Um relatório do Senado americano acusa a CIA de ter levado a cabo um programa de tortura sem supervisão. Três ex-directores da agência terão ocultado informação ao Congresso e à Casa Branca.
Ricardo Lourenço, correspondente Expresso nos EUA | Terça feira, 9 de dezembro de 2014
Sete anos de trabalho. Mais de 6 milhões de documentos analisados. Esta terça-feira de manhã, o Comité de Serviços Secretos (CSS) do Senado americano anunciou, finalmente, o resultado da investigação ao programa de interrogatórios da CIA, conduzido entre 2002 e 2009, concluindo que a tortura de suspeitos de terrorismo “não produziu efeitos nem levou à recolha de informação relevante”.
Ao contrário do que sucessivos diretores dos serviços secretos americanos afirmaram ao longo dos últimos anos, “os investigadores nomeados pelo CSS não descobriram qualquer relação de causa-efeito entre captura e tortura de suspeitos e ações de contraterrorismo produtivas, que conduzissem ao desmantelamento de planos terroristas contra os Estados Unidos”, afirmou a democrata Dianne Feinstein, líder do comité.
Feinstein aponta o dedo a três ex-directores da CIA, John McLaughlin (nomeado pelo Presidente Bill Clinton), Porter Goss e Michael Hayden (ambos escolhas de George W.Bush), acusando-os de terem ocultado informação ao Congresso e à Casa Branca.
Hayden forneceu os primeiros dados sobre os interrogatórios a 6 de setembro de 2006, no mesmo dia em que o anterior chefe de Estado americano, George W. Bush, reconheceu a existência de “Black Sites”, centros de detenção de suspeitos de terrorismo.
As declarações do antigo líder da secreta americana ocorreram quatro anos depois da primeira sessão de tortura, levada a cabo no Afeganistão contra o palestiniano Abu Zubaydah, líder de um campo de treino da Al-Qaeda. Zubaydah permanece detido em Guantánamo.
O Expresso ouviu Porter Goss e Michael Hayden sobre a sua passagem pelos serviços secretos. Sempre defenderam o que foi feito.
Por exemplo, no dia em que antigo líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, foi morto, durante uma operação das forças especiais americanas no Paquistão, Hayden (arquiteto da operação) contava-nos numa entrevista exclusiva: “Tínhamos alguma informação que nos fora dada por vários elementos da Al-Qaeda capturados pelas forças americanas. Graças ao programa de interrogatórios da CIA, começámos a construir a investigação, partindo dessas informações. Costumo dizer que esta operação não foi construída peça por peça, nem sequer tijolo por tijolo; foi pedrinha por pedrinha”.
O Expresso contactou Michael Hayden com a intenção de obter uma reação à publicação do relatório, mas não obteve qualquer resposta.
Feinstein considera que é importante saber se a CIA funcionou sem supervisão, visto que o programa de interrogatórios é “uma aberração moral, legal e administrativa”. “A CIA usou pessoal mal treinado, com historial de violência e maus tratos. Além disso, houve elementos de firmas privadas de segurança que levaram a cabo trabalhos que deviam ser exclusivamente realizados por elementos das forças armadas ou dos serviços de informações.”
De referir que um dos três diretores da CIA visados, John McLaughlin, acusou o comité de “selecionar informação de forma tendenciosa”. Em entrevista à televisão MSNBC, afirmou: “O trabalho levado a cabo impediu uma segunda vaga de ataques terroristas após o 11 de Setembro. Os interrogatórios [McLaughlin explicou, durante a conversa, que não gosta de usar a palavra tortura] geraram material que levou à captura de indivíduos como Khalid Sheik Mohamed, o arquiteto dos ataques de 11 de Setembro”.
Mais do que apurar responsabilidades, Feinstein explicou o significado da publicação do relatório do Senado: “A história irá julgar-nos pelo nosso compromisso por uma sociedade justa, apostada num estado de direito, madura o suficiente para encarar verdades inconvenientes e, no fim, dizer ‘nunca mais!'”