Somam já mais de 250 anos e são considerados um dos mais mais jardins do mundo. Na capital britânica, os Kew Gardens surpreendem pelos tons de verde que contrastam com o tom acinzentado da maioria dos dias.
O interior da sua estufa, quente e húmido como nos trópicos, é um festival de perfeição, de imaginação e de cor, um regalo para os olhos que não deixa nenhum apreciador de espécies botânicas e de jardins indiferente. Londres, sobretudo nos meses mais frios, é invariavelmente cinzento, frio e chuvoso. Quando acordei naquela sexta-feira e espreitei pela janela, o dia anunciava-se exactamente como previsto, um drizzle tipicamente britânico, céu plúmbeo, gente atafulhada em cachecois, luvas e guardas chuvas.
Nada de novo, portanto. Como já não tinha afazeres profissionais, não havia grandes exposições para ver, nem tinha vontade de ir às compras, resolvi explorar o The Times e ver se alguma atividade diferente me despertava a vontade de sair. Encontrei, claro! Nos Kew Gardens, havia uma exposição de orquídeas chamada «Tropical Extravaganza». Não há como os ingleses para fazerem fintas ao inverno e este programa parecia-me deveras atrativo.
Embrulhei-me em lãs e lá fui a caminho do metro em direcção a Kew, a melhor maneira de lá chegar, já que, embora longe do centro, não se demora mais de 45 minutos, mesmo com uma mudança de linha. Já não ia a Kew Gardens há uns anos e devo confessar que nunca lá fui em pleno inverno. É um dos jardins e parques mais famosos do mundo, com 121 hectares de área e que não se visita todo num só dia. Tem a maior coleção de plantas vivas do mundo. Ao todo, são mais de 30 mil, todas diferentes. O seu herbário conta ainta com sete milhões de espécies.
Inicialmente um jardim de plantas exóticas, Kew Gardens foi sendo sucessivamente aumentado e enriquecido com novas estruturas arquitectónicas e colecções de plantas até alcançar, em 1840, o estatuto de jardim botânico. Em 1844, foi construída a Palm House, a primeira estrutura de ferro e vidro em grande escala, e, mais para os finais do século XIX, a Temperate House com o dobro do tamanho, que ainda hoje é a maior estufa victoriana do mundo.
A estufa que Lady Di apadrinhou
As estufas sempre me fascinaram por criarem um mundo dentro do nosso mundo, onde se pode viver uma experiência de temperaturas, humidades e paisagens com características completamente diferentes das que habitualmente nos rodeiam. Neste aspeto, Kew Gardens são uma festa. Às duas estufas atrás descritas, juntou-se, em 1987, uma terceira, a Princess of Wales Conservatory, inaugurada pela própria Lady Di, com 10 zonas micro-climáticas reguladas por computador. A «Tropical Extravaganza», a exposição que eu procurava, era ali.
Saída da estação de Kew Gardens, avancei debaixo de chuva em direção ao objetivo, dizendo com os meus botões que era doida, que ninguém ia visitar um jardim ou mesmo uma exposição num jardim, num dia como aquele. Os Kew Gardens são grandes e ainda se tem que andar um pouco para chegar à Princess of Wales. No entanto, chegada à porta, passou-me logo o mau humor. O interior da estufa, quente e húmido como nos trópicos, era um festival de perfeição, de imaginação e de cor, um regalo para os olhos.
Horas e horas a observar plantas
Em plena Londres, anthuriums, tillandsias e aechmeas, conviviam lado a lado com dendrobiums, epidendrums, cymbidiums, paphiopedilums, vandas e, claro, as inevitáveis phalaenopsis. De um momento para o outro, senti-me transportada para o Jardim Botânico de Singapura, sobre o qual também já escrevi. Não sei o que mais admirei, se a beleza e a perfeição das plantas expostas, se a forma naturalista como as exibiram… As orquídeas, plantas epífitas, que vivem agarradas às árvores no seu ambiente natural, apresentavam-se assim mesmo.
Penduradas, julgo que por sistemas sofisticadíssimos, em ramos e estrategicamente colocadas… Do meio de um lago, surgiam estruturas redondas completamente cobertas de flores. À esquerda e, à direita, árvores de floresta tropical carregadas de orquídeas escondiam as paredes de vidro da estufa e o tempo invernoso do exterior. À minha volta, algumas dezenas de britânicos fotografavam extasiados aquele bónus de luz, calor e cor que lhes interrompia o inverno.
É claro que este tipo de mostras têm sempre o seu lado kitsh e artificial e, aqui e ali, lá aparecia um arquinho forrado de antúrios que destoava do conjunto. Mas perdoa-se, e a verdade é que a «Tropical Extravaganza» mereceu a viagem, o frio, a chuva e o céu de chumbo. Quando saí cá para fora, como por milagre, brilhava um sol tímido, à inglesa, bem diferente do nosso que se apresenta sem nuvens e afirmativo. Foi o suficiente para transformar uma ida à exposição numa deambulação de horas pelo parque, uma visita às outras duas estufas e até um almoço pelo meio.
Os ingleses, quando fazem estas coisas, fazem-nas bem. E fazem-se pagar £ 13,90, cerca de 16,50 €. E só assim é que se consegue uma mostra de qualidade que, quem vai ver, sente que valeu o preço do bilhete até ao último cêntimo. Por cá, fazemos quase tudo com colaborações, borlas e amizades, com muito boa vontade e improvisação, mas muito pouco profissionalismo e, por isso, exposições de jardins e jardinagem, orquídeas ou camélias, sabem sempre a pobre e a pouco.
Para quem vá a Londres, vale muito a pena visitar Kew Gardens, para testemunhar um exemplo de boa gestão, boa manutenção e beleza, em condições climatéricas bem mais difíceis que as nossas. Se calhar, é a minha mania do perfecionismo, mas os jardins mal mantidos deixam-me um amargo de boca.
JARDINS – SAPO VIAGENS E TURISMO
Texto: Vera Nobre da Costa