O Presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, aterrou esta madrugada em Istambul, para anunciar o fim da tentativa de golpe de Estado, que terá causado vários mortos. “A traição não será perdoada”.
As televisões turcas mostraram o avião do chefe de Estado, que estava de férias em Marmaris, no sul da Turquia, a aterrar na pista do aeroporto internacional Atatürk, o maior do país, Foi recebido e saudado por centenas de pessoas, menos de seis horas depois de ter começado uma tentativa de golpe Estado conduzida por aquilo que classificou como “uma fação” dos militares.
Numa comunicação ao país, feita ainda do aeroporto de Ataturk, e interrompida pelo som de uma explosão nas imediações, Erdogan apelou aos oficiais insurgentes que ainda resistiam para deporem as armas e considerou terminada a tentativa de golpe de Estado.
“Os autores vão pagar um preço elevado, a traição não será perdoada”, disse Erdogan, sustentando que a tentativa de golpe de Estado foi uma “benção de Alá, porque vai permitir fazer uma purga entre os militares.”
No momento em que Erdogan falava, ainda se ouviam alguns caças F-16 da base de Eskisehir, usados pelos golpistas, a sobrevoar os céus. Aparentemente fogachos de um fim de golpe, que causou pelo menos seis mortes entre os civis e mais de 100 feridos.
Os meios de comunicação social turcos indicaram que militares dispararam contra a multidão que protestava contra a intentona e tentava atravessar uma das pontes que unem a parte asiática da cidade à europeia, e que havia sido tomada pelos golpistas.
Foram ainda contabilizados pelo menos 12 feridos, incluindo dois em estado grave, na sequência do bombardeamento do parlamento turco, em Ancara, por parte dos rebeldes.
Pouco antes da chegada de Erdogan a Istambul, o porta-voz da presidência turca, Ibrahim Kalin, assegurou que a cadeia de comando estava a voltar à ordem, apesar da tentativa de golpe de estado militar posta em marcha na sexta-feira à noite.
“Estamos a reassumir rapidamente o controlo de toda a situação”, afirmou também o primeiro-ministro, Binali Yildirim, após anunciar que vários golpistas foram detidos.
O aeroporto de Atatürk, em Istambul, o maior da Turquia e o terceiro maior da Europa, esteve paralisado na sequência da intentona golpista desta noite, mas entretanto os militares que o ocuparam retiraram-se e milhares de manifestantes contrários aos golpistas entraram no edifício.
Cerca das 2 horas da madrugada, a Agência de Controlo de Tráfego Aéreo Europeu, a Eurocontrol, anunciou que os voos seriam retomados imediatamente do aeroporto de Ataturk, após várias horas de voos suspensos.
A tentativa de golpe de Estado militar começou na sexta-feira à noite na Turquia. Os militares tomaram conta da televisão pública local, a TRT, que esteve temporariamente sem emissão. Tentaram calar as redes sociais, mas não conseguiram.
Os militares cortaram o acesso à ponte sobre o Bósforo, que liga a Europa e Ásia, e tomaram posições em vários locais de Ancara, a capital, e de Istambul.
Cerca de quatro horas depois das primeiras informações, os Serviço de Inteligência Turca (MIT) anunciaram que fracassou a tentativa de golpe de Estado, mas admitindo que ainda persistiam algumas bolsas de resistência por parte dos militares.
Cinco golpes de Estado militares desde a fundação da República
O golpe de Estado executado na sexta-feira por militares na Turquia eleva a cinco os que foram protagonizados pela instituição castrense na história da República, fundada em 1923 por Mustafa Kemal Ataturk.
Em 1960, 1971, 1980 e 1997 o exército liderou golpes de Estado, o último sem derramamento de sangue e através de decisão judicial, com o argumento de manter inalteráveis os valores laicos do Estado fundado por Ataturk.
Em 2007, a hierarquia militar também emitiu uma dura mensagem contra as políticas do governo islamita do então primeiro-ministro e hoje Presidente da República, Recep Tayyip Erdogan, através de um comunicado publicado na sua página digitar e conhecido por alguns como o “memorando eletrónico” ou o “e-golpe”.
Desde que a Turquia foi reconhecida como candidata oficial à União Europeia (UE) em 1999, as prerrogativas dos militares turcos foram substancialmente reduzidas, em particular desde a chegada ao poder em 2002 do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), a formação islamita moderada do então primeiro-ministro Erdogan.
