O bronze da judoca Telma Monteiro ‘coloriu’ a prestação portuguesa nos Jogos Olímpicos Rio2016, num conjunto de resultados em que ‘sobraram’ diplomas e lágrimas, faltaram medalhas e foram bem mais os que sobressaíram do que os dececionaram.
No geral, Portugal mostrou ter poucos atletas capazes de lutar por medalhas, mas muitos, em variadas modalidades, com qualidade, mesmo sem as condições de outros, para se baterem por muito honrosos lugares no ‘top 10’ – chegaram lá 19 e um recorde de 10 entre os seis melhores.
O ‘falhanço’ do canoísta Fernando Pimenta, que não logrou a anunciada medalha em K1 1.000 metros, ficando a sensação que a teria arrebatado com Emanuel Silva em K2, e as desistências – foram poucas – das maratonistas Sara Moreira e Jéssica Augusto foram o mais negativo, juntamente com a vela, de novo sem qualquer ‘Medal Race’.
Ainda assim, manteve-se a média de uma medalha por jogos, com 24 (quatro de outro, oito de prata e 12 de bronze) em 24 participações, com a segunda melhor pontuação de sempre: 41 pontos (de oito a um pontos do primeiro ao oitavo), contra os 44 de Atenas2004, a contrastar com 78.º lugar no ‘medalheiro’, o pior registo desde o ‘zero’ de Barcelona1992.
Em termos de modalidades, o judo ‘vence’, à custa do bronze de Telma Monteiro, mas foi a canoagem que voltou a apresentar o melhor conjunto de resultados, com um quarto lugar (K2 1.000), um quinto (K1 1.000) e um sexto (K4 1.000), contra os três sextos do atletismo, dois no triplo salto (Nelson Évora e Patrícia Mamona) e um nos 20km marcha (Ana Cabecinha).
O quinto lugar de Marcos Freitas, no ténis de mesa, da equipa de futebol, que veio muitíssimo desfalcada, e de João Pereira, no triatlo, e o sétimo do ciclista Nelson Oliveira, no contrarrelógio, merecem também nota muito alta.
Mais atrás, menção honrosa para Rui Bragança, com um nono lugar que devia ser quinto no taekwondo, e a cavaleira Luciana Diniz, demasiado penalizada por apenas um toque na final de saltos de obstáculos, que a atirou para nona.
Ainda no ‘top 10’, ficaram os judocas Sergiu Oleinic e Joana Ramos, Susana Costa, no triplo salto, Rui Costa, na prova de estrada de ciclismo, o par de ténis, composto por João Sousa e Gastão Elias, e a equipa de ténis de mesa, azarada no sorteio, que lhe colocou logo pela frente a Áustria.
Uma palavra de elogio também para os veteranos João Costa, que falhou por muito pouco as duas finais de tiro, e João Rodrigues, o porta-estandarte da Cerimónia de Abertura, o melhor da vela, com o 11.º lugar em RS:X.
Destaque ainda para o melhor resultado de sempre na ginástica artística, por Filipa Martins, o primeiro triunfo no ténis, selado por Gastão Elias e repetido por João Sousa e o par, e os recordes do nadador Alexis Santos.
Quanto ao badminton, a qualidade dos adversários não ‘deixou’ avançar Pedro Martins e Telma Santos, e os golfistas, os primeiros de sempre de Portugal, numa modalidade que regressou 112 anos depois, estiveram infelizes, acima do par, com Filipe Lima melhor do que Melo Gouveia, que foi último.
Presidente do COP assume responsabilidade por resultados aquém dos objetivos no Rio2016
“Creio que neste momento aquilo que é importante é avaliarmos os resultados alcançados e os resultados alcançados ficaram aquém das nossas expetativas”, disse à comunicação social o líder do COP, um dia após o encerramento dos Jogos, em que Portugal conquistou uma medalha de bronze, através da judoca Telma Monteiro.
Manifestando-se dividido, por um lado “feliz, satisfeito, pelo empenho, pelo esforço, pela dedicação, pela forma como a missão viveu nestes Jogos”, José Manuel Constantino diz, por outro lado, ter a obrigação, perante o país, de reconhecer que os objetivos não foram atingidos.
