Parece impensável, mas aconteceu. Para não deixar morrer a discussão sobre o acesso às armas nos Estados Unidos, João Coutinho e a sua agência de publicidade puseram à venda um imenso arsenal.
“Mais de 60% dos americanos pensa que ter uma arma tornará as suas vidas mais seguras. Na verdade, ter uma arma aumenta os riscos de homicídio, suicídio e morte acidental”. É com estas palavras que tem início o vídeo, difundido ontem no YouTube e espalhado depois por todos os canais habituais de partilha, que o ramo nova-iorquino da agência de publicidade Grey criou para a organização States United to Prevent Gun Violence.
O filme em causa não é uma criação publicitária comum. Resulta, na realidade, de uma ação levada efetivamente a cabo nas ruas de Nova Iorque: a abertura de uma loja de venda de armas de todos os tipos e calibres. Com um convite explícito na montra: “Comprador de armas pela primeira vez? Estamos aqui para ajudar”.
O que à partida podia parecer uma despudorada forma de colocar à luz do dia mais centenas de armas nas mãos dos cidadãos era, na realidade, uma forma surpreendente de consciencialização. Porque as armas exibidas eram acompanhadas por uma história: todas elas estavam associadas a dramáticas mortes, fossem homicídios ou acidentais, verificadas nos Estados Unidos num passado recente. As reações dos compradores, captadas por câmaras escondidas, são as de quem leva aquilo a que metaforicamente se chama um murro no estômago.
Guns With History, assim se chama a campanha, teve direção criativa do português João Coutinho. O próprio recordou ao Observador que, antes desta, a agência desenvolveu uma outra, intitulada Unload Your 401K, que no ano passado foi amplamente premiada em todo o mundo. “O 401K é uma espécie de reforma, fundo de pensões americano, e os meus colegas na Grey descobriram que algum dinheiro desse fundo era usado para investir em armas. A ideia consistia num site onde as pessoas podiam ver se o seu 401k era usado em armas e, caso fosse, podiam cancelar esse financiamento. Se toda a gente levantar o seu 401K o lobby das armas fica enfraquecido”, explicou o criativo.
Desta vez, e ainda de acordo com Coutinho, a campanha é dirigida “às pessoas que querem comprar armas e que acreditam que uma arma as torna mais seguras”. Sabendo-se que “são constantes as tragédias que envolvem armas, muitas vezes compradas para proteção”.
O projeto levou cerca de quatro meses a desenvolver. “Apresentámos a ideia em finais de novembro e começámos a produzi-la em dezembro. Como é uma ideia pro-bono, tivemos que pedir muitos favores”, recorda. No início deste mês de março estava finalmente aberta a loja no Lower East Side, em Manhattan.
A avaliar pela repercussão que já começou a ter na comunicação social e em muitos outros espaços de discussão pública, particularmente as redes sociais, esta campanha serve para trazer novamente à tona a discussão em torno da facilidade de acesso às armas nos Estados Unidos. Mas antes de mensurado esse impacto, há um outro a que João Coutinho dá particular relevo: “Mais de 65% das pessoas saíram da loja sem vontade comprar uma arma”.
João Coutinho, que em fevereiro de 2014 se mudou da Ogilvy de São Paulo (Brasil) para a Grey de Nova Iorque, foi um dos autores da campanha Immortal Fans, para o Sport Club Recife, que entre vários outros prémios lhe valeu o Grand Prix na categoria Promo and Activation na edição de 2013 do Cannes Lions, o mais importante festival de publicidade do mundo. Não é absurdo esperar que esta nova campanha seja também consagrada em festivais pelo mundo fora.
Autor: Pedro Gonçalves – Observador -18/3/2015