a juíza durante as audiências, com um grupo de advogados a dizer que a magistrada tem uma reputação “excelente” e competência “excecional”, estando por isso bem qualificada para se sentar no Supremo.

 

 

Anunciada hoje a confirmação do cargo para a juíza, que comece o novo trabalho de Ketanji Brown Jackson.

 

 

TPT com: whitehouse.gov/kbj//AFP//CNN//Alexandra Antunes/MadreMedia// 8 de Abril de 2022

 

 

 

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