“O presidente do COP assumiu um compromisso quando celebrou com o Governo um programa de apoio à preparação olímpica. (…) Não há outro responsável. O primeiro responsável pelo facto de os objetivos não terem sido atingidos sou eu. (…) Não tenho de me queixar do Governo, nem deste nem do anterior. (…) Se tenho de me queixar, é de não ter sido suficientemente capaz de mobilizar todos aquele que envolvem a participação numa missão olímpica, para que os resultados pudessem corresponder áquilo que tínhamos estimado”, afirmou.
Eleito em março de 2013 para suceder a Vicente Moura, José Manuel Constantino disse ter já uma decisão tomada sobre o futuro, mas escusou-se a dizer se vai continuar no cargo no ciclo olímpico que termina com os Jogos de 2020, Tóquio.
“Acho que tenho a obrigação de lealdade e de respeito de ser a Comissão Executiva a primeira entidade a que devo dar conta quer da avaliação, quer do balanço, quer da minha decisão relativamente ao futuro. Tenho uma decisão tomada sobre o futuro”, assumiu.
O presidente do COP não desvaloriza a qualidade de alguns dos resultados obtidos no Rio de Janeiro, que considera extraordinários, mas insiste que as metas não foram alcançadas: “Nós tínhamos definido duas posições correspondentes aos três primeiros lugares [medalhas], conseguimos uma. Tínhamos definido 12 posições correspondentes aos lugares compreendidos entre o quarto e o oitavo, conseguimos 10. E tínhamos previsto entre o nono e o 12.º cerca de 12 posições e conseguimos 15. Portanto, dos três objetivos, apenas um foi cumprido”, detalhou.
Além da medalha de Telma Monteiro, a canoagem conseguiu um quarto lugar (K2 1.000), um quinto (K1 1.000) e um sexto (K4 1.000), no atletismo registaram-se dois sextos no triplo salto (Nelson Évora e Patrícia Mamona) e um nos 20 km marcha (Ana Cabecinha), enquanto Marcos Freitas, no ténis de mesa, João Pereira, no triatlo, e a seleção de futebol ficaram em quinto e o ciclista Nelson Oliveira foi sétimo no contrarrelógio.
Nas modalidades que à partida via com potencial para conquistar medalhas, a que mais desiludiu o presidente do COP foi o ténis de mesa, mas somente na vertente por equipas, em que foi eliminada na primeira ronda, perante a Áustria, campeã europeia.
“Relativamente ao Marcos Freitas, o comportamento foi extraordinário. O quinto lugar é extraordinário nos Jogos Olímpicos. (…) Eu faço uma avaliação em função dos objetivos que nós determinámos. E em função dos objetivos que determinámos, o resultado fica aquém daquilo que era estimando. Isso não significa que não tenham sido alcançados resultados como os referidos, que têm uma valor extraordinário”, explicou.
Chefe de Missão minimiza falta de medalhas nos Jogos Olímpicos
José Garcia, chefe de missão de Portugal nos Jogos Olímpicos, minimizou a falta de medalhas da delegação portuguesa no Rio de Janeiro. Em declaraçoes aos jornalistas após a final da Canoagem K4 1000 metros, em que Portugal terminou no sétimo lugar, este sábado, o dirigente afirma que esta foi “a melhor participação de sempre em termos de resultados nos seis primeiros”.
O balanço é positivo. Temos uma participação que é a melhor de sempre em termos de resultados nos seis primeiros: temos dez. Temos uma medalha, a da Telma Monteiro, uma medalha merecida não só porque ela tem um currículo desportivo extremamente rico, mas também porque tem um nível que o comprovou. Além disso, temos uma missão que participou em 58 competições, e que das quais levamos daqui uma série de resultados com relevância”, justificou.
Garcia cita alguns dados que demonstram a melhoria nos resultados da delegação portuguesa em relação aos Jogos Olímpicos anteriores. “Destes sextos lugares, temos dez e dobramos Londres, quando tínhamos cinco. Por exemplo, em Atenas tivemos sete, Sidney [terminamos] com cinco. Das 58 provas que participamos, em onze delas conseguimos o diploma [olímpico], em 17 delas ficamos nos 10 primeiros, em 22 provas ficamos nos 16 primeiros. Portanto, revela-se uma melhoria no nível desportivo da equipa portuguesa”. O dirigente relembra ainda que “resultados de duas medalhas [na história dos Jogos Olímpicos] só aconteceram cinco vezes e resultados de três medalhas aconteceram três vezes”
Garcia reconhece, no entanto, que o país “não deu a melhor condição para os seus atletas comparado com outros países”. “Mas aquilo que se faz, fez-se bem”, comemora. “Há que relevar o fato de que há atletas que vieram aqui pela primeira vez e que são jovens, que participaram, que se empenharam e tentaram concretizar os seus sonhos”, defende.
