Michael Phelps, o maior do Olimpo acabou como queria no Rio de Janeiro

Acabou. Vão deixar de ouvir-se aquelas chapadas monumentais nos costados, cortesia das palmas das suas enormes mãos, quando esboça os últimos movimentos antes das corridas. Michael Phelps fechou a loja no Rio de Janeiro, com os olhos a brilhar, carregados de lágrimas por cair — venceu os 4x100m estilos. A natação ficou órfã do maior dos maiores. Ele garante que não será como em 2012 e que desta é de vez. O menino com olhar assustado que começou nos JO em 2000, com um quinto lugar, deu lugar a um super-homem com 28 medalhas. É o maior atleta olímpico da história.

 

 

Este conto de fadas começou em 1992, quando tinha sete anos. A natação nem sabia a sorte que lhe tinha saído. Começou a ganhar provas em garoto, desatou a varrer recordes. Os Jogos Olímpicos de Sidney seriam o primeiro grande palco para o menino de 15 anos, que se tornaria viciado em vencer. Não havia um nadador norte-americano tão novo em Jogos desde a década de 30. Ficou em quinto lugar.

 

 

Em 2004, na Grécia, a “Bala de Baltimore” colocou o seu nome no mapa. Venceu seis medalhas de ouro e mais duas de bronze, que o transformavam no segundo melhor atleta olímpico da história, só atrás de Mark Spitz, o norte-americano do bigode impecável. Spitz, também ele nadador, venceu sete medalhas de ouro em 1972, nos JO de Munique, que ficaram marcados pelo atentado à comitiva israelita.

 

 

Quatro anos depois, a lenda cresceu ainda mais. Michael Phelps meteu no bolso oito ouros em Pequim. Oito. Na caminhada para esses Jogos ganhou 17 medalhas de ouro em Campeonatos do Mundo. Coisa pouca. Em 2012 o TGV Phelps não abrandou assim tanto: quatro ouros e duas medalhas de prata. Acabava de passar as 18 medalhas da ginasta Larisa Latynina. Em Londres o nadador prometeu um ponto final.

 

 

Foi na ressaca da glória que as coisas começaram a complicar. Droga, álcool e comportamentos de risco por parte do atleta começaram a encher as manchetes dos jornais. Phelps perdeu patrocínios e manchou o nome. Chegou a ser detido e condenado a um ano de prisão por conduzir sob o efeito do álcool. O norte-americano frequentou os Alcoólicos Anónimos e grupos de reabilitação. “Eu estava num lugar muito escuro e nem sequer queria viver”, chegaria a dizer em entrevista à Sports Ilustrated.

 

 

Por tudo isso seria impensável o que acabou por acontecer. É digno de um filme de Hollywood, daqueles em que dizemos que as coisas foram um bocadinho exageradas. Phelps meteu na cabeça que voltaria no Rio de Janeiro, para competir entre os grandes e para engordar o seu museu. O discurso era comedido, mas Phelps é Phelps…

 

 

E o show começou, com o Estádio Aquático Olímpico quase sempre cheio para o ver. É fascinante como as pessoas querem ver o gigante continuar a ser gigante, a agigantar-se. As pessoas queriam Phelps de volta, aquele viciado em ouro, deixando para trás os problemas pessoais.

 

 

O Brasil trouxe-lhe a alegria outra vez. Ele admitiria, após a última corrida, que pela primeira vez foi ele próprio, sem máscaras, sem truques. Achou que teria de ser assim, transparente. “O que mais mudou foi que me viram. Nunca me tinham visto. ‘O mundo vai ver quem eu sou’, decidi. Eu acho que o mostrei”, diria na conferência de imprensa após a conquista da 28ª medalha (23ª ouro).

 

 

O desporto despede-se agora da maior lenda que já viu. Quem teve a sorte de lhe tirar a pinta de perto, viu alguém que estava a desfrutar, alguém honesto, com prazer naquelas lutas diárias. Falou no futuro, respeitou a modalidade que pratica desde 1992 e deu moral aos garotos, que andam a desenterrar fotografias com ele, o ídolo de infância. Phelps acabou como queria, sendo rei. A natação nunca mais será a mesma.

 

Foi uma bela viagem, Michael…

 

 

 

Michael Phelps duvida de finais com toda a gente “limpa”

 

 

 

Agora sim, foi mesmo o adeus. Michael Phelps deu uma última conferência de imprensa no Rio de Janeiro, para fazer o rescaldo da noite em que conquistou a 28.ª medalha olímpica da carreira, a 23.ª de ouro, na prova de 4x100m estilos.

 

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O nadador norte-americano falou da família, disse que quer continuar ligado à natação, e mesmo a terminar vincou a necessidade de mudanças no combate ao doping.