Nos últimos anos, recorda a agência noticiosa Efe, tem-se assistido a uma luta pelo poder entre a antiga elite urbana, nacionalista e laica, e a nova burguesia muçulmana moderada e neoliberal.
A primeira acusa a segunda de tentara islamizar o país, enquanto os seguidores do AKP acusam os designados “laicos” de apoiarem o golpismo.
A reforma constitucional aprovada em setembro de 2010 num referendo por iniciativa do AKP permitiu alterações na legislação para que os militares pudessem ser julgados por tribunais civis.
Até agora, o exército manteve-se num plano secundário desde os megaprocessos do Ergenekon em 2013, que levaram à prisão centenas de oficiais acusados de golpismo, mesmo que tenham sido absolvidos posteriormente.
As Forças Armadas da Turquia são o segundo maior exército da NATO e desde os inícios do século XX exerceram uma influência decisiva sobre o poder civil.
Por tradição os militares são uma peça-chave no país porque, além das funções de manutenção da ordem e de “guardiões” da laicidade, zelam pela integridade territorial. As Forças Armadas também estão há muito envolvidas numa guerra contra o grupo armado curdo PKK, mantém tensas relações com o Chipre e a Arménia e possui diversos vizinhos problemáticos, como o Iraque, a Síria e o Irão.
As Forças Armadas turcas também, participaram nas missões da NATO no Afeganistão e Líbia e estão empenhadas num programa de modernização do seu equipamento.
Turquia, o país estratégico entre a Europa e a Ásia
O Exército da Turquia iniciou sexta-feira uma tentativa de golpe de Estado no país, estrategicamente importante e que já está a lutar em duas frentes: Estado Islâmico e militantes curdos.
A Turquia partilha fronteiras com a Síria, Irão e Iraque, mas também com membros da União Europeia como a Grécia e a Bulgária.
Com o litoral do Mar Negro de frente para a Rússia, a Turquia tem estado na linha da frente da NATO (Aliança do Tratado do Atlântico Norte) há mais de 60 anos.
Com 784.000 quilómetros quadrados, o país é menor que o Paquistão, mas maior do que o estado norte-americano do Texas.
O país, com 78 milhões de habitantes, tem desempenhado um papel fundamental na crise de migrantes na Europa, tendo recebido dois milhões de refugiados sírios.
Membro da NATO desde 1952 e estrategicamente posicionado para fazer parte na coligação internacional, liderada pelos Estados Unidos, para combater o grupo extremista Estado Islâmico, esperou quase um ano para se juntar aos ataques aéreos contra a Síria e para abrir a sua base aérea aos norte-americanos.
A Turquia tem criticado a intervenção Rússia na Síria, que tem provocado vários incidentes no seu espaço aéreo ao longo da fronteira.
Na capital do país, Ancara, vivem cerca de cinco milhões de pessoas. Em Istambul, centro industrial e comercial e maior cidade do país, vivem cerca de 15 milhões de pessoas.
A República da Turquia foi criada em 1923, depois do colapso do império Otomano no final da Primeira Guerra Mundial.
O fundador da república Mustafa Kemak Ataturk foi presidente até à morte, em 1938. O seu sucessor Ismet Inonu introduziu o multipartidarismo em 1946.
Em 1997, o exército turco forçou o mentor do atual Presidente do país a abandonar o poder.
O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de cariz islâmica, chegou ao poder em novembro de 2002.
O atual Presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, foi primeiro-ministro entre 2003 e 2014, quando se tornou o primeiro chefe de Estado turco a ser eleito diretamente pelo povo.
Desde julho de 2015, que a Turquia tem sofrido um aumento da violência com o regresso do conflito com os curdos.
O cessar-fogo com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) foi violado em julho do ano passado, quando o Governo lançou uma dupla ofensiva contra os radicais islamitas na Síria e militantes curdos no sudeste da Turquia e norte do Iraque.
Desde 1984, que o PKK lidera uma rebelião armadas que já provocou a morte a 45 mil pessoas.
O Ocidente tem manifestado preocupação com os ataques à liberdade de expressão no país, após ataques a vários órgãos de comunicação social e uma série de acusações contra julgamentos.
Desde meados do ano passado, que a Turquia tem sofrido vários ataques terroristas perpetrados pelo PPK e o grupo extremista Estado Islâmico, que provocaram centenas de mortes.
TPT com: AFP// Murad Sezer//Reuters//JN//Fotos de: Sedat Suna/EPA//15 de Julho de 2016