Hillary Clinton vai ser uma candidata escolhida por convenção em estado de guerra

Apoiantes de Bernie Sanders contestam elites e presidente demissionária do partido. Referem que teor das mensagens confirma as denúncias feitas ao longo das primárias.

 

 

Era para ser a convenção perfeita, a reunião dos democratas que se iniciou ontem à noite no Centro Wells, em Filadélfia.

 

 

Hillary Clinton vai ser a primeira mulher nomeada como candidata à Casa Branca por um dos grandes partidos nos Estados Unidos, o que sucede após uma renhida batalha eleitoral com Bernie Sanders, mas sem a guerrilha de baixo nível e escândalos vários que marcaram as primárias republicanas.

 

 

A atmosfera que se antecipava para a convenção, que decorre na “cidade do amor fraternal”, era em tudo o oposto do verificado na reunião de Cleveland, em que Donald Trump emergiu como candidato republicano às presidenciais de novembro. Ao caos, intervenções virulentas, insultos e declarações desabusadas de vários intervenientes e do próprio Trump, o encontro de Filadélfia seria pontuado por um registo unânime de elogios à candidata – que fará o discurso de aceitação na noite de quinta-feira – e por intervenções proferidas num registo distinto do comum na convenção republicana.

 

 

Isto até serem divulgadas mais de 19 mil mensagens eletrónicas da direção nacional do Partido Democrático, presidida por Debbie Wasserman Schultz, a demonstrarem que este órgão e a sua dirigente atuaram, de forma deliberada e direta, para minarem a campanha de Sanders. Senador pelo estado de Vermont, Sanders, que se define como “democrata socialista”, veio a revelar-se a grande surpresa das primárias democráticas, demonstrando que Hillary Clinton não é consensual nem no seu próprio partido.

 

 

As mensagens, reveladas através do sítio da WikiLeaks, mostram que Schultz e outros membros do partido procuraram encontrar argumentos que reduzissem a aceitação de Sanders entre os democratas e, deste modo, reforçando o voto em Hillary. Schultz, que nunca escondeu o apoio à ex-secretária de Estado, anunciou que abandonava funções, mas só no final da convenção. O que irritou ainda mais os apoiantes de Sanders, que domingo à noite andaram pelas ruas de Filadélfia com máscaras de Schultz e Hillary, empunhando forquilhas para evidenciarem o seu caráter dúplice e traiçoeiro. A campanha de Sanders, que ao longo das primárias exigiu o afastamento de Schultz, reagiu à divulgação das mensagens, martelando a ideia de que “isto vem provar o que sempre dissemos: o processo estava viciado desde o início”. Ontem, The Washington Post revelava que apoiantes de Sanders e outros críticos preparavam uma série de ações de “crítica” e “contestação” às elites do partido e queriam uma votação nominal para Hillary e o seu vice, o senador Tim Kaine com o objetivo de “evidenciar o seu grau de descontentamento”.

 

 

Além de Michelle Obama e da senadora Elizabeth Warren, cujo nome foi mencionado como possível para vice, estava previsto que Sanders usasse da palavra, especulando-se que o poderia fazer num tom distinto do previsto. A campanha de Hillary admitiu ao início da noite não conhecer o teor da intervenção do senador do Vermont.

 

 

O FBI anunciou que está a investigar o caso das mensagens, que está a ser atribuído a piratas informáticos ao serviço da Rússia.

 

 

Comité democrata pede “sinceras desculpas” a Bernie Sanders

 

 

O Comité Nacional Democrático pediu hoje desculpas públicas a Bernie Sanders pelos “indesculpáveis comentários” feitos por e-mail acerca do senador candidato à corrida à Casa Branca trazidos a público numa fuga de informação decorrente de um ataque informático.

 

Hillary Clinton será escolhida por convenção em estado de guerra 2

Em comunicado assinado pelos membros da organização da convenção democrata, que arrancou esta segunda-feira, o comité (DNC na sigla inglesa) pede “sinceras desculpas ao senador Sanders, aos seus apoiantes e a todo o Partido Democrata” pelos referidos e-mails.

 

 

“Estes comentários não refletem os valores do DNC e o nosso compromisso de neutralidade durante o processo de nomeação” do candidato à Casa Branca, lê-se no documento. “O DNC não tolera – nem tolerará – linguagem desrespeitosa acerca dos nossos candidatos. Funcionários individuais também já se desculparam pelos seus comentários e o DNC está a tomar medidas para garantir que tal não volta a acontecer”.

 

 

O portal da Internet WikiLeaks publicou no fim de semana quase 20.000 mensagens eletrónicas trocadas entre janeiro de 2015 e maio de 2016, adquiridos por piratas eletrónicos que alegadamente invadiram as contas de sete líderes do Comité Nacional Democrático.

 

 

Essas mensagens revelam que líderes do partido tentaram prejudicar a campanha de Bernie Sanders, concorrente à nomeação do partido para as presidenciais de novembro.