Questionado se há perspetiva de melhoras nos resultados para o próximo ciclo olímpico, disse acreditar que esta é uma questão de “foro político”. “Caberá ao Secretario de Estado de Desporto e Juventude, ao Comité [Olímpico de Portugal], às federações, definir o melhor caminho para o desporto em Portugal”, sentenciou.
Garcia minimizou as críticas que alguns atletas portugueses fizeram sobre a falta de investimento do governo ao desporto de alto rendimento, citando o caso de Rui Bragança, no Taekwondo, que afirmou que só percorreria novamente o caminho olímpico “se houver condições”. “Ele referiu que já não consegue mais aguentar esta situação, que sem o apoio dos pais não conseguiria, mas também disse que sem o apoio da bolsa do próprio comité olímpico não tinha chegado aqui onde chegou. Estamos empenhados em criar as melhores condições para que eles consigam prolongar este apoio, porque seria uma grande perda para Portugal.”
O chefe de missão disse ser otimista quando ao futuro do desporto olímpico do país e faz um pedido aos portugueses: “Aqueles que, durante estes quatro anos, não acompanharam as nossas competições, não assistiram as competições dos nossos atletas, que o façam cada vez mais e que ajudem a valorizar o papel que estes atletas têm realmente em Portugal.”
Jogos Olímpicos. Portugal é mesmo uma casa (desportiva) onde não há pão?
Os atletas olímpicos pedem mais apoios ao Estado. E o Estado responde que não tem mais do que os que dá. Esta é uma história “com barbas” e que tem tido (alguns) epílogos felizes. Sorte? Superação?
No Rio2016, Nelson Évora não foi de meias palavras: “Vou ser sempre uma voz ativa para mudar as coisas. Não sou de dizer o que é melhor para o meu bolso; direi sempre o que é melhor para o atletismo”
Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. E entenda-se por “pão” — trazendo o ditado para o presente e o Rio2016 — as medalhas. Ou a ausência destas. Mas entenda-se sobretudo por “pão”, hoje, a ausência de tudo, ou de quase tudo, nas condições de treino, nos apoios financeiros, uma ausência de que os atletas olímpicos se queixam, culpabilizando o Estado. O Estado, por sua vez, afirma que está a fazer o possível para que tudo mude, que muito fez até aqui e muito mudou, e que mais não faz por faltar “pão”. E desta feita o “pão” é o mesmo que falta a todas as “mesas”, a dos atletas em particular, do país em geral: dinheiro.
Para alguns, portugueses comuns, os Jogos Olímpicos foram uma desilusão. Medalhas só houve uma, no singular, o bronze de Telma Monteiro no Judo. Mas a participação olímpica de Portugal no Rio2016 não foi uma desilusão. Quanto a resultados, e mesmo sem mais medalhas para trazer ao peito na volta, nunca Portugal teve tantos e tão bons resultados, com vários atletas a conseguirem diplomas olímpicos, ou seja, a chegar a finais e concluí-las nos oito primeiros lugares.
Mas mesmo os “desiludidos” deram por si, à hora de almoço, madrugada dentro, às vezes à tardinha, quando Agosto é mês de férias e de praia, de olhos colados na TV, para ver Filipa Martins na ginástica – ainda que para muitos um conner spin ou um backflip sejam pontas-de-lança paraguaios do Benfica bê –; para ver Nelson Évora superar o calvário das lesões e tentar reeditar o ouro de Pequim2008; para ver Rui Bragança no taekwondo, estranhando-lhe toda aquela “coreografia” de pontapés no ar e gritinhos de mister Miyagi; ou, por fim, para ver Luciana Diniz e a égua Fit for Fun 13, a saltarem até à última pelas medalhas.
Muitos dos que os viram, dos que por eles torceram, nunca antes o haviam feito. Portugal não é, quer queiramos quer não, um país que tradicionalmente apoie o desporto. Portugal é um país de futebol, ponto. É pelo menos nisso que acredita o canoísta Fernando Pimenta, quando dele se exigiu uma medalha e acabou traído pelas algas.
