EUA denunciam abuso de direitos humanos no mundo, China aconselha autocrítica

O relatório anual do governo norte-americano sobre a situação dos direitos humanos no resto do mundo destaca a violência de grupos extremistas como o Estado Islâmico e as consequências da guerra na Síria como os casos mais “chocantes” de 2015, mas também acusa países como Angola, China, Rússia, Irão e Cuba de reprimirem abertamente a liberdade de expressão e, no caso angolano, de “corrupção governamental generalizada”. Em resposta à publicação do documento, a China acusou Washington de se “recusar a olhar-se ao espelho” e publicou um relatório sobre a situação dos direitos humanos nos EUA.

 

 

No prefácio do documento norte-americano, o secretário de Estado, John Kerry, fala numa “crise global de governação”, que tem facilitado uma “tendência acelerada para fechar o espaço da opinião pública, asfixiar osmedia e a liberdade na Internet, para marginalizar as vozes da oposição e, nos casos mais extremos, para matar pessoas ou levá-las a terem de fugir das suas casas”.

 

 

Este padrão de comportamento verifica-se “em todas as partes do mundo” e não é da exclusiva responsabilidade dos estados organizados, salienta o responsável norte-americano, numa referência a grupos extremistas activos no Médio Oriente e em África como o Estado Islâmico, o Boko Haram ou as milícias Al-Shabab.

 

 

O responsável norte-americano reservou metade de uma declaração no Departamento de Estado para falar sobre a guerra na Síria, onde apelou à “procura de uma solução política” e declarou que esse esforço deve ser o principal objectivo para 2016.

 

 

“Olhando para os horrores destes últimos cinco anos, não consigo imaginar uma maior contribuição para os direitos humanos do que pôr um fim decisivo a esta guerra – ao terror, à repressão e especialmente à tortura e aos bombardeamentos indiscriminados, e dessa forma tornar possível um novo começo para o povo sírio”, disse John Kerry.

 

 

Sobre a situação em Portugal, o relatório norte-americano destaca como principais preocupações “o uso excessivo da força e o abuso sobre detidos e prisioneiros pela polícia e por guardas prisionais; as más condições, a falta de condições de saúde e a sobrelotação das prisões; e a violência contra mulheres e crianças”, salientando ainda “a discriminação e a exclusão” da comunidade cigana.

 

 

Sobre Angola, o relatório descreve com pormenor o caso contra o jornalista e activista dos direitos humanos Rafael Marques e destaca os três mais graves abusos dos direitos humanos: “As punições cruéis, excessivas e degradantes, incluindo relatos de casos de tortura e espancamentos; limites às liberdades de reunião, associação, expressão e informação; e corrupção e impunidade a nível oficial.”

 

 

Mas a lista continua, na verdadeira parada de horrores que é o relatório sobre a situação dos direitos humanos em Angola: “Outros abusos dos direitos humanos incluem a privação da vida de forma arbitrária ou à margem da lei, condições de detenção duras e potencialmente mortais, detenções arbitrárias, detenções muito longas antes do julgamento, impunidade para pessoas que violam os direitos humanos, ineficácia judicial, despejos forçados sem compensação, restrições a organizações não-governamentais, tráfico de pessoas, limites aos direitos dos trabalhadores e trabalho forçado.”

 

 

Justificações americanas e acusações chinesas

 

 

Mas o relatório norte-americano sobre a situação dos direitos humanos em 2015 é muito mais abrangente, e foi notório o esforço de Kerry para afastar as acusações de hipocrisia por não se debruçar também sobre a situação nos EUA.

 

 

O responsável disse que os indicadores usados no relatório são “universais”: “Não são uma coisa inventada por nós. Não são umas normas arbitrárias dos EUA, que queremos impor às pessoas. São normas dos direitos humanos universais, que foram adoptadas e aceites pela maioria das nações, incluindo por alguns países que concordaram com elas mas que as violam.”

 

 

John Kerry foi ainda mais longe na sua vontade de dizer ao resto do mundo que o relatório norte-americano é independente, ao deixar uma mensagem contra o recurso à tortura que serviu também de puxão de orelhas aos candidatos do Partido Republicano Donald Trump e Ted Cruz.

 

 

“Quero remover qualquer centelha de dúvida ou confusão causada por declarações feitas por outras pessoas nos últimos meses. Os Estados Unidos opõem-se ao uso de tortura sob qualquer forma, em qualquer época, em relação a qualquer pessoa ligada a qualquer governo ou sem ligações a nenhum governo.” Sem referir nomes, foi claro que os alvos de Kerry são o magnata Donald Trump, que defende abertamente o uso de qualquer forma de tortura contra inimigos, e o senador Ted Cruz, que não vai tão longe mas defende que o waterboarding não é uma forma de tortura.

 

 

Obama declara que waterboarding foi uma tortura e um erro

 

 

Para além da violência dos grupos extremistas e dos países em guerra, o relatório norte-americano critica com particular gravidade a situação em países como a China, onde dá conta de que a repressão e a perseguição de pessoas envolvidas em organizações de defesa dos direitos cívicos aumentaram. “A perseguição na comunidade jurídica foi particularmente grave. Advogados e empresas de advogados que lidaram com casos que o governo considerou serem ‘sensíveis’ foram alvos de perseguição e detenção”, lê-se no documento.

 

 

Em resposta, o governo chinês publicou um relatório sobre a situação dos direitos humanos nos EUA, denunciado o “descontrolo da criminalidade relacionada com armas”, a existência de um “sistema prisional contaminado por corrupção e que viola gravemente os direitos humanos dos detidos” e o estado das tensões raciais, que está “no seu pior em quase duas décadas”, entre várias outras acusações.

 

 

“O chamado relatório anual dos Estados Unidos sobre direitos humanos usa a questão dos direitos humanos para fazer comentários irresponsáveis sobre as políticas internas de outros países”, disse Lu Kang, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

 

 

TPT com: CHIP SOMODEVILLA/AFP/Alexandre Martins/Público/16 de Abril de 2016

 

 

 

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