 

 

“Algo tem de mudar. Não só a natação, mas todos os desportos, têm de pensar no que se está a passar. Há crianças que olham para os atletas como exemplos, e eles têm o dever de competir limpos. Quem não o faz deve pagar o preço. É preciso haver uma resposta dura. Alguém tem de fazer uma mudança. Não sei se alguma vez terei estado numa final em que toda a gente estivesse limpa”, afirmou Michael Phelps.

 

 

Foi a resposta que encerrou a conferência de imprensa que a “Bala de Baltimore” deu neste domingo, na qual voltou a mostrar-se orgulhoso pelo seu percurso na natação: “Esta noite dormi, em Londres (quando se retirou pela primeira vez) não consegui dormir muito. Não é que esteja aliviado, mas sinto-me contente pela forma como a minha carreira terminou. E isso não é algo que pudesse dizer em Londres. Era assim que queria ter-me retirado há quatro anos. Fico feliz por ter regressado, teria ficado muito frustrado se não tivesse feito isto. Quando fui fazer o primeiro aquecimento, antes de meter os óculos, não consegui evitar começar a chorar. (emociona-se) Estou orgulhoso, e não poderia dizê-lo há quatro anos.”

 

 

“Vou guardar os 200m mariposa aqui no Rio de Janeiro como talvez a melhor corrida da minha vida”, confessou Phelps, desdramatizando a hipótese de um dia alguém bater o seu recorde de medalhas. “Gostaria de ver alguém superar-me, é disso que o desporto é feito. Se acontecer, aconteceu. Os recordes são feitos para ser batidos. Há-de acontecer, não sabemos é quando”, disse.

 

 

“Terminei de competir, mas isto não significa o fim da minha carreira. É o início de algo novo. Esta foi a última vez que me viram na água a competir”, prosseguiu Phelps, que vai dedicar-se ao ensino da natação com o seu treinador de sempre, Bob Bowman: “Vai ser diferente. Vou ter de aprender a ser paciente. Quero sempre que as pessoas percebam as coisas à primeira. Será um processo de aprendizagem para mim. Mas a natação vai fazer parte da minha vida para sempre.”

 

 

Phelps também falou do assalto de que foram vítimas Ryan Lochte e outros três nadadores da equipa norte-americana na madrugada de domingo: “Fiquei perplexo. Não sei muitos detalhes. O comité olímpico e a federação garantem sempre a segurança. Já vim ao Brasil várias vezes e nunca me senti inseguro.”

 

 

“A minha família é a coisa mais importante do mundo. Ter filhos é algo de que eu e a Nicole falávamos há muito tempo. O Boomer cresceu muito. Ontem à noite mudei-lhe a fralda. Ele sorriu para mim e fiquei com lágrimas nos olhos. Vê-lo a sorrir para mim… é algo que quero vê-lo fazer muitas vezes de agora em diante. Quero brincar com ele, quero levá-lo àbola, quero ajudá-lo a concretizar os sonhos. Quero estar lá em todos os momentos, não quero perder nada”, concluiu Phelps.

 

 

Depois levantou-se e, em jeito de despedida, atirou enquanto saía: “Foi a última vez, não vão voltar a ver uma destas durante muito tempo. Até à vista!”

 

 

 

“Vivi um sonho que se tornou realidade”, diz Phelps na despedida

Michael Phelps despediu-se das piscinas e da competição com o sentimento de dever cumprido. O ouro na prova de 4x100m estilos nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro deu ao nadador norte-americano a 28.ª medalha da carreira e o 23.º título olímpico. “É a cereja no topo do bolo que eu queria. Não podia estar mais contente”, confessou.

 

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Ele era o homem da noite e foi por ele que toda a gente estava à espera. Ninguém arredou pé do Estádio Aquático Olímpico, mesmo quando a cerimónia de pódio se atrasou. Todos queriam ver Michael Phelps subir, pela última vez, ao degrau mais alto e ostentar uma medalha de ouro ao pescoço. De olhos húmidos enquanto ouvia o hino, o nadador não escondeu as emoções. “Ao entrar na piscina esta noite as emoções começaram a vir à superfície. Foi muito mais emocional do que em 2012, mas acho que isso é bom. Posso olhar para a minha carreira e ver que consegui alcançar tudo o que queria”, sublinhou Phelps, acrescentando: “Tudo começou com um miúdo a nadar, e acabou por ser uma coisa espectacular. Vivi um sonho que se tornou realidade. Era algo que queria há tanto tempo. E poder terminar nestes Jogos foi a forma perfeita.”

 

 

Phelps iniciou um novo ciclo de ouro para o Team USA

 

 

Onde estão guardadas as medalhas? Phelps não revelou, porque isso é algo que não partilha com quase ninguém. “Talvez haja duas ou três pessoas no mundo que saibam. Se o meu filho poderá levá-las para a escola para as mostrar? Oh, não sei… talvez o deixe levar uma. No outro dia ele estava a chorar, mas assim que comecei a balançar uma medalha à frente dos olhos ele sossegou”, contou o nadador.

