Em cima David Letterman, o maior joker dos Estados Unidos dos últimos 34 anos, decidiu reformar-se das artes cómicas da sátira, da troça e do ridículo, e que através da folia e do gozo fazem das pessoas sérias uns tolos. Naturalmente não é uma pessoa do qual sentiremos falta ou saudade.
Das primeiras piadas num programa de meteorologia até ao humor que mudou a forma de fazer rir na televisão americana: David Letterman deixou o Late Show ao fim de 34 anos.
Estávamos a 1 de fevereiro de 1982 nos estúdios da NBC em Nova Iorque. O humorista Calvert DeForest vestira mais uma vez a pele de Larry “Bud” Melman para dar “uma palavra de alerta amistoso” sobre o novo programa que estava prestes a estrear, apresentado por David Letterman..
“Eu acho que vai emocionar-vos, pode até chocar-vos”, avisava Bud. Depois, um grupo de bailarinas com penas de pavão – a mascote do programa – lançava a estreia de Letterman. Trinta e três anos depois, o humorista americano despede-se do Late Show e fecha “uma era no entretenimento”, como escreve a BBC. O último episódio acontece esta quarta-feira.
A história de como David Letterman influenciou o modo de fazer televisão nos Estados Unidos é explicada pelo mesmo jornal.
Naquela altura da estreia, era apenas “um homem que não devia estar acordado até tão tarde”, nas palavras das bailarinas. Tinha 35 anos e prometia substituir Johnny Carson e Jack Paar com um humor “excêntrico e ousado”. Mas David Letterman já tinha dado provas da habilidade para o humor no início dos anos setenta, quando apresentava a rubrica meteorológica num canal de televisão de Indianopolis.
O salto para o mundo do espetáculo foi dado depois, quando se mudou para a Califórnia, onde protagonizou alguns momentos de humor ao lado de Jay Leno – com quem rivalizou a carreira inteira e de quem nunca se inibiu de fazer piadas – no palco da Comedy Store, em Los Angeles. Foi numa dessas atuações que Carson reparou em Letterman e o convidou para participar no The Tonight Show regularmente.
A NBC tinha-o então à experiência e recusava-se a largar o humor de umhomem capaz de conquistar o público masculino mais jovem. Foi por isso que David Letterman ganhou um espaço nas manhãs do canal americano que, apesar de ter durado pouco tempo por falta de audiências, ainda conquistou um Emmy. Das manhãs passou para as noites, onde preenchia a hora seguinte ao The Tonight Show de Carson.
O facto de ter andado de mão dada com o programa de Carson obrigou David Letterman a reciclar o humor praticado no canal. Da comédia morna que vigorava nas noites americanas, a nova aposta da NBC decidiu passar para um espetáculo mais expontâneo. E resultou: David Letterman ganhou um espaço na comédia televisiva e passou a apresentar o Late Night.
Entretanto, a CBS manteve debaixo de olho o trabalho de Letterman no canal concorrente. E em troca de um salário mais expressivo, o humorista acabou por largar a NBC. O programa mudou de nome: passou a designar-se Late Show a 30 de agosto de 1993. As semelhanças com o primeiro episódio de Late Night foram essencialmente duas: o estilo incontornável de Letterman e o primeiro convidado, Bill Murray.
A energia inicial que conquistava o público alvo começou a desvanecer, mas Letterman já tinha construído uma personagem segura no panorama da comédia nacional e já havia influenciado alguns formatos britânicos. Na BBC, o escritor e crítico Keith Uhlich opina que o “entusiasmo com o humorista diminui devido ao modo como transparecia o seu desagrado por alguns convidados”. Podia mesmo tornar-se “presunçoso”, ou confissões, como quando convidou os médicos que o operaram ao coração em 2000 ou quando falou dos alegados casos com funcionárias do programa em 2009.
E agora, nos últimos minutos de um programa com mais de 6 mil episódios, qual será o comportamento de Letterman? “Revitalizar a energia”, escreve Uhlich, até através dos convidados com quem interage – Julia Roberts, Obama ou Adam Sandler, por exemplo.
Letterman nasceu em 1947. Aos 35 anos tornou-se apresentador do Late Show da NBC. Anos depois o formato mudou-se para a CBS.
Foto: AFP/Getty Images
Observador
05/06/2015