O Lado A do Lado B

22/06/2014

 

Profissão: Deputado(a)

 

1. Estou ciente – bem ciente – da controvérsia que o debate sobre a exclusividade do exercício do mandato de deputado suscita e, portanto, das inevitáveis críticas a que estas linhas estarão sujeitas. Quem escreve e publica está, e ainda bem, sujeito à crítica e ao escrutínio público. Não queria, contudo, discorrer sobre reforma do Parlamento – tema a que dediquei o meu texto da passada semana – sem me referir à vexata questio da exclusividade dos deputados. Um ponto prévio se impõe, porém, sublinhar, em jeito de declaração de interesses: não exerço o mandato de deputada em exclusividade. Mantenho a minha actividade como advogada. E explico porquê.

 

 

 

2. O exercício de uma actividade política contém-se – ou, pelo menos, deveria conter-se – num ou em alguns momentos de natureza transitória em que alguém decide dar o melhor de si à causa pública. Ser deputado não é uma profissão. Não se “é” deputado. “Está-se” deputado. Sei que há quem se mantenha no exercício dessas funções por várias décadas, mas não partilho nem dessa vontade nem desse entendimento. Acho, aliás, que se devia ponderar o estabelecimento de uma obrigação mínima de renovação de listas, uma espécie de limitação de mandatos que garanta a coexistência nas listas de novos deputados e de deputados mais experientes. Isto dito, não é difícil perceber que se queremos um parlamento que não se componha exclusivamente de funcionários dos partidos ou de funcionários públicos, e que inclua também profissionais liberais – e aqui não me refiro só aos advogados, já “sobre-representados” no hemiciclo, – teremos de garantir que, de duas uma: ou findo o mandato asseguramos que têm condições de prosseguir a respectiva carreira profissional nas mesmas condições em que antes a abandonaram (o que para um profissional liberal responsável por assegurar e manter o seu próprio negócio, qualquer que ele seja, é virtualmente impossível), ou permitimos que a mantenham no decurso do mandato. Mas este é apenas o lado mais “visível” da questão.

 
3. A principal razão por que não defendo a exclusividade do exercício do mandato prende-se com a necessidade de assegurar a independência dos deputados em relação aos partidos e às máquinas partidárias. No dia em que já não for possível a um deputado exercer ou ter condições para voltar a exercer a sua profissão ele vai passar a depender, em exclusivo, da política e dos cargos políticos. A sua carreira passará a ser, justamente, aquilo a que comummente se designa por “carreira política”. Daí em diante, com muito maior probabilidade, as opiniões que expressa e as posições que assume estarão inquinadas à partida pela necessidade imperiosa de agradar aos poderes conjunturais para lograr garantir um lugar no final do mandato. Deixa de poder dar-se ao luxo de ficar fora das listas. Deixa de poder mandar a política e o partido às malvas. Deixa de poder dar um murro na mesa, de bater com a porta e de dizer: para isso não contam comigo! Terá de estar sempre disponível. Para tudo. Passa a ser, quer queira, quer não queira, um funcionário do partido, ao serviço do partido. E se já disso nos queixámos hoje, disso no queixaríamos muito mais. Compreendo os argumentos de quem defende a exclusividade. Porém, tudo ponderado, estou convicta que, com a consagração legal da exclusividade, ganharia o moralismo à custa da qualidade da democracia. É que se hoje são já poucas as vozes dissonantes nos partidos, com a consagração da exclusividade seriam, seguramente, menos ainda. Se são já hoje muito poucos ou deputados que pontualmente divergem das direcções dos partidos, seriam então pouquíssimos ou quase nenhuns.

 
Se queremos liberdade temos de assegurar as condições de exercício dessa liberdade. De resto, esse cuidado revela-se já na forma como está desenhado o estatuto dos titulares de outros órgãos de soberania. Com efeito, justamente para garantir a liberdade de tomada de decisão os juízes, uma vez investidos, são inamovíveis.
Isto dito, de duas, uma: ou assumidos que queremos “políticos de carreira” – e isso pode ser uma escolha criticável, mas é uma escolha legítima -, ou assumimos que não podemos impor a exclusividade aos deputados. O que não podemos ter é sol na eira e chuva no nabal.

 

 

 

Francisca Almeida | Deputada do PSD – Expresso

 

 

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