 

 

O escândalo levou a presidente do Comité Nacional Democrático, Debbie Wasserman Schultz, a anunciar no domingo que se demitirá do cargo no final da convenção.

 

 

A convenção democrata que começou esta segunda-feira deverá nomear Hillary Clinton como candidata do partido às eleições presidenciais norte-americanas.

 

 

Críticas de Sanders ameaçam convenção da unidade

 

 

Depois de uma semana dominada por Donald Trump e o show da convenção republicana, ontem foi a hora de os democratas subirem ao palco na convenção que vai confirmar Hillary Clinton como a primeira mulher candidata à Casa Branca por um dos principais partidos. Pelo Wells Fargo Center de Filadélfia vão passar desde o presidente Barack Obama ao ex-rival de Hillary Bernie Sanders, da atriz Eva Longoria ao antigo presidente Bill Clinton. Na quinta-feira será Chelsea Clinton a apresentar a mãe, cujo discurso de nomeação se espera acabar com as divisões com os apoiantes de Sanders e unir o partido para a batalha contra o republicano Trump nas eleições de novembro.

 

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O objetivo principal da candidata democrata é claro: evitar que a convenção democrata repita os momentos de tensão e divisão da sua homóloga republicana. Uma hipótese que não parece assim tão remota. Afinal, Bernie Sanders não só criticou a escolha da ex-rival para vice-presidente como exigiu a demissão da presidente do partido, Debbie Wasserman. Numa aparição no programa This Week da ABC News, o senador do Vermont confessou que teria preferido ver Elizabeth Warren, senador do Massachusetts e feroz crítica de Wall Street, no ticket democrata, em vez de Kaine. “Conheço o Tim há muitos anos. É ótima pessoa. Mas é mais conservador do que eu. Teria preferido que a secretária Clinton escolhesse alguém como Elizabeth Warren? Sim, teria”, explicou Sanders, um autodenominado “socialista democrático” cujo discurso antissistema conquistou os jovens e a classe média nas primárias.

 

 

Quanto a Wasserman, o senador disse não estar “chocado, mas sim desiludido” depois de uma fuga de mais de 19 mil emails, divulgados pela Wikileaks, parecer vir confirmar que a Comissão Nacional Democrata (DNC, na sigla em inglês) favoreceu a candidatura de Hillary durante as primárias – situação que a equipa de Sanders já denunciara. Wasserman anunciou que se vai demitir e não irá presidir à convenção de Filadélfia.

 

 

Perante um início de convenção menos pacífico e conciliador do que a ex-primeira dama gostaria, a campanha de Hillary Clinton denunciou o que diz ser o envolvimento da Rússia na divulgação dos emails pela Wikileaks. “Há provas de que pessoas ligadas ao Estado russo entraram na Comissão Nacional Democrata, roubaram estes emails e temos peritos a dizer que estão a divulgar estes emails para ajudar Donald Trump”, garantiu à CNN o gestor de campanha, Robby Mook. A equipa de Trump reagiu em comunicado enviado ao Washington Post, classificando estas declarações como “uma piada”.

 

 

Em junho, hackers russos terão entrado nos computadores da DNC, um ataque informático que a campanha de Hillary agora relacionado com a fuga dos emails. Quanto ao envolvimento de Moscovo, surge depois de o presidente russo, Vladimir Putin, ter vindo manifestar a sua admiração por Trump e de o candidato republicano ter retribuído os elogios.

 

 

Sondagens, protestos e um apoio

 

 

A perder terreno nas sondagens nacionais – a última, da Gravis, mostra mesmo Donald Trump à frente, com 51% das intenções de voto, contra 49% para a rival democrata -, Hillary sabe que não basta atacar o candidato republicano para ganhar em novembro. Apesar de toda a sua experiência – foi primeira dama, senadora e secretária de Estado -, a candidata democrata continua impopular. E se conta com Tim Kaine para conquistar o voto dos homens brancos e dos independentes, precisa ainda das mulheres. Apesar de o FBI ter concluído que não fez nada de ilegal quando, como chefe da diplomacia (2009-2013) usou o email pessoal, uma sondagem recente para a CBS e o New York Times mostra que 67% dos inquiridos dizem não confiar nela.

 

 

Outro dos desafios de Hillary são os protestos. Apesar da preocupação das forças de segurança, a convenção republicana decorreu na semana passada sem incidentes de relevo. Para estes dias em Filadélfia são esperados mais de 50 mil manifestantes que se deverão concentrar no FDR Park, em frente ao Wells Fargo Center onde se reúnem os delegados democratas. E a larga maioria dos que irão participar nos protestos deverão ser apoiantes de Sanders. Mas também estão previstas manifestações de grupos anti-gays ou pela paz mundial. A organização Black Lives Matter, que tem organizado protestos contra as mortes de jovens negros por polícias, ainda não esclareceu se irá manifestar-se durante a convenção. Na zona em torno da convenção estão proibidas mochilas, balões, paus de selfie, armas e explosivos.