 

 

Phelps exibiu, com os companheiros da estafeta, uma faixa de agradecimento ao Rio de Janeiro. E admitiu que a semana que viveu foi “uma loucura”. “O mais importante nestes Jogos? É o mundo estar a ver-me como realmente sou. Aconteceram tantas coisas incríveis, dia após dia. Estou sem palavras.”

 

 

“Todas as medalhas são especiais, de certa maneira. Não sei qual é a minha medalha favorita. É demasiado cedo para dizer, nem sei se consigo escolher uma”, prosseguiu Phelps, confessando que depois da prova que encerrou a jornada nocturna deste sábado no Rio de Janeiro pensou na importância do número 23. Não só representa o total de medalhas de ouro que conquistou em Jogos Olímpicos, mas também a camisola que Michael Jordan usava. “Ele foi uma inspiração para mim em toda a minha carreira. Ver o que ele fez no basquetebol levou-me a querer fazer o mesmo na natação. Estava a pensar nisso hoje, depois da estafeta. O número 23 é especial, sempre foi. E vai continuar a ser”, disse.

 

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Phelps mostrou-se entusiasmado com a etapa que se segue: “Vou começar o próximo capítulo da minha vida. Vou retirar-me, mas não acabei para a natação. É o início de algo novo. Tudo na vida acontece por uma razão específica e eu não mudaria nada. Agora estou no melhor sítio em que alguma vez estive na minha vida. Tenho uma família fantástica, estou feliz a maior parte do tempo. Só há problemas quando tenho fome”, gracejou.

 

 

Quanto ao futuro da natação, Phelps destacou os novos valores que estão a surgir. “O Ryan Murphy mostrou-me uma foto que tirei com ele em 2004. Estas fotografias estão todas a aparecer agora, quando os outros tinham 8, 9, 10 anos…”, disse em referência a Joseph Schooling, de Singapura, que o bateu nos 100m mariposa e cresceu a idolatrá-lo. “É entusiasmante ver o que o futuro vai trazer, há muitos nadadores entusiasmantes, a Katie Ledecky, o Adam Peaty, o Ryan Murphy. Não é só um ou dois países, é por todo o lado. Estou muito orgulhoso por ver que é assim e vai continuar a crescer.”

 

 

Joe conheceu o herói Phelps em 2008. Agora roubou-lhe o ouro

 

 

Numa perspectiva mais pessoal, o nadador mostrou-se satisfeito pela possibilidade de passar tempo com a família. “A Nicole (noiva de Phelps) e eu estamos muito entusiasmados, queremos ser os melhores pais que conseguirmos. Será fantástico fazer parte da vida do Boomer (o filho de ambos) todos os dias, ver o que lhe posso ensinar. Será uma experiência nova, pela qual estamos muito entusiasmados. Queremos continuar a construir uma família. Quero passar cada dia com eles”, concluiu Phelps.

 

“Outro Phelps? Não!”

 

 

Também presente na conferência de imprensa, o treinador Bob Bowman deixou elogios a Michael Phelps pela coesão que cultivou na equipa. O nadador foi pela primeira vez capitão da equipa (e porta-estandarte dos EUA na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro) e “fez um grande trabalho”, sublinhou o técnico.

 

 

Nem ando à procura. Ele é demasiado especial, não é algo que aconteça uma vez numa geração, é mais uma vez em dez gerações. Tinha as capacidades certas, a família, o clube. Ele tem capacidade emocional para ter melhores desempenhos sob pressão. Mas temos valores como a Katie Ledecky, o Ryan Murphy”, enumerou Bowman.

 

 

Phelps, que antes de entrar na sala trocou um abraço sentido com o técnico, destacou a ligação que os dois têm: “É toda uma carreira, estou com o Bob há 22 anos. Foram 22 anos incríveis. E conseguir terminar assim, pode dizer-se que foi especial.”

 

 

Antes, tinha passado pela sala o jovem Ryan Murphy, companheiro de Phelps na estafeta 4x100m estilos que deu ao homem conhecido como “Bala de Baltimore” a derradeira medalha olímpica. “Pressão? Foi a prova mais vista, por ter sido a última do Michael”, reconheceu.

 

 

“Seja em que país for, a natação está em dívida para com o Michael”, acrescentou Murphy, lamentando a retirada do companheiro: “Se fosse eu, e estivesse no topo, seria difícil afastar-me. Mas o que mais pode ele alcançar? A não ser que queira chegar às 30 medalhas…”

 

 

 

TPT com: AEP//Reuters//Hugo Tavares da Silva//Observador//Martin Boreau//AFP//Tiago Pimentel//Público//Michael Dalder//Reuters//15 de Agosto de 2016

 

 

 

 

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