“Há pessoas que talvez só se preocupem com modalidades na altura dos Jogos Olímpicos. E provavelmente nunca viram desporto sem ser o futebol”, lembrou Pimenta. E acrescentou: “Eu gostava que todas as modalidades não conquistassem diplomas, conquistassem medalhas. Mas, como o Rui Bragança referiu, enquanto a cultura desportiva em Portugal não melhorar em termos de apoios privados – e não falo só na canoagem, mas em nome de todas as modalidades -, é difícil.”
Do taekwondo ao triatlo, da natação ao triplo salto: todos querem mais para ser melhores
Falemos então, e à boleia de Pimenta, de Rui Bragança. Poucos como Bragança foram tão críticos do Estado e do apoio (ou falta dele) que este dá aos atletas. Rui Bragança foi duas vezes o melhor da Europa. Ainda é o campeão em título. Foi vice-campeão Mundial (na categoria -58kg) de taekwondo. À parte de ser atleta, é também estudante de medicina.
E embora os 24 anos lhe permitam ambicionar a mais na modalidade, quem sabe a uma medalha em Tóquio2020, Bragança pondera deixar de competir e dedicar-se, em exclusivo, à saúde e à profissão de médico. É que tudo a quanto vai, tudo quanto vence, é pago do seu bolso. Ou do bolso dos pais. E fez questão de o relembrar no final da sua participação no Rio de Janeiro.
“Os últimos dois anos para a qualificação foram incrivelmente duros. Agora tenho de recuperar, aliviar a cabeça e depois logo se vê. Só vou [aos próximos Jogos Olímpicos] se houver condições. Podia dar, voltar a pedir aos meus pais, mas… Tem a ver com patrocínios, apoios, porque estar a fazer as coisas à maluca e bola para a frente, assim não dá. Pode ser que as coisas mudem depois destes Jogos Olímpicos. Nós andávamos a ir competir em voos low cost, a andar em hostels… Eu e o Nuno [colega de treino] podíamos escrever um livro sobre isso”, lembrou.
Sucediam-se as críticas. O triatleta João Pereira, sexto no Rio de Janeiro, também o foi. “Sinto que para conseguir uma medalha temos de ter melhores condições de trabalho, melhor estrutura”, alertou. Pereira está há uma década a treinar no Centro de Alto Rendimento (CAR) do Jamor. Mas diz que pouco mudou e muito há por mudar.
“Estou no CAR do Jamor há dez anos. Penso que aquilo estava igual há 30 anos e em dez anos não se fez nada de novo. Há novas técnicas de tratamento, como banhos de gelo, massagens, tudo o que possa melhor a recuperação. Em tudo o que seja recuperação, há muito que trabalhar. Sendo aquilo um centro nacional de treino, tinha todo o interesse em ter melhores condições. Se querem medalhas, têm de trabalhar para isso. Tem de haver condições para isso, porque nós fazemos o melhor a cada dia”, argumentou.
É tudo? Não. Na natação, Alexis Santos – o único português, a par do lendário Alexandre Yokochi, a conseguir uma medalha num Europeu; Alexis foi bronze e Yokochi prata – chegou à meia-final dos 200 metros estilos (a primeira em 28 anos) e conseguiu o terceiro melhor resultado português de sempre na modalidade. Mas Alexis Santos foi duro quando saiu da água. E esperançoso:
“Espero que agora haja uma mudança, mais apoio aos atletas, mais condições de treino, que isso é o que falta em Portugal, na minha opinião. E eu sinto na pele essa falta de apoio. Espero que em Tóquio possa ser diferente. Espero estar a lutar com estes atletas de topo, cara a cara, olhando para eles diretamente nos olhos.”
Mas se há voz, mais do que as anteriores, que deve ser escutada – e far-se-á escutar no “poder” –, é a de Nelson Évora, medalha de ouro no triplo salto em Pequim2008.
“Todos os atletas, os grandes atletas portugueses, pedem melhores condições, mas não se veem resultados. Nós sabemos que o poder é que manda nisto tudo. Nós, atletas, só somos válidos, só olham para nós, enquanto estamos na pista, enquanto entretemos as pessoas. É triste, mas é uma realidade. Nunca me vou conformar com isso. Vou ser sempre uma voz ativa para mudar as coisas. Não sou de dizer o que me convém, só porque é melhor para o meu bolso; direi sempre o que é melhor para o atletismo, pelo qual sou apaixonado desde os sete anos de idade”, atirou Nelson de chofre, desde da final em que participou e obteve o sexto lugar.