 

 

A poucas horas do início da convenção, Hillary recebeu ontem uma boa notícia: entre os oradores estará Michael Bloomberg. O ex-mayor de Nova Iorque, que chegou a ponderar uma candidatura a estas presidenciais, irá dar o seu apoio à ex-primeira dama.

 

 

Uma Hillary mais avó, um partido mais à esquerda e um país mais dividido

 

 

Há oito anos, Hillary Clinton tinha tudo para ganhar: um apelido de peso, uma máquina partidária bem oleada, uma vasta experiência como primeira dama e depois senadora e até um ex-presidente como marido. Mas perdeu. Perdeu a nomeação democrata para um jovem e pouco conhecido Barack Obama, cuja mensagem de mudança conquistou o partido e depois o país, fazendo dele o primeiro presidente negro dos EUA ao vencer as presidenciais de 2008.

 

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Passados oito anos, Hillary Clinton sabe que esta é a sua última oportunidade de cumprir o sonho de se tornar na primeira mulher presidente dos EUA. Afinal tem 69 anos e uma nova candidatura em 2020, com uma nova derrota pelo meio, é quase impensável. Para garantir a nomeação democrata, a mulher que pelo meio juntou a chefia da diplomacia ao currículo, soube mudar de estratégia: mais próxima do eleitor, sem medo de jogar com o facto de ser mulher e avó (a filha Chelsea acaba de lhe dar o segundo neto) ao mesmo tempo que sublinha uma experiência sem igual entre os candidatos. Hoje, após meses de luta contra Bernie Sanders pela nomeação democrata, Hillary vê começar a convenção que a vai confirmar como candidata democrata. Resta saber se esta estratégia chega para derrotar Donald Trump em novembro e tornar o sonho da presidência realidade.

 

 

Uma viragem à esquerda para ficar na Casa Branca?

 

 

Em 2008, eram uns Estados Unidos cansados de oito anos de Administração do republicano George W. Bush que iam a votos. Oito anos de “guerra ao terror” depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001, de guerras no Afeganistão e no Iraque, de uma economia ainda em choque com o que viria a ser uma crise financeira global para a qual o mundo despertara com a falência do banco Lehman Brothers.Neste cenário, não espanta pois que a América tenha aderido à mudança prometida por Obama, ao Yes We Can (Sim, podemos!) que se tornou seu slogan. Passados oito anos, a Al-Qaeda deu lugar ao Estado Islâmico como maior ameaça à segurança mundial e a pior da crise financeira parece estar para trás – mesmo se o brexit veio criar um novo desafio aos aliados europeus dos EUA. Mas quem esperava que esta corrida à nomeação fosse um passeio para Hillary não contava com o aparecimento de Bernie Sanders. O senador do Vermont, com o seus 74 anos e um discurso antissistema fez o impensável: conquistou os jovens e classe média, venceu caucus e primárias e deu luta até ao fim. Acabou por declarar o apoio a Hillary. Mas os seus apoiantes – e são muitos – esperam ver no programa da candidata democrata pelo menos algumas das ideias de Sanders, um autodenominado “socialista democrático”. E os votos desta ala mais à esquerda, a ala que desconfia das ligações de Hillary a Wall Street e denuncia as décadas que esta passou na mais alta esfera do poder, serão essenciais para derrotar Donald Trump em novembro.

 

 

Uma América dividida e um rival incendiário

 

 

Nas últimas semanas foram várias as mortes de jovens afro-americanos por polícias brancos. E vários também os consequentes ataques contra agentes por parte de atiradores negros que se queriam vingar por o que consideram ser a violência policial excessiva sobre a sua comunidade. Este episódios violentos vieram revelar profundas tensões raciais na América e tornaram-se assunto da campanha para as presidenciais. Apressando-se a culpar os democratas – de Obama a Hillary – pela atual situação, Donald Trump decidiu apresentar-se na convenção republicana como o candidato da “lei e da ordem”. O milionário garante ser o único capaz de repor a segurança nos Estados Unidos. Para isso tem várias propostas, desde construir um muro na fronteira com o México para travar a entrada de imigrantes ilegais (traficantes e violadores”, segundo o candidato republicano) até “derrotar os bárbaros do Estado Islâmico”, passando por banir os muçulmanos de entrarem nos EUA. Diante da retórica beligerante do adversário republicano, Hillary apresenta-se como a candidata do equilíbrio e da sensatez. Até a sua escolha para candidato a vice, o senador Tim Kaine da Virgínia, um homem experiente que gosta mesmo de se definir como “aborrecido”, reforça a tentativa de apresentar o ticket democrata como o anti-Trump. Mas num país tão dividido como são os EUA neste momento, resta saber se a sensatez prevalece sobre a mensagem incendiária.

 

 

TPT com: The Washington Post//CNN//Tracie Vanauken//EPA //Debbie Wasserman Schultz//Reuters//Gary Cameron//Reuters// Abel Coelho de Morais//Helena Tecedeiro//DN//26 de Julho de 2016

 

 

 

 

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