Milhões de brasileiros saíram à rua para se manifestarem contra a “roubalheira” do Partido dos Trabalhadores (PT) e o governo liderado por Dilma Rousseff. O protesto foi organizado pelo Movimento Vem Pra Rua, pelo Movimento Brasil LIvre (MBL) e pelos Revoltados Online, e decorreu em dezenas de locais no Brasil e no estrangeiro, num dia que os organizadores esperam vir a tornar-se “histórico no país”.
De acordo com a estimativa atual da Polícia Municipal, os vários focos de protestos reuniram no total 3,1 milhões de brasileiros. O número é muito superior, apontando para 6,4 milhões de manifestantes nas ruas. Os balanços relativos a algumas cidades ainda não foram divulgados.
No Rio de Janeiro, uma multidão tomou conta cerca de oito quarteirões de Copacabana e duas pistas da Avenida Atlântica desde o início da manhã. A concentração estava marcada para as 10h na Praia de Copacabana, na zona sul da cidade, mas os manifestantes começaram a chegar por volta das 9h. Na zona, foi estendida uma longa bandeira com as palavras “chega de impunidade”.
O balanço da Polícia Militar ainda não foi divulgado, mas de acordo com a organização o protesto do Rio de Janeiro reuniu cerca de um milhão de pessoas. Para Bernardo Santoro, coordenador estadual do Movimento Brasil Livre (MBL), a concentração de Copacabana foi um sucesso. Foram “mais de um milhão de pessoas engajadas por um Brasil sem PT, por um Brasil com impeachment que pensa no crescimento económico e no progresso. E que pensa no futuro dos seus filhos”, disse ao G1.
“Superou as nossas espectativas, estamos muito felizes. Foi tudo em paz. Trouxemos as pessoas para marcarmos a nossa insatisfação com a corrupção em geral”, acrescentou Pedro Rodrigues, um dos organizadores e representante do Vem Pra Rua. Ao site do Globo, Rodrigues admitiu que o número de pessoas foi muito maior do que o que era esperado. “A estimativa era de 500 mil pessoas, mas batemos o um milhão, talvez 1,5 milhões.”
Em São Paulo, os manifestantes ocupam dois quilómetros da Avenida Paulista. De acordo com uma contagem pela Polícia Militar, 1,4 milhões de pessoas marcharam pelas ruas de São Paulo. A contagem anterior, divulgada às 16h (19h em Lisboa) pelo instituto Datafolha, apontava para 450 mil pessoas. O instituto garantia que a manifestação era a maior alguma vez registada na cidade.
Em Minas Gerais, os dados da Polícia Militar apontam para 16 mil pessoas em protesto contra a presidente do país, que aparece vestida com um fato de presidiária, numa clara alusão à corrupção que está a ser investigada no caso Lava Jato.
Em Brasília, a Esplanada dos Ministérios estava cheia. Segundo a Polícia Militar, 100 mil pessoas participaram no protesto da capital, onde desfilaram vários camiões contra o PT e exigindo a destituição de Dilma. Além de cartazes e palavras de ordem contra a presidente e Lula da Silva, várias pessoas manifestaram o seu apoio à Polícia Federal e ao juiz Sérgio Moro, responsável pela investigação do Lava Jato.
“Isto é importante para que as outras partes do Governo se consciencializarem de que a população está a exigir uma resposta mais concreta ao Governo, seja a saída dela [Dilma Rouseff] ou não”, afirmou Fabiano Ribeiro, um manifestante da cidade de Brasília. O brasileiro manifestante condenou o “Governo corrupto” que controla o Brasil e lamentou que a crise política esteja a “influenciar a crise económica”.
“Cadeia para o Lula, cadeia para o PT”
Para Maria Eremita, uma popular presente no protesto de Brasília, “a população tem de dizer basta e tirá-los do poder, porque eles estão a acabar com o Brasil”. “O povo brasileiro é trabalhador e decente. Só precisa que se pare de roubar, se saiba administrar, administrar para o povo, não para o próprio interesse”, frisou.
Com 80 anos, Evangelista Medeiros disse que nunca viu o país nesta situação, lamentando os efeitos da crise política na economia, nomeadamente, no aumento da dívida extrena. O octogenário entende que o país está “na mão de bandidos, de corruptos”, e o nível a que a situação chegou “é muito ruim, mundialmente” e “uma vergonha”.