Aurora Cunha. “No meu tempo é que (não) era bom”
Mas foi sempre assim? Tão mau? Não. Foi pior. Muito pior. Que o diga Aurora Cunha, uma das melhores e mais medalhadas atletas portuguesas de sempre em corta-mato, meio-fundo e fundo. Isto, nas décadas de 1970 e 1980, quando o CAR do Jamor era só árvores e mato.
Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, Aurora conseguiu o 6º lugar nos 3.000 metros. Na maratona, foi a mais duas olimpíadas, em Seul1988 e Barcelona1992, mas haveria de desistir em ambas. À parte disso, foi campeã mundial de estrada em três anos consecutivos — 1984, 1985 e 1986 — e venceu as maratonas de Paris (1988) ou Tóquio (1988). Aos títulos nacionais perdeu-lhes a conta.
Em 1976, o treinador de então, Toninho “Serralheiro”, levou-a, e a mais cinco atletas, aos Nacionais, no Jamor. E ao Diário de Notícias, há poucos dias, Aurora recordou: “Corria porque gostava, nessa altura não sonhava com o que estava para vir. Para nós era uma alegria [ir aos Nacionais], só por irmos à capital. Mas não tínhamos dinheiro para ficar numa pensão ou num hotel, e os nossos pais também não podiam ajudar. Houve um primo do Toninho, que vivia em Monsanto, que se ofereceu para nos deixar ficar em casa dele e da mulher.”
Mas os problemas de Aurora não terminaram aí. “Esse lado estava resolvido. Depois, todas tivemos um problema com os nossos pais, por irmos acompanhadas com um homem casado. Teimámos, mas foi terrível! Um empresário que conhecia a minha irmã sabia das nossas dificuldades e deu-me 7$50 para eu comprar uns sapatos de bicos, que eu até aí corria com umas sapatilhas muito duras, desconfortáveis para correr. Lembro-me de que nem sequer havia o meu número, o 36, mas eu resolvi rapidamente a questão: comprei uns 37 e enchi a frente com jornais, de maneira que o sapato não saísse… E lá fomos, três para os 800 metros, outras três para os 1500″, explicou.
À época, em 1976, Aurora Cunha nunca havia pisado uma pista de atletismo. Corria à volta de um campo de futebol, no clube da terra, o Juventude de Ronfe, de onde se mudaria depois para o FC Porto. “Quando pisámos o tartã, nós não corríamos, voávamos! Sei que logo ali bati o recorde nacional, que era da Rosa [Mota]… Ainda brinquei com os jornalistas, apesar de ser muito tímida, quando lhes disse que tinha ganho por causa da biqueira dos sapatos 37, que chegava primeiro do que eu. Fomos festejar e, no dia seguinte, seguimos para os 3000 metros. Outro recorde nacional, na primeira ocasião que pisava uma pista”, contou Aurora ao Diário de Notícias.
No FC Porto, ganhava mensalmente 1.800 escudos. Um ordenado que lhe servia para comprar os equipamentos desportivos e pagar as viagens para as provas em que competia. Mais: Aurora Cunha, para além de ser atleta, trabalhava também numa empresa têxtil em Ronfe. Começou a trabalhar com 14 anos. E só após os Jogos Olímpicos de Los Angeles se tornou profissional de atletismo e deixou de “pegar todos os dias às oito da manhã”, mesmo voltando (do Porto) a Ronfe a altas horas e depois de treinar na noite anterior à chuva e ao frio.
A propósito de treino, Aurora Cunha chegou a treinar por correspondência. E essa é uma história que recorda muitas vezes: “Sim. Quando o professor Fonseca e Costa deixa o FC Porto e regressa a Lisboa, passámos a treinar por correspondência. Havia uma confiança muito grande entre técnico e atleta. Os planos eram traçados por antecipação e eu cumpria à risca, sabendo que, se não o fizesse, não estava lá o treinador para me chamar a atenção. Mas eu sabia que ele queria o melhor para mim.”
