Entre um Governo a prazo ou partidos antieuropeístas, Cavaco prefere o primeiro. O PR fez avisos dramáticos mas nunca disse que não daria posse a Governo de esquerda se assim quiserem os deputados.
“Na comunicação ao país que realizei no dia 6 de outubro, afirmei que Portugal necessita de uma solução governativa que assegure a estabilidade política. Referi também que essa solução governativa deve dar garantias firmes de que respeitará os compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado português e as grandes opções estratégicas adotadas desde a instauração do regime democrático, opções que – importa ter presente – foram sufragadas pela esmagadora maioria dos cidadãos nas eleições de dia 4 de outubro”.
Cavaco Silva chamou Passos Coelho a Belém dois dias depois das eleições e nessa terça-feira fez uma declaração ao país em que revelou ter encarregue o líder do PSD de procurar um apoio mais alargado. Os votos de PSD, PS e CDS, os partidos que estão empenhados na construção europeia, representam 70% dos votos expressos.
Os contactos efetuados entre os partidos políticos que apoiam e se reveem no projeto da União Europeia e da Zona Euro não produziram os resultados necessários para alcançar uma solução governativa estável e duradoura. Esta situação é tanto mais singular quanto as orientações políticas e os programas eleitorais desses partidos não se mostram incompatíveis, sendo, pelo contrário, praticamente convergentes quanto aos objetivos estratégicos de Portugal. Daí o meu repetido apelo a um entendimento alargado em torno das grandes linhas orientadoras de política nacional.
No discurso de dia 6, Cavaco sublinhou a necessidade de os partidos que suportam o Governo cumprirem o Tratado Orçamental, que contém metas sobre a dívida pública e o défice estrutural. Também no discurso desta quinta-feira, o Presidente centra a sua preocupação quase exclusivamente no que une PSD, PS e CDS em matérias europeias.
Lamento profundamente que, num tempo em que importa consolidar a trajetória de crescimento e criação de emprego e em que o diálogo e o compromisso são mais necessários do que nunca, interesses conjunturais se tenham sobreposto à salvaguarda do superior interesse nacional.
Cavaco fala de “interesses conjunturais” sem especificar, mas estes interesses serão as preocupações eleitoralistas ou os cálculos do PS e dos partidos à esquerda para conseguirem chegar ao poder ou provocar eleições antecipadas a médio prazo.
Neste contexto, e tendo ouvido os partidos representados na Assembleia da República, indigitei hoje, como primeiro-ministro, o dr. Pedro Passos Coelho, líder do maior partido da coligação que venceu as eleições do passado dia 4 de outubro. Tive presente que nos 40 anos de democracia portuguesa a responsabilidade de formar Governo foi sempre atribuída a quem ganhou as eleições. Assim ocorreu em todos os atos eleitorais em que a força política vencedora não obteve a maioria dos deputados à Assembleia da República, como aconteceu nas eleições legislativas de 2009, em que o PS foi o partido mais votado, elegendo apenas 97 deputados, não tendo as demais forças políticas inviabilizado a sua entrada em funções.
A história dos últimos 40 anos mostra, na realidade, que os Presidentes escolheram sempre para primeiro-ministro a personalidade indicada pelo partido mais votado. Dá até um exemplo curioso: o do segundo Governo de Sócrates. Nessas eleições, o PS perdeu a maioria absoluta e ficou com 97 deputados. PSD (81) e CDS (21) juntos obtiveram 102 lugares na Assembleia, mais do que os socialistas mas não reivindicaram em momento nenhum a formação de Governo com base nessa soma de lugares.
Tive também presente que a União Europeia é uma opção estratégica do país. Essa opção foi essencial para a consolidação do regime democrático português e continua a ser um dos fundamentos da nossa democracia e do modelo de sociedade em que os portugueses querem viver, uma sociedade desenvolvida, justa e solidária. A observância dos compromissos assumidos no quadro da Zona Euro é decisiva, é absolutamente crucial para o financiamento da nossa economia e, em consequência, para o crescimento económico e para a criação de emprego. Fora da União Europeia e do Euro o futuro de Portugal seria catastrófico.
Estas palavras vão direitinhas para o PCP e o BE, que admitem a saída de Portugal do euro. Aliás, nunca antes como aconteceu nesta campanha eleitoral estes partidos foram tão longe nas críticas às regras orçamentais da União com dirigentes dos dois partidos até a assumirem que Portugal fora do euro até poderia ser desenvolvido.
Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador. Este é o pior momento para alterar radicalmente os fundamentos do nosso regime democrático, de uma forma que não corresponde sequer à vontade democrática expressa pelos portugueses nas eleições do passado dia 4 de outubro.
A crítica dura é para o PS, o partido que procurou e se empenhou em dialogar com PCP e BE para a formação de um Governo de esquerda. Os socialistas, no entanto, têm garantido que o acordo que está a ser negociado com os partidos da esquerda não põe em nenhum momento em causa os compromissos internacionais.
