O Sport Clube Português de Newark, no estado de New Jersey, foi o local escolhido para o lançamento do livro “O Drama de Uma Descolonização”, da autoria de Baldomiro Soares. Na verdade, uma tragédia desnecessária que provocou o maior movimento de repatriação de sempre na nossa História.
O livro, com 232 páginas, versa sobre o drama da descolonização portuguesa em África, e relata “factos, memórias e representações” sobre alguns dos cerca de um milhão de portugueses que regressaram e se integraram a Portugal provenientes, na sua maioria, de Angola e Moçambique.
A independência das colónias portuguesas em África iniciou-se em 1973 com a declaração unilateral da República da Guiné Bissau, que foi reconhecida pela comunidade internacional, mas não pela potência colonizadora. As restantes colónias portuguesas ascenderam à independência em 1975, na sequência da Revolução dos Cravos.
No prefácio do livro “O Drama de Uma Descolonização”, M.J. Torres Dantas, escreve que “enquanto em Portugal pseudos políticos pujantes de euforia vorazmente delapidavam o património nacional gritando o povo é quem mais ordena, nos bastidores preparava-se rapidamente o caminho mais curto a seguir para entregar Angola ao partido que escolheram sem acautelar a segurança das pessoas e bens dos portugueses lá residentes que acabaram por ficar à mercê dos grupos armados dos três partidos angolanos, sofrendo incríveis atrocidades nos meses que antecederam a independência daquele país perante a indiferença, quase total, das autoridades portuguesas alí ainda estacionadas”.
Baldomiro Soares, aqui acompanhado pelo presidente do Sport Clube Português de Newark, Jack Costa, faz questão de referir que, nesta obra, “relatamos por episódios histórias verdadeiras, vividas pelos protagonistas, na sua grande maioria, naturais de Olhão, Culatra e Santa Luzia (Algarve), e que como é óbvio, em alguns casos têm os seus nomes verdadeiros trocados para preservar as suas identidades”.
Este livro é uma “chamada de atenção” para a memória do abandono das províncias ultramarinas que continua dolorosamente presente. Para Baldomiro Soares, “o drama dos “retornados” é uma ferida que a República não conseguiu sarar e falta ainda que se faça justiça para as centenas de milhar de inocentes cujas vidas foram arruinadas e também, para os responsáveis pela tragédia africana de 1975”.
Quarenta e dois anos volvidos sobre os processos e acontecimentos que tiveram um impacto estruturante, quer no Portugal democrático, quer nas nações que dele emergiram, e que pelo caminho cruzaram muitas esperanças com não poucos traumas, Baldomiro Soares quiz com esta sua obra lembrar que é tempo de se fazer não apenas um balanço crítico, mas, sobretudo, de contribuir para aumentar a compreensão do fenómeno complexo que foi a descolonização portuguesa.
Com este propósito, o livro de Baldomiro Soares descreve em detalhe vários episódios desse drama pungente que ele mesmo viveu ou dele ouviu testemunhos.
O livro que tem poesia e ilustrações de Maria Cristina Estrela Soares (na foto), apresenta relatos “onde claramente se patenteia o desespero, a desgraça e o infortúnio sofrido por esse martirizado povo português sem que em circunstância alguma houvesse merecido”, refere M.J. Torres Dantas, no prefácio.
E o mote estava dado para uma boa conversa entre os convidados presentes, entre eles alguns jovens, que aprenderam um pouco mais sobre a história da descolonização portuguesa em África.
Neste encontro estiveram pessoas ligadas à cultura, ao associativismo e ao empresariado (na foto, esq/dir/, Fernando da Silva, Luís Lourenço e João Martins), que mostraram interesse no livro que visa “despertar consciências” sobre a apressada outorga de independência aos territórios do Ultramar, um dos grandes pecados da actual República, decorria o ano de 1975. Nessa data, chegavam a Lisboa mais de 500 mil refugiados de África, brancos, negros e mestiços inocentes que viram as suas vidas arruinadas por uma descolonização então chamada “exemplar” mas hoje prudentemente rotulada de “possível”.
Entre os convidados presentes estava também Jorge Leitão (na foto), proprietário e descendente dos fundadores da “Leitão & Irmão”, que se encontrava de passagem pelos Estados Unidos, a convite do BPI. De referir que em quase dois séculos de história, as jóias que sairam das oficinas desta empresa foram usadas por D. Amelia d’Orleans, D. Maria Pia, pela princesa alemã Augusta Vitória, consorte do último Rei de Portugal, e também foram oferecidas a papas e imperadores e desenhadas pelos grandes artistas de cada época. Jorge Leitão que se inteirou do conteúdo do livro, disse ao The Portugal Times que gostou de estar presente no lançamento desta obra de Baldomiro Soares, que é constituída por duas partes. A primeira parte, descreve, em grande detalhe, vários episódios desse drama pungente que ele mesmo viveu ou dele ouviu testemunhos.
“No meio de tanta tragédia, o amor é planta de todos os tempos que floresce, tanto ao amanhecer como no ocaso da vida”, diz o poeta.