Hoje tudo é diferente do tempo em que Aurora competia. Muitos atletas são profissionais, no atletismo e não só. E os que não são, beneficiam (ainda assim) de uma legislação — Decreto-Lei n.o 123/96 de 10 de Agosto — que lhes reconhece o estatuto de atletas de alta competição. Esta legislação prevê, por exemplo, a isenção de IRS e de Segurança Social, o apoio no pagamento de propinas escolares, bem como patrocínios a longo prazo — como o da Santa Casa da Misericórdia, coordenado pelo Comité Olímpico de Portugal –, um salário mensal ou a inclusão no Centro de Alto Rendimento do Jamor, o tal de que João Pereira do triatlo falou.
Mas pode o Estado fazer mais por estes atletas?
O Estado português diz que “toda a gente reconhece que já estivemos muito pior”
Confrontado com as declarações de Rui Bragança, o Secretário de Estado do Desporto João Paulo Rebelo destacou que os apoios existentes por parte do Governo são os possíveis.
“Parto sempre deste princípio: olhar para trás, ver de onde vimos, onde estamos e, obviamente, ter a ambição do futuro. Os apoios são os que um país da nossa dimensão, com os nossos recursos; acho injusto compararmo-nos com outros países”, respondeu.
E enalteceu depois o atleta do taekwondo: “O que me apraz dizer é que, enquanto membro do Governo, não consigo dizer outra coisa que não seja que nós todos gostaríamos que os apoios fossem muito maiores. Agora há uma coisa que tenho certeza absoluta, o Rui Bragança é um desportista e um jovem que é um exemplo, porque é alguém que tem conseguido ter uma carreira dual, consegue ter um percurso académico exemplar e o desportivo que é muito conhecido por todos.”
O responsável pela tutela do desporto explicou ainda que os apoios são “sempre escassos porque os meios são sempre escassos”, mas salientou que há um esforço “muito grande do Estado em apoiar”. “Se olharmos para trás, certamente que toda a gente reconhece que já estivemos muito pior. Por isso, o nosso caminho no Governo deve ser esse, o da superação e procurarmos cada vez melhor”, reforçou.
Por sua vez, e concluída a participação portuguesa no Rio2016, o Chefe de Missão José Garcia destacou os resultados alcançados: “O balanço é positivo. Temos uma participação que é a melhor de sempre em termos de resultados nos seis primeiros lugares: temos dez atletas. E temos uma medalha, a da Telma [Monteiro].”
Mas Garcia reconhece, no entanto, que o Governo “não deu as melhores condições” aos seus atletas, “comparado com outros países”. “Mas aquilo que se faz, fez-se bem”, atira. Questionado sobre se há a perspetiva de melhorar os resultados para o próximo ciclo olímpico, o Chefe de Missão disse acreditar que esta é uma questão de “foro político”. “Caberá ao Secretario de Estado de Desporto e Juventude, ao Comité [Olímpico de Portugal], às federações, definir o melhor caminho para o desporto em Portugal.”
Quanto às críticas dos atletas, e sobretudo quanto às de Rui Bragança, optou por minimizar a situação: “Ele [Rui Bragança] referiu que já não consegue mais aguentar esta situação, que sem o apoio dos pais não conseguiria, mas também disse que sem o apoio da bolsa do próprio Comité Olímpico [de Portugal] não tinha chegado onde chegou. Estamos empenhados em criar as melhores condições para que os atletas consigam prolongar este apoio, porque seria uma grande perda para Portugal se acabasse.”
António Costa disse que a medalha de Telma merecia companhia
O primeiro-ministro felicitou hoje os atletas portugueses aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro numa mensagem enviada à vice-presidente do Comité Olímpico de Portugal Rosa Mota em que considera que a medalha de Telma Monteiro “merecia companhia.
“A medalha da Telma merecia companhia. Mas todos subiram ao pódio de Portugal. Uma homenagem merecida que não pode ser encoberta na contabilidade das medalhas”, refere António Costa, numa mensagem enviada a Rosa Mota, a que a comunicação social teve acesso.
António Costa saúda também toda a representação olímpica: “Muitos parabéns à representação olímpica. Pela sua dimensão, variedade de modalidades representadas e os resultados coletivamente alcançados, esta foi uma representação de todo o país e não só o fruto do génio de uma ou de um atleta”.
Portugal terminou a sua participação nos Jogos Olímpicos do Rio2016 com uma única de medalha, o bronze de Telma Monteiro no judo, 19 atletas no ‘top 10’ e um recorde de 10 desportistas entre os seis melhores.
TPT com: AFP//Reuters//Lusa//Diário Digital//Observador//SapoDesporto// 22 de Agosto de 2016