A história polémica da empresa que vende a cura da hepatite C

07/02/2015

 
O laboratório que comercializa o Sofosbuvir, contra a hepatite C, anunciou que vai baixar este ano o preço do fármaco. As ações caíram 10%. E há outras empresas a disputar o mesmo mercado …

 

 

As ações da Gilead Sciences, empresa de biotecnologia que fabrica o medicamento mais eficaz contra a hepatite C (Sofosvubir) caíram mais de 10% na passada quarta-feira, apesar de os resultados financeiros divulgados terem excedido as expectativas dos analistas. A razão do mau comportamento dos títulos foi a divulgação de que a empresa vai fazer uma forte redução no preço de venda do Sovaldi, nome comercial do Sofosbuvir.

 

 
A empresa, baseada na Califórnia, assumiu num comunicado que vai fazer já este ano nos Estados Unidos “um grande ajustamento” no preço dos medicamentos Harvoni e Sovaldi, ambos contra a hepatite C, que vão custar menos 46%. Os analistas esperavam um desconto de no máximo 30%. A previsão de margens de lucro mais estreitas causou o mau comportamento das ações, apesar da expectativa da Gilead ser de, só este ano, tratar mais de 250 mil pacientes com hepatite C.

 

 
Em 2014, as vendas da Gilead duplicaram em relação a 2013 (27 mil milhões de dólares, cerca de 23 mil milhões de euros), mas os lucros mais do que triplicaram, ascendendo a 7,3 mil milhões de dólares (6,4 mil milhões de euros). Conhecido como o comprimido de mil dólares por dia, a Gilead teve de reduzir o preço do Sofosbuvir perante a ameaça das companhias de seguros, distribuidoras e farmácias norte-americanas de não utilizarem o Harvoni e o Sovaldi, optando por alternativas mais baratas. O principal concorrente é um medicamento chamado Vikera Pak, fabricado pelo laboratório AbbVie, lançado no final de 2014.

 

 
O valor de ser o primeiro

 

 
A Gilead tomou a dianteira no mercado da hepatite C e, segundo a agência Bloomberg, poderá ser também pioneira com um novo medicamento contra a hepatite B, ainda não aprovado pela autoridade norte-americana da alimentação e medicamentos (FDA). Neste caso, o mercado potencial em todo o mundo é de 240 milhões de doentes com hepatite B, infeção responsável por mais de 780 mil mortes anuais, de acordo com a Organização Mundial de Saúde.

 

 
E se nos Estados Unidos a situação é de aumento da concorrência, os especialistas no negócio da biotecnologia garantem que o próximo terreno de batalha entre estes dois fabricantes será a Europa. No Reino Unido, por exemplo, já foi aberta a discussão sobre o sistema de financiamento dos medicamentos contra a hepatite C. Segundo o “Financial Times”, a introdução em larga escala do Sovaldi está adiada até ao fim de julho pela autoridade de saúde pública (NHS). E já há grupos de representantes de doentes a pressionarem para a introdução do medicamente concorrente, da AbbVie, como forma de estimular a redução do preço. Na Europa, os cinco maiores mercados para estes medicamentos contra a hepatite C são a França, a Alemanha, a Itália, a Espanha e o Reino Unido.

 

 
Guerra sem fronteiras

 

 
Mas está é uma guerra sem fronteiras. A Índia, conhecida como “a farmácia dos pobres”, devido à sua maciça produção de medicamentos genéricos a baixo preço, decidiu não autorizar o pedido de patente para o Sofosbuvir, por considerar que o composto não é suficientemente inovador. Com esta decisão fica aberto o caminho para que outras empresas produzam o fármaco, explica esta semana uma notícia do “El País”.

 

 
O Sofosbuvir foi inicialmente desenvolvido por uma empresa de biotecnologia norte-americana, a Pharmasset, que a Gilead adquiriu em 2012 por mais de 11 mil milhões de dólares (8 mil milhões de euros). O medicamento foi autorizado pela Agência do Medicamento nos Estados Unidos em dezembro de 2013. Um mês depois, a equivalente europeia também deu luz verde à sua comercialização.

 

 
Todo este negócio que envolve saúde e elevados investimentos passa pela capacidade de cada um de pressionar governos e opiniões públicas. Um artigo da “Fortune” afirma, por isso, que a administração da Gilead Sciences é “politicamente muito bem relacionada”, tendo entre os seus membros nomes sonantes, como o do ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld, que foi presidente não executivo da empresa de biotecnologia até integrar a equipa de George W. Bush. Também o ex-secretário de Estado George Shultz trabalhou na Gilead mais de uma década e será atualmente um “diretor emérito” da empresa. E a mulher do ex-governador da Califórnia Pete Wilson integra o comité de governação da Gilead.

 

 
Em Dezembro do ano passado, numa edição virada para a eleição das grandes questões que marcariam 2015, o “New York Times” apontava o desenvolvimento do mercado de biotecnologia e dos medicamentos inovadores como um dos temas fundamentais a ter atenção este ano. Não foi preciso esperar o fim do primeiro mês para a bomba explodir um pouco por todo o lado.

 

 

 

Christiana Martins

 

 

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