Depois de termos executado um exigente programa de assistência financeira, que implicou pesados sacrifícios para os portugueses, é meu dever, no âmbito das minhas competências constitucionais, tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do país que, com grande esforço, temos vindo a conquistar. Devo, em consciência, dizer aos portugueses que receio muito uma quebra de confiança das instituições internacionais nossas credoras, dos investidores e dos mercados financeiros externos. A confiança e a credibilidade do País são essenciais para que haja investimento e criação de emprego.
Ao longo do período de assistência financeira, Cavaco chamou várias vezes a atenção para a credibilidade de Portugal enquanto Estado e o que isso importava para a perceção dos mercados e dos investidores. Essa argumentação do período da troika mantêm-se como eixo essencial neste tempo de pós-troika.
É tanto mais incompreensível que as forças partidárias europeístas não tenham chegado a um entendimento quando, num passado recente, votaram conjuntamente, na Assembleia da República, a aprovação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental e do Mecanismo Europeu de Estabilidade, enquanto os demais partidos votaram sempre contra.
O Presidente não deixou de sublinhar a sua estupefação pelo resultado negativo das conversas PSD/CDS-PS. Mas se fez críticas ao PS, optou por poupar a coligação e não fez um único reparo aos esforços de Passos.
Cabe ao Presidente da República, de forma inteiramente livre, fazer um juízo sobre as diversas soluções políticas com vista à nomeação do primeiro-ministro. Se o Governo formado pela coligação vencedora pode não assegurar inteiramente a estabilidade política de que o país precisa, considero serem muito mais graves as consequências financeiras, económicas e sociais de uma alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas.
Foi um aviso dramático: os efeitos de um Governo da esquerda unida são piores do que um Governo PSD/CDS instável e que possa durar apenas alguns meses.
Aliás, é significativo que não tenham sido apresentadas, por essas forças políticas, garantias de uma solução alternativa estável, duradoura e credível.
Cavaco está a dizer que Costa, que foi duas vezes a Belém, nas últimas duas semanas nunca lhe apresentou garantias de que é capaz de ter um Governo para quatro anos – aquilo que o PR pediu a Passos – e que o líder do PS diz estar a garantir.
A responsabilidade do Presidente da República na formação do Governo encontra-se regulada pelo artigo 187 da Constituição, segundo o qual o Presidente deve nomear o primeiro-ministro tendo em conta os resultados eleitorais, depois de ouvidos os partidos políticos com representação parlamentar. Sigo a regra que sempre vigorou, repito, que sempre vigorou na nossa democracia: quem ganha as eleições é convidado a formar Governo pelo Presidente da República.
Primeira vez fala na Constituição. E explica que as regras não impedem um Presidente de escolher outro partido ou coligação que se forme no Parlamento, muito embora prefira seguir aquilo que tem sido a tradição.
No entanto, a nomeação do primeiro-ministro pelo Presidente da República não encerra o processo de formação do Governo. A última palavra cabe à Assembleia da República ou, mais precisamente, aos deputados à Assembleia da República. A rejeição do programa do Governo, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, implica a sua demissão.
O primeiro-ministro é indigitado pelo Presidente, mas a formação do Governo depende, num sistema parlamentarista como o português, da Assembleia da República. Para o futuro Governo entrar em funções, tem primeiro que entregar no Parlamento o programa de Governo e este não pode ser chumbado. O Governo não sujeita esse programa a votação, mas a oposição, se quiser, pode apresentar uma moção de rejeição. Caso esta seja apresentada e caso seja aprovada, o Governo cai automaticamente.
É, pois, aos deputados que cabe apreciar o programa do Governo que o primeiro-ministro apresentará à Assembleia da República no prazo de dez dias após a sua nomeação. É aos deputados que compete decidir, em consciência e tendo em conta os superiores interesses de Portugal, se o Governo deve ou não assumir em plenitude as funções que lhe cabem. Como Presidente da República assumo as minhas responsabilidades constitucionais. Compete agora aos deputados assumir as suas.
Cavaco não diz que não dá posse a um futuro Governo de esquerda depois de uma moção de rejeição ao programa de Governo de Passos Coelho. O Presidente faz vários avisos, alguns até dramáticos, mas em momento algum diz que inviabilizará essa solução se assim os deputados o decidirem. Quando um Governo é derrubado, o Presidente pode dissolver o Parlamento e convocar eleições ou pode pedir a outro partido que forme Governo. Por lei, Cavaco está impedido de dissolver o Parlamento (a proibição vigora nos primeiros seis meses de uma nova Assembleia para dar mais estabilidade). Assim, só a partir de abril é que o Presidente (neste caso, o sucessor de Cavaco) poderá convocar eleições. O expetável, assim, é que Cavaco ainda dê posse a um Governo de esquerda, escolhido pelos deputados, se o Governo de Passos/Portas for derrubado.
HelenaPereira/OBS/22/10/2015