Presidente Michel Temer garante que o combate à corrupção é para levar até ao fim

“A Lava Jato tornou-se referência e deve ter prosseguimento e protecção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la”, afirmou o Presidente em exercício, que escolheu sete ministros envolvidos nessa investigação para o seu Governo.

 

 

Michel Temer acordou pouco depois das seis da manhã de quinta-feira com fogos de artifício e deu-se conta de que dali a algumas horas seria o novo Presidente do Brasil.  O Senado brasileiro acabara de aprovar, por ampla maioria, a suspensão do mandato da primeira mulher eleita para a Presidência da República. A sessão no Senado começou às dez da manhã de quarta-feira e só terminou depois de quase 20 horas de discursos, mas Michel Temer, que nos últimos cinco anos e meio foi vice-presidente de Dilma Rousseff, não ficou acordado para acompanhar a maratona, segundo a Folha de S. Paulo. Foi dormir por volta das três da manhã e só ligou a televisão, que transmitia a sessão no Senado em directo, quando ouviu os fogos de artifício.

 

 

A votação – 55 senadores votaram a favor da instauração de um processo deimpeachment contra Dilma Rousseff, e só 22 contra – tinha acabado há instantes. De resto, a maioria dos brasileiros também não assistiu: ao contrário da votação de 17 de Abril na Câmara dos Deputados, o desfecho no Senado era previsível para todos. Enquanto os senadores alternavam a vez nos microfones do plenário, do outro lado da rua, em Brasília, funcionários do palácio presidencial esvaziavam os gabinetes e encaixotavam pertences.

 

 

Senadores da oposição e aliados do governo votaram com a certeza de que oimpeachment ia ser aprovado. Não houve embates, apertos, cuspidelas, tributos às famílias e a Deus, homenagens a torturadores, bandeiras do Brasil ou cartazes dizendo “Tchau, querida”. Os senadores discursaram uns atrás dos outros, no tempo máximo de 15 minutos, e a longa sessão fez o plenário ficar vazio por várias vezes. A votação durou poucos minutos e foi feita por painel electrónico – ao contrário do que acontecera na Câmara dos Deputados, onde os mais de 500 parlamentares votaram, um a um, com declarações ao microfone.

 

 

Quando o presidente do Senado Renan Calheiros anunciou os 55 votos a favor do impeachment, pouco depois das seis e meia da manhã, houve aplausos, mas foram curtos. Não houve folclore. Mas houve “uma dessas oportunidades que só a política brasileira proporciona à História”, como escreveu a revistaÉpoca: Fernando Collor de Mello, afastado da Presidência há 24 anos por um processo análogo, votou a favor do impeachment da sua quarta sucessora. Foi o único discurso que o plenário fez silêncio para ouvir, com o respeito que se dá a figuras trágicas. Collor, que é senador pelo estado de Alagoas e é alvo de investigação na Operação Lava Jato por suspeitas de corrupção, disse que chegou a alertar Dilma para o risco de um impeachment, mas foi ignorado. “Ouvidos de mercador. Desconsideraram as minhas ponderações. Relegaram a minha experiência.”

 

 

Acusado de corrupção e tráfico de influências, Collor demitiu-se em Dezembro de 1992, dois meses depois de o Senado aprovar o seu afastamento do cargo, no dia em que o seu julgamento começou. Mas Dilma garantiu esta quinta-feira que vai “lutar com todos os instrumentos legais” para exercer o seu mandato até ao fim. “Até ao dia 31 de Dezembro de 2018”, precisou.

 

 

Dilma foi oficialmente notificada sobre a decisão do Senado às 11h da manhã e 15 minutos depois fez o seu último discurso no Palácio do Planalto, rodeada de membros do seu executivo, deputados do Partido dos Trabalhadores e outros partidos aliados – alguns dos quais se emocionaram ao ouvir a Presidente. “Nunca imaginei que seria necessário lutar de novo contra um golpe no meu país”, disse Dilma, que integrou a luta armada contra a ditadura brasileira, instaurada em 1964 por um golpe militar. Ela declarou estar a ser punida por um crime que não cometeu e ser vítima de “uma farsa jurídica e política”. “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes. Não tenho contas no exterior. Não recebi subornos. Jamais compactuei com a corrupção. Esse é um processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente.”

 

 

Afastada 17 meses depois de ter sido inaugurado o seu segundo mandato, Dilma é acusada de irresponsabilidade fiscal, por ter decretado aumentos orçamentais sem aprovação do Congresso e ter usado bancos estatais para pagar despesas públicas, mascarando o estado real das contas do Estado. Ela insistiu que essas acções foram legais e necessárias, além de também terem sido executadas pelos seus antecessores. “Jamais em democracia o mandato legítimo de um Presidente eleito pode ser afastado por actos legítimos de gestão orçamental. O Brasil não pode ser o primeiro país a fazer isso”, declarou.

