As respostas que interessam às perguntas que se impõem sobre uma história que ninguém sabe como vai acabar: a do anunciado despedimento de 500 trabalhadores portugueses da base aérea norte-americana na ilha Terceira. Vêm aí tempos ainda mais difíceis para os açorianos.
Tiago Miranda “Nos últimos quatro anos, aterraram em média na base das Lajes menos do que dois aviões militares americanos por dia”, informa o embaixador norte-americano em Lisboa.
Porque retiram os americanos?
A retirada de 985 militares e civis, portugueses e norte-americanos, da Base das Lajes até ao outono enquadra-se num projeto mais vasto de reorganização das infraestruturas militares dos EUA na Europa. Deverá permitir uma poupança anual de 500 milhões de dólares (423,8 milhões de euros) ao Governo norte-americano.
Além das Lajes, o processo de Avaliação da Consolidação das Infraestruturas Europeias (EIC na sigla inglesa) prevê a devolução de instalações militares na Alemanha, na Bélgica, na Holanda, em Itália e no Reino Unido.
Em comunicado divulgado a 8 de janeiro, o general Philipe Breedlove, comandante das forças norte-americanas na Europa, justifica a redução de forças em curso com “um contexto de segurança em mutação, o desenvolvimento tecnológico e a difícil conjuntura fiscal” dos EUA.
Nesse mesmo dia, também em comunicado, o embaixador dos EUA em Lisboa apresenta outros argumentos. “Com o aumento da gama de aviões modernos, a frequência e o volume de voos a necessitar das condições oferecidas pela Base Aérea das Lajes mudou. Nos últimos quatro anos, aterraram, em média, na base das Lajes menos do que dois aviões militares americanos por dia.”
Segundo Robert Sherman, a redução de forças nas Lajes representa uma poupança de 35 milhões de dólares (29,6 milhões de euros).
A conversão da base nº 65 da Força Aérea dos EUA de “air base wing” em “air base group” foi anunciada pelo Departamento de Estado a 13 de dezembro de 2012 e noticiada em primeira mão pelo Expresso em novembro desse ano.
Tiago Miranda A partir de agosto de 2013, os militares norte-americanos destacados para as Lajes deixaram de trazer as famílias consigo. Os primeiros impactos sobre a economia da ilha Terceira já se fizeram sentir.
O que perde Portugal?
Num relatório entregue em fevereiro de 2013 ao governo regional pela associação empresarial norte-americana vocacionada para as questões da Segurança e Defesa, a Business Executives for National Security (BENS), estima-se que “a contribuição do Governo dos EUA para a economia dos Açores se situe entre 105 milhões e 150 milhões de dólares por ano”, ou seja, “3% do Produto Interno Bruto dos Açores e perto de 14% do PIB da ilha Terceira”.
A 9 de janeiro, o presidente socialista da Câmara da Praia da Vitória traçou em conferência de imprensa um cenário bem mais negro. Segundo Roberto Monteiro, quando estiver concluída a redução de 500 postos de trabalho portugueses e 485 norte-americanos, lá para o final do ano, cerca de duas mil pessoas, um quarto da população ativa do concelho, não terão emprego. O autarca socialista estima uma quebra de 30% no PIB do concelho. O dobro do previsto em 2013 pela BENS.
Disse ainda Roberto Monteiro que a quebra na economia local começou a fazer sentir-se a partir de agosto de 2013, mês em que os militares norte-americanos viram as comissões de comissão de serviço cortadas para metade, de 24 para 12 meses, e deixaram de poder trazer as famílias.
“Estas medidas provocaram uma redução em 50% dos arrendamentos fora da base, reduziram em 20 toneladas por mês as cargas operadas no concelho, com impacto no serviço dos transitários locais, reduziram o consumo no comércio local, particularmente na restauração, e puseram fim a um conjunto de trabalhos associados à presença americana fora da base”, afirmou Roberto Monteiro.
Tiago Miranda Terá chegado o momento de rever o denominado “Acordo das Lajes”, defende Luís Andrade, professor universitário e especialista em relações internacionais
O que vai acontecer?
A 6 de janeiro, dois dias antes de ser publicamente divulgado o processo de Avaliação da Consolidação das Infraestruturas Europeias, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, deixou o aviso: “Seria prejudicial para as nossas relações bilaterais que Portugal não tivesse um resultado positivo neste longo e complexo processo.”
Conhecida a vontade de transformar as Lajes numa bomba de gasolina, o Governo português expressou em comunicado o seu “forte desagrado” pela “decisão unilateral da administração norte-americana” e prometeu uma “análise detalhada de todas as suas possíveis implicações”.
Para Luís Andrade, professor universitário e antigo representante do Governo regional na comissão de acompanhamento ao denominado Acordo das Lajes, terá chegado o momento de rever o entendimento estabelecido em 1995. “Era bom que as autoridades portuguesas e norte-americanas se sentassem à mesa e que, de uma forma clara, se analisasse friamente esta questão e ver até que ponto o acordo pode e deve ser revisto”, disse à Lusa este especialista em relações internacionais.
Consciente do impacto negativo na economia do arquipélago, o embaixador Robert Sherman também deixou algumas promessas no seu comunicado de 8 de janeiro. “A embaixada americana já desenvolveu vários programas, em parceria com entidades locais dos Açores, que possam significar um aumento de oportunidades económicas para a população local. O Governo americano também está a considerar o pagamento de uma generosa indemnização aos funcionários portugueses das Lajes afetados por esta decisão.”
Nesta altura, os cerca de 900 trabalhadores portugueses nas Lajes desconhecem quem estará, afinal, na lista dos 500 a despedir. “Sentimo-nos traídos por uma relação de 70 anos, que foi genuína e em que os terceirenses sempre deram o seu melhor”, disse à Lusa Bruno Nogueira, presidente da Comissão Representativa dos Trabalhadores portugueses na Base das Lajes, a 9 de janeiro.
Carlos Abreu – 14/02/2015