23/02/2015
Investigação lusa garante que transplante com células mesenquimais tem risco de rejeição reduzido.
As conclusões de uma nova investigação portuguesa, que assegura que a terapia celular pode ajuda a tratar doentes após ataques cardíacos, abre novas perspetivas para um problema que mata anualmente 1.300 portugueses.
A maioria dos ataques cardíacos são provocados por um coágulo que bloqueia uma das artérias coronárias.
Essa situação impede o sangue e o oxigénio de chegar ao coração. Um grupo de especialistas da ECBio, empresa dedicada à investigação e desenvolvimento em biotecnologia, publicou nos primeiros meses de 2014 um artigo na revista científica internacional Stem Cell Research and Therapy, que sublinha o potencial terapêutico das células mesenquimais do tecido do cordão umbilical (UCX) no tratamento de doentes com enfarte agudo do miocárdio, vulgarmente conhecido por ataque cardíaco.
O artigo descreve os resultados de estudos em animais, realizados em colaboração com o Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB), que demonstram como a terapia com estas células estaminais adultas pode melhorar a função cardíaca, atenuar a remodelação do ventrículo esquerdo e reduzir o tamanho do enfarte, que surge na sequência da chamada doença coronária, que se desenvolve devido à obstrução das artérias do coração.
A precocidade de deteção dos sintomas pode ser fundamental para evitar a morte. Em entrevista à Prevenir, Hélder Cruz, investigador especializado em biotecnologia e director-geral da ECBio explica o que são este tipo de células, como atuam e que tipo de patologias ajudam a prevenir. «No futuro, a aplicação de células estaminais pode revolucionar ainda a terapêutica de várias patologias neuro degenerativas, como as doenças de Parkinson e Alzheimer», assegura o especialista.
O que são células mesenquimais?
As células estaminais mesenquimais são células que apresentam um elevado potencial de multiplicação e capacidade de diferenciação em vários tipos celulares, como pele, osso, músculo, cartilagem, tecido nervoso e gordura, o que as torna uma ferramenta muito útil na medicina regenerativa. Por serem muito imaturas imunologicamente, o risco de rejeição do transplante em familiares é muito reduzido.
A investigação científica tem demonstrado um número crescente de potenciais aplicações terapêuticas destas células. Mais recentemente, o interesse pelas células estaminais mesenquimais tem-se centrado nas suas propriedades anti-inflamatórias, imunossupressoras e indutoras de regeneração endógena.
Por que é que células mesenquimais são retiradas do tecido do cordão umbilical?
As células mesenquimais são retiradas do tecido do cordão umbilical porque este é uma das fontes mais ricas deste tipo de células estaminais. Para além disso, a sua recolha é completamente indolor e não invasiva.
O cordão umbilical é uma fonte de células que seria descartada aquando o parto e da qual é possível o isolamento de um número de células relativamente elevado de células estaminais mesenquimais.
Isto, comparando, relativamente às outras fontes alternativas.
No que é que consiste a criopreservação?
A criopreservação é o processo de congelamento das células estaminais do sangue e do tecido do cordão umbilical. O recurso às células estaminais do cordão umbilical criopreservadas já é considerado, com sucesso, no tratamento de mais de 80 patologias diferentes. O potencial único das células estaminais do sangue do cordão umbilical permite a sua utilização no tratamento de doenças graves, como deficiências medulares, doenças metabólicas, leucemia, imunodeficiências, linfomas e anemias potencialmente fatais.
As aplicações de células estaminais do tecido do cordão umbilical têm tido o seu foco na diminuição da rejeição de transplantes e em doenças autoimunes como a artrite reumatoide,
esclerose múltipla e algumas patologias cardiovasculares. No futuro, a aplicação de células estaminais pode revolucionar ainda a terapêutica de várias patologias neuro degenerativas, como as doenças de Parkinson e Alzheimer. A investigação científica tem demonstrado um número crescente de potenciais aplicações terapêuticas destas células.
Pode descrever a ação destas células no organismo, após um doente ter sofrido um enfarte agudo do miocárdio?
Os principais resultados do mais recente estudo que realizámos demonstram que a terapia com células estaminais adultas, isoladas e multiplicadas através do método de isolamento desenvolvido pela ECBio, podem melhorar a função cardíaca, atenuar a remodelação do ventrículo esquerdo e reduzir o tamanho do enfarte.
As conclusões indicam ainda que estas células têm a capacidade de agir de forma dinâmica e transmitir os efeitos terapêuticos através de múltiplos modos de ação, como proteção das células do miocárdio da morte celular, promoção da formação de novos vasos e recrutamento de células progenitoras cardíacas.
Estas células têm apenas um efeito curativo ou também podem prevenir problemas cardíacos?
Até agora, só existem resultados comprovados no que respeita ao tratamento.
No entanto, a ação das células envolve vários mecanismos de reparação.
Este é um paradigma central que distingue a terapia celular dos medicamentos tradicionais e representa um avanço potencialmente importante no tratamento do ataque cardíaco.
Estes resultados abrem novas potencialidades para o tratamento de uma situação de saúde responsável pela morte de 1.300 portugueses todos os anos. Mas ainda é muito cedo para especular sobre os seus efeitos preventivos em futuros ataques cardíacos.
Em que medida é que o método desenvolvido pela ECBio é melhor para recolha e conservação das células?
Para ser possível isolar e criopreservar as células estaminais mesenquimais do tecido do cordão umbilical que nos permitem obter estes resultados, desenvolvemos na ECBio uma metodologia que consiste no isolamento destas e na sua multiplicação, atingindo-se uma pureza superior a 95%. O processo é iniciado com a separação das células estaminais mesenquimais das restantes células existentes no tecido do cordão umbilical como, por exemplo, as células epiteliais.
Numa primeira fase, as células estaminais isoladas encontram-se em minoria e numa quantidade muito reduzida, tendo de ser purificadas mediante um processo de multiplicação. No final da etapa, são criopreservadas células estaminais mesenquimais com elevado grau de pureza e numa quantidade muito superior à existente inicialmente. Após o isolamento, procede-se à criopreservação das células estaminais a temperaturas abaixo dos 150º C negativos.
Em Portugal, nem todas as empresas fazem o isolamento das células estaminais mesenquimais a partir do tecido do cordão umbilical, sendo a Cytothera a única empresa, em Portugal, a utilizar o método de isolamento de células estaminais mesenquimais do tecido do cordão umbilical da ECBio, garantindo que os seus clientes possam ter acesso a qualquer futura terapia resultante desta investigação.
Texto: Filipa Basílio da Silva com Luis Batista Gonçalves (edição)
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