Num tom emotivo, Deuza Ivonete, outra manifestante, pede à Lusa para falar, porque quer dizer que é preciso “salvar o Brasil” e, para tal, o ex-presidente Lula da Silva “tem de ir preso”. “Cadeia para o Lula, cadeia para o PT. Ajudou só os amigos, os parentes que hoje são bilionários, e ele, que era uma pessoa bem pobre e que passava fome no nordeste, hoje está riquíssimo”, criticou.
Para a manifestante, Dilma Rousseff “não faz nada sem ele [Lula da Silva]”, e o PT tornou-se num partido “cheio de hipocrisia”, porque verdadeiramente não ajudou a população e o Brasil nunca esteve tão mal, desde a educação à saúde. “É revoltante, porque nós acreditámos no PT, porque o PT na época era o coitadinho, era o pobrezinho, então nos lutámos. Queríamos uma vida melhor e não adiantou nada, porque ele aproveitou-se e roubou muito mais do que os outros”, sublinhou.
A dimensão do protesto deste domingo é considerada decisiva para o Governo, dado que a avaliação definirá se o processo de impeachment(destituição da Presidente) será retomado ou não no Congresso Nacional. A Operação Lava Jato, iniciada em março de 2014 pela Polícia Federal, que investiga um esquema de corrupção, branqueamento de capitais e desvio de dinheiro, já envolveu diretamente Lula da Silva.
Juiz responsável pela Lava Jato diz-se “tocado” com apoio dos manifestantes
O juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato, manifestou-se “tocado” com o apoio à investigação que está a liderar, demonstrada durante os protestos deste domingo contra a Presidente brasileira e o antecessor, Lula da Silva.
“O povo brasileiro foi às ruas. Entre os diversos motivos, para protestar contra a corrupção que se entranhou em parte das nossas instituições e do mercado. Fiquei tocado pelo apoio às investigações da assim denominada Operação Lava Jato”, disse Sérgio Moro num comunicado citado pela imprensa.
O juiz destacou “o trabalho institucional robusto que envolve a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e todas as instâncias do Poder Judiciário”.
“É importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas e igualmente se comprometam com o combate à corrupção, reforçando as nossas instituições e cortando, sem exceção, na própria carne, pois atualmente trata-se de iniciativa quase que exclusiva das instâncias de controlo”, referiu.
“Não há futuro com a corrupção sistémica que destrói nossa democracia, o nosso bem-estar económico e a nossa dignidade como país”, sublinhou.
Sérgio Moro tem lamentado publicamente que o poder público brasileiro não tenha tomado qualquer iniciativa relevante para melhorar a legislação do país contra a corrupção após a eclosão da Operação Lava Jato.
Em Curitiba, sede das investigações, manifestantes colocaram nas ruas 10 mil máscaras em homenagem ao juiz, segundo a brasileira.
Na mega-manifestação deste domingo, realizada em vários pontos do Brasil e do estrangeiro, a favor da impugnação de Dilma Rousseff e contra Lula da Silva e o partido que apoia ambos, o Partido dos Trabalhadores (PT), o juiz foi um dos nomes mais ovacionados, bem como a Polícia Federal.
Mais do que preocupações com a crise económica e críticas às políticas do executivo, os manifestantes falaram em defesa da justiça e contra a corrupção, numa altura em que Dilma Rousseff se encontra cada vez mais isolada, sobretudo depois das recentes alegações de corrupção dirigidas ao ex-Presidente Lula da Silva.
O partido centrista brasileiro PMDB, aliado decisivo da esquerda no poder, anunciou este sábado um prazo de 30 dias para decidir se rompe ou mantém o apoio à Presidente Dilma Rousseff, ameaçada com um procedimento parlamentar de destituição.
A 4 de março, Lula da Silva foi detido para prestar esclarecimentos, tendo sido libertado cerca de três horas depois.
As autoridades investigam a relação do ex-Presidente e dos seus familiares com construtoras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras.
No dia anterior, o senador Delcídio do Amaral, do PT, numa prestação de informações em troca de possível redução de pena citada pela revista IstoÉ, acusou a chefe de Estado brasileira de ter interferido por três vezes na investigação ao caso Lava Jato com a ajuda do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e de ter usado a sua influência para evitar a punição de empreiteiros.
Sebastião Moreira/EPA/AFP/Rita Cipriano/Observador/ 13 de Marçode 2016