Passos Coelho e Paulo Portas venceram as legislativas, mas perderam a maioria absoluta – o que fará do próximo Governo o primeiro que vai governar, simultaneamente, em minoria e em coligação. Ao mesmo tempo, António Costa garantiu que não tenciona aprovar medidas da direita que sejam contra o programa socialista.
Se Cavaco Silva aceitar o que ficou expresso na noite eleitoral, e se a coligação conseguir mesmo formar Governo, terá assim muitas dificuldades em fazer aprovar alguns pontos centrais no seu programa. Seguem-se 9 exemplos.
- Devolução de cortes salariais e de pensões
PSD e CDS defenderam que a devolução dos cortes salariais na Administração Pública, assim como das pensões ainda cortadas, deve ser feita ao longo da legislatura – mas o PS queria o dobro do ritmo. O novo Governo terá de colocar a sua proposta no próximo Orçamento do Estado, que Passos quer aprovar até ao fim do ano na Assembleia. Mas precisa de conseguir, neste ponto, acordo socialista e – de caminho – também luz verde do Tribunal Constitucional.
- Plafonamento da Segurança Social
A reforma das pensões defendida pela coligação assenta no plafonamento das pensões, ou seja, que a partir de determinado montante do salário (ainda por fixar) o trabalhador não seja obrigado a descontar obrigatoriamente para a segurança social. Haveria assim um teto máximo de descontos obrigatórios, com os restantes a poderem ser feitos ou para um sistema privado ou para o atual sistema público. A coligação deixou pontos em aberto – e prometeu levar a questão à Concertação Social. Mas o PS recusou liminarmente esta proposta durante a campanha, opondo-se àquilo a que chama de “privatização” da segurança social.
- Poupar 600 milhões de euros nas pensões
Questão muito sensível no próximo Orçamento também: os 600 milhões de euros de poupanças no sistema de pensões com que o Governo PSD/CDS se comprometeu em Bruxelas. O programa da coligação nada concretizou sobre o “como”, e foi alvo de críticas durante toda a campanha socialista, que acusou o Governo de ter uma agenda escondida e instou-o a esclarecer onde irá “cortar os 600 milhões” que “prometeu a Bruxelas”. Passos já prometeu diálogo, mas este não promete ser fácil.
- Eliminação da sobretaxa, mais descontos para famílias grandes
Tal como nos salários e pensões, a coligação só se comprometeu com uma devolução progressiva da sobretaxa, ao longo da legislatura. O PS era mais ousado: queria repor tudo em dois anos, metade do tempo – pelo que também aqui também Passos terá de negociar com Costa o que vai constar no próximo Orçamento.
O mesmo acontecerá para outro ponto, menor mas importante no programa da coligação: o aprofundamento do “quociente familiar” – que considera todos os elementos do agregado familiar no apuramento do rendimento coletável em sede de IRS – de 0,3 para 0,4 em 2016, e para 0,5 em 2017. Esta foi das poucas medidas da coligação com um valor de gastos à vista: 60 milhões de euros. E mais uma que o PS criticou veementemente na campanha. Costa queria acabar com o quociente e, em alternativa, ajudar as famílias fazendo aumentar as deduções fiscais por filho.
- Redução do IRC
Outra questão central que afastou os dois lados: se o PS dava prioridade à descida do IRS, considerando que a devolução de rendimentos às famílias iria ajudar mais a economia, PSD e CDS prometeram continuar a descida do IRC (de 21% para 17%), para dar mais poder de fogo às empresas e puxar pelo emprego.
O PS de António Costa, aliás, rasgou o acordo celebrado entre direita e PS (de Seguro) sobre esta reforma, alegando que o Governo não cumpriu a promessa de reduzir, entretanto, o IRS. A luta fica agora adiada para o orçamento seguinte.
- Conclusão do processo relativo à Tabela Única de Suplementos
Um dos vários pontos sensíveis que o Governo dizia ter preparado, mas que não concluiu até ao fim da legislatura – alegando a “complexidade” do processo. A Tabela Única de Suplementos é peça importante na legislação da função pública, onde a direita queria unificar boa parte das centenas de suplementos remuneratórios que existem nas muitas carreiras do Estado. A questão é polémica, bastante sensível e nunca mereceu simpatias no PS. Agora, em minoria, sairá do papel?
- Facilitar o prolongamento da vida laboral, de forma voluntária
PSD e CDS propõem, no seu programa, “equiparar o regime do sector privado ao setor público”, onde já é permitido (a quem o pretender) continuar a trabalhar depois dos 70 anos. Não é uma proposta com grande simpatia à esquerda – e será difícil de implementar em minoria. O novo governo irá colocá-la em prática?
- Incentivo ao desenvolvimento de escolas independentes
No programa eleitoral da coligação voltaram a aparecer as “escolas independentes” do guião de Paulo Portas. Embora nas linhas gerais do programa os partidos não detalhassem a ideia, no Guião para a Reforma do Estado explicavam que se tratava de “convidar, também mediante procedimento concursal, a comunidade dos professores do ensino estadual a organizar-se num projeto de escola específico, de gestão dos próprios professores, mediante a contratualização com o Estado do serviço prestado e do uso das instalações”, de forma a oferecer “projetos de escola mais nítidos e diferenciados”.
E como é que o PS reagiu? Dizendo que “O programa deste Governo é privatizar a Escola”. “Empenharam-se em privatizar tudo o que era público e agora pretendem atacar os serviços sociais”, acusou o líder socialista. No capítulo da Educação, o PS era contra as escolas entregues a privados e até contra o apoio a pais que escolhessem colocar os filhos em escolas privadas”. Na Educação, haverá várias batalhas a ter em atenção.
- Liberdade de escolha no SNS
Na mesma medida que na Educação, também na Saúde o PS se opõe à principal proposta da coligação de direita: dar progressivamente mais liberdade de escolha aos utentes, para escolherem no SNS onde devem dirigir-se para obterem cuidados de saúde. PSD e CDS defendem que isto aumentará “a qualidade” e melhorará “os tempos de acesso” e a “equidade” no SNS. Mas o PS vê a medida com uma alteração que vai desestruturar o SNS e levar à sua progressiva privatização.
AFP/TPT/David Dinis/Helena Pereira/OBS/5/10/2015