 

 

Dilma saiu a pé do Palácio do Planalto e foi abraçada por aliados, incluindo um abatido Lula da Silva, o ministro nomeado que nunca chegou a sê-lo.  Cerca de três mil pessoas (estimativa da Polícia Federal) concentraram-se frente ao palácio presidencial e Dilma cumprimentou pessoalmente muitas das que estavam na frente, junto às barreiras de segurança, na sua maior parte mulheres. “Hoje para mim é um dia muito triste”, admitiu. “Mas vocês conseguem fazer com que a tristeza diminua”, disse. O Diário Oficial da União, equivalente ao português Diário da República, publicou esta quinta-feira a exoneração de 28 ministros do Governo de Dilma, incluindo Lula da Silva, nomeado ministro da Casa Civil em Março, mas cuja posse foi suspensa por decisão judicial e aguardava até agora uma decisão final do Supremo Tribunal Federal. A assinatura dos decretos das exonerações tinha a data de quarta-feira, sinalizando que Dilma já tinha a certeza de que seria afastada do cargo pelo Senado.

 

 

Enquanto Dilma discursava, Michel Temer foi notificado da decisão do Senado. “Ele recebeu com naturalidade, muito elegante, muito formal, mas a gente percebe no sorriso que ele está muito entusiasmado”, disse à imprensa Vicentinho Alves, o senador que entregou o comunicado oficial a Temer que o tornou Presidente interino do Brasil. A essa hora, já se sabia a composição do novo governo, um executivo exclusivamente masculino e branco, ou seja, ignorando duas maiorias da população brasileira – mulheres (51,5%) e negros (54%). O governo de Temer é o primeiro sem mulheres desde a ditadura militar e a presidência do general Ernesto Gleiser (1974-1979).

 

 

De resto, foi essa a imagem que o Brasil viu, na cerimónia de posse dos seus ministros ao final da tarde de quinta-feira: 24 homens de fato e gravata assinando termos de posse num ambiente festivo e auto-congratulatório. Temer, cuja equipa antecipara uma transição discreta e sóbria, estava sorridente. O novo Presidente brasileiro, que é do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), voltou a ouvir fogos de artifício quando entrou no Palácio do Planalto.

 

 

No seu primeiro discurso como Presidente em exercício, Temer sinalizou que o seu maior desafio é “estancar o processo de queda livre da economia” brasileira e reequilibrar as contas públicas num cenário de desemprego, inflação e défice elevados. Prometeu manter os programas sociais criados pelos governos do Partido dos Trabalhadores, como o Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, dizendo que “deram certo” e que “o Brasil, lamentavelmente, ainda é um país pobre”. Defendeu uma redução da intervenção do Estado e o incentivo da iniciativa privada. Reservou uma linha para o combate à corrupção: “A Lava Jato tornou-se referência e deve ter prosseguimento e protecção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la”.

 

 

Enquanto discursava, ouviu-se um “panelaço” – protesto que consiste em bater em panelas – em bairros do Rio de Janeiro, juntamente com gritos de “golpista” e “Fora Temer”. Foi assim que, no último ano, os críticos de Dilma reagiram sempre que ela fazia importantes discursos à nação.

 

 

O Governo de Temer

 

 

Finanças: Henrique Meirelles (ex-presidente do banco central)

 

Planeamento: Romero Jucá (PMDB)

 

Desenvolvimento, Indústria e Comércio: Marcos Pereira

 

Relações Exteriores (inclui comércio exterior): José Serra (PSDB)

 

Casa Civil: Eliseu Padilha (PMDB)

 

Secretaria de Governo: Geddel Vieira Lima (PMDB)

 

Secretaria de Segurança Institucional: Sérgio Etchegoyen

 

Educação: Mendonça Filho (DEM)

 

Saúde: Ricardo Barros (PP)

 

Justiça e Cidadania: Alexandre de Moraes

 

Agricultura: Blairo Maggi (PP)

 

Trabalho: Ronaldo Nogueira (PTB)

 

Desenvolvimento Social e Agrário: Osmar Terra (PMDB)

 

Meio Ambiente: Sarney Filho (PV)

 

Cidades: Bruno Araújo (PSDB)

 

Ciência, Tecnologia e Comunicações: Gilberto Kasssab (PSD)

 

Transportes: Maurício Quintella (PR)

 

Advocacia-Geral da União: Fabio Medina Osório (especialista em combate à corrupção)

 

Fiscalização, Transparência e Controlo: Fabiano Augusto Martins Silveira

 

Defesa: Raul Jungmann (PPS)

 

Turismo: Henrique Alves (PMDB)

 

Desporto: Leonardo Picciani (PMDB)

 

Minas e Energia: Fernando Bezerra Filho (PSB)

 

Integração Nacional: Eduardo Braga (PMDB)

 

 

Katheleen Gomes/Público/Rio de Janeiro/ 14 de Maio de 2016

 

 

 

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *