Centenas de estudantes reuniram-se na Avenida Paulista na noite de terça-feira para protestar contra a destituição (‘impeachment’) da Presidente com mandato suspenso, Dilma Rousseff.
Ao contrário de outras ações, este movimento foi acompanhado maioritariamente por jovens, que pediam a continuação da chefe de Estado brasileira no poder.
O protesto começou em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), com centenas de jovens empunhando cartazes com as frases “Fora, Temer ” e entoando cantigas que exaltavam a biografia de Dilma Rousseff.
A Polícia Militar acompanhou a caminhada fortemente armada, mas não fez intervenções para dispersar os manifestantes.
Não se registaram confrontos até à Praça Roosevelt, mas ainda assim os manifestantes foram proibidos de avançar. Nessa altura, um grupo tentou chegar até ao edifício do jornal Folha de São Paulo, mas foi impedido pela polícia.
A estudante Débora Borges, de 19 anos, disse à Lusa que participou na manifestação para demonstrar a sua insatisfação.
“Acho que o ‘impeachment’ vai trazer alguém para o poder que vai tirar os meus direitos e os dos meus avós. Somos poucos, mas estamos aqui fazendo a diferença”, comentou.
Também Rodrigo Bittar, estudante de 21 anos, saiu do seu estágio na Avenida Paulista para acompanhar o protesto: “Fui criado numa cultura da classe média, com ódio aos movimentos sociais de esquerda, mas na faculdade percebi que era um preconceito. Para mim, este processo de ‘impeachment’ é ilegal e foi um plano acordado para derrubar um governo legitimamente eleito”.
Rodrigo sublinhou a importância de estar do ‘lado certo da história’ e poder contar aos seus filhos que foi contra a destituição de Dilma Rousseff.
O protesto dos estudantes paulistas aconteceu um dia antes da votação final no julgamento da chefe de Estado com mandato suspenso no Senado (câmara alta parlamentar).
Se for condenada por 54 dos 81 senadores, Dilma Rousseff perderá o mandato e o direito de ocupar cargos públicos por oito anos.
Brasil regista défice primário de 14,16 mil milhões de euros de janeiro a julho
O Brasil registou um défice primário de 51,1 mil milhões de reais (14,16 mil milhões de euros) nos primeiros sete meses do ano, de acordo com dados divulgados hoje pelo Tesouro Nacional.
Trata-se do pior resultado para o acumulado dos sete primeiros meses do ano desde o início da atual contabilização do défice primário (despesas maiores do que as receitas desconsiderando os juros da dívida pública) desde 1997, segundo o portal G1.
Até agora, o pior défice acumulado de janeiro a julho tinha sido registado no ano passado, com 8,9 mil milhões de reais (2,46 mil milhões de euros).
Apenas em julho deste ano, o prejuízo nas contas foi de 18,5 mil milhões de reais (5,14 mil milhões de euros), igualmente o pior resultado para meses de julho em 20 anos.
Numa altura em que o Brasil enfrenta uma recessão profunda, a queda das receitas foi a principal responsável pelo aumento do défice primário.
“O crescimento do défice da previdência social [segurança social] tem sido o principal condicionante do resultado primário do Governo Central”, com um défice de 73,4 mil milhões de reais (20,349 mil milhões de euros) nos sete meses, segundo o Tesouro Nacional.
“Enquanto o Tesouro Nacional e o Banco Central foram superavitários [com lucro] em 22 mil milhões de reais [6 mil milhões de euros]”, de acordo com a mesma fonte.
O resultado negativo foi impulsionado pelo pagamento de passivos do Governo referentes a subsídios, subvenções e ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária.
O défice poderia ter sido pior não fosse a entrada de dinheiro relativo à renovação da concessão de centrais hidrelétricas.
Também ajudou a queda nos gastos com funcionamento público e nas despesas discricionárias (não obrigatórias) em todos os poderes.
O Governo interno, de Michel Temer, já fez saber que pretende levar a cabo uma reforma na Previdência Social.
Devido a estes números, o Governo fez aprovar no Congresso a alteração da meta fiscal para um prejuízo de até 170,5 mil milhões de reais (47,209 mil milhões de euros) em 2016.
Dilma e Temer já estão a pensar nas cenas dos próximos capítulos
Aliados do presidente interino depositam esperanças na condenação em tribunal de Lula da Silva, forte candidato às eleições de 2018.
Se fosse um jogo de futebol, o julgamento final de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), no Senado Federal, teria chegado ontem ao fim dos 90 minutos, com as alegações finais da acusação e da defesa e os discursos da maioria dos senadores pela madrugada adentro. Por falta de tempo, só hoje, durante uma espécie de tempo de compensação, será efetuada a votação – eletrónica, aberta e nominal – que ditará o resultado. Mas tanto o campo de Dilma como o de Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), já pensam no prolongamento, no desempate por penáltis e nas desforras.
Dilma anunciou na segunda-feira, com todas as letras, que prepara recurso no Supremo Tribunal Federal (STF), caso seja, como tudo leva a crer, destituída na votação. “Não recorri ainda ao Supremo porque não esgotei ainda esta instância, vim aqui porque respeito esta instituição, mas se o Senado der esse passo estará pactuando com o golpe”, disse a presidente afastada, após pergunta do senador do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Aloysio Ferreira Nunes.
O recurso, que ainda está a ser estudado pela defesa de Dilma, liderada pelo seu advogado José Eduardo Cardoso (PT), equaciona argumentar “ausência de justa causa” para o processo e de “falta de condições dos senadores” para agirem como juízes, uma vez que divulgaram antecipadamente o seu voto, situação que não é comum em julgamentos. No entanto, em recursos anteriores apresentados pela defesa ao STF ao longo do processo, os juízes da mais alta instância do país vêm infligindo derrotas consecutivas a Dilma Rousseff.
Para o lado de Temer, que calculava ontem a meio da tarde ter assegurados 61 votos, mais sete do que os necessários para derrubar a presidente afastada e confirmar a subida do presidente em exercício à chefia efetiva do estado, a preocupação a curto prazo é com a tomada de posse. Temer deseja fazê-la já hoje para poder partir legitimado para a reunião do G20 em Pequim. A médio e longo prazo, a preocupação é outra: após a perda de mandato de Dilma e sua consequente inelegibilidade por oito anos, ainda há Lula da Silva como obstáculo eleitoral em 2018.
Assim, o PMDB e o PSDB acreditam que o ex-presidente possa acabar detido no contexto da Operação Lava-Jato ou de outra das ações que correm contra si na justiça. À frente da maioria das sondagens, Lula é a esperança do PT para regressar ao poder mas também os barões petistas já falam reservadamente numa tentativa de “caçada final” contra o partido, de acordo com coluna de bastidores do jornal Folha de S. Paulo. Lembram prognóstico feito por José Dirceu, braço-direito e sucessor natural de Lula condenado no Mensalão, quando afirmou que depois dele a oposição só descansaria quando derrubasse Dilma e o ex-metalúrgico.
Ainda sobre o futuro, afirmam os colaboradores mais próximos de Dilma que ela deve continuar no país mais alguns meses apesar de ter recebido convites para estudar nos Estados Unidos e em França – talvez em 2017 aceite, disse a presidente afastada que terá 30 dias para deixar o Palácio do Alvorada e regressar a Porto Alegre, onde reside.
Dilma diz que está em jogo “a vontade soberana do povo brasileiro e a Constituição”
Ao apresentar a sua defesa no processo de ‘impeachment’ perante o Senado, Dilma Rousseff insistiu na ideia de que não estava em causa apenas o seu mandato como líder do Brasil, mas o respeito pelas urnas, pelo povo e pela Constituição.
“Fui eleita presidente por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja síntese está gravada nas palavras ‘nenhum direito a menos’ e o que está em jogo no processo de ‘impeachment’ não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição”, disse, citada pelos meios de comunicação brasileiros.
“O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a protecção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria”, acrescentou.
“O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência com a seca no semi-árido, é a conclusão do sonhado e esperado projecto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso país no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns”, argumentou.
“O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do país de realizar, com sucesso, o Mundial, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”, sustentou.
“O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população. O que está em jogo é o futuro do país, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais”, referiu.
Por outro lado, vincou a sua opinião acerca do processo: “No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime. Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo ‘conjunto da obra’. Quem afasta o Presidente pelo ‘conjunto da obra’ é o povo e só o povo nas eleições. E nas eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores”, salientou.
TPT com: Ueslei Marcelino//Reuters//Folha de S. Paulo//Lusa//Geraldo Magela//Agência Senado//Observador// 31 de Agosto de 2016