O livro, “O Drama de Uma Descolonização”, de Baldomiro Soares, é constituído por duas partes. A primeira parte é constituída por relatos impressionantes de desespero, desgraça e infortúnio de quem tinha de fugir da terra que também era sua. A segunda parte do livro é, segundo M.J. Torres Dantas, “um hino de louvor à terra de naturalidade do autor, aos pescadores e à gente com quem conviveu desde a infância”.
Baldomiro Soares, nasceu em 1941 na Ilha da Culatra. Foi registado e baptizado em Olhão, Sotavento Algarvio. Concluiu a instrução primária em Olhão e o exame de admissão à Escola Técnica em Faro. Em Angola, Moçâmedes, termina o Curso Geral de Comércio na Escola Comercial e Industrial, e em Luanda forma-se em Contabilidade pelo Instituto Comercial Vicente Ferreira. Nos Estados Unidos, onde reside, especializou-se em Marketing e Relações Públicas pela “New York Life Insurance”, em Filadélfia e “Banking and Financing”, em Summit, New Jersey.
Ao serviço da Nação Portuguesa foi sargento miliciano do Exército Português em Angola, desde 1962 a 1965, e nos Estados Unidos foi Cônsul Honorário de Portugal em Filadélfia, desde 1983 a 1999. Com a sua actividade profissional ligada à banca Baldomiro Soares desempenhou funções de chefia no Banco Totta & Açores, em New York, onde foi Director Comercial, desde 1981 a 1995. De 1995 a 2006, desempenhou a função de Presidente e Director-Geral no mesmo banco em Newark, New Jersey.
No campo associativo e cultural, Baldomiro Soares que é casado com Maria Cristina Estrela Soares, esteve ligado a várias associações culturais, desportivas e recreativas onde deixou trabalho feito não só em Angola mas que continua a “fazer história” neste campo também nos Estados Unidos da América, onde após interessante trabalho realizado no Clube Português de Filadélfia, no estado de Pennesylvania, desempenha actualmente a função de Presidente do Conselho Fiscal do Sport Clube Português de Newark, do qual é também Sócio Benemérito.
Em realação à sua experiência na actividade jornalística, Baldomiro Soares foi correspondente do jornal “O Retornado”, em Lisboa, durante os anos de 1975/1976; Correspondente dos jornais comunitários Portuguese News e Portuguese Post, e ainda nas revistas Oportunidades e Cartaz, desde 1976 a 1985. Em 1982, Baldomiro Soares fundou o primeiro jornal comunitário na cidade de Filadélfia, o “Portuguese Bolletin”.
Para além do seu envolvimento no jornalismo, Baldomiro Soares é também o autor de várias obras literárias com destaque para os livros “50 Anos de História do Philadelphia Portuguese Club”; “Uma História, Várias Gerações do Sport Club Português”, de Newark; “Luanda-Olhão: 35 dias no Regresso em Traineira”; “Maresia em Poesia”; “Ondulações Poéticas”; “Freixiosa: A Minha Terra e o Museu”; “Tertúlia Club, 50 Anos de Fraternidade” e ainda “Eu e a Catedral”. Segundo Baldomiro Soares, e em relação ao futuro, está já a trabalhar em mais duas obras literárias que têm por título “Os portugueses de Pennsylvania”, que abrange a época de 1682 a 2000, e ainda “Estórias da História da Ilha da Culatra no Séc. XX”.
Baldomiro Soares que se encontrava em Angola à data da Revolução do 25 de Abril, narrou no seu livro o seguinte depoimento: “O 25 de Abril de 1974, nasceu como um dia qualquer na Samba Grande, cidade de Luanda, Continente Ocidental Africano, onde eu vivi mais de vinte anos. Preparado para mais um dia de trabalho, oiço a rádio noticiando com grande pompa que na noite anterior tinha ocorrido uma revolução em Portugal. Uma lágrima cai-me pela face, não pela tristeza do regime vigente que não deixa saudades, mas por um mau presságio que se avizinha. Afinal, não foi um dia qualquer, mas sim um dia, que iria virar a página da História dos Portugueses em África”.
Deixar África foi para muitos uma experiência traumática
Através dos relatos apresentados e dos interessantes contos descritos, no livro “O Drama de Uma Descolonização”, Baldomiro Soares dá a entender que a saída de África durante o processo de descolonização (1974-1975) constituiu uma experiência traumática para os portugueses residentes nestes territórios. Por ter sido entendida como um êxodo forçado, ter implicado a perda da condição económica e social que detinham e a não identificação com o país de origem ou nacionalidade, como aconteceu com os pieds-noirs da Argélia. A experiência partilhada do repatriamento e massa e as condições de insegurança e de desconstrução da vida quotidiana nos territórios até à independência produziu emoções que influíram sobre a noção identidade individual e colectiva devido ao sentimento de pertença a um lugar que consideravam uma pátria afectiva ou de adopção.
Breve resumo dos motivos que levaram à descolonização portuguesa
Nem com a perda do Estado Português da Índia o Estado Novo vê, ou quer ver, que o tempo dos grandes impérios chegou ao fim.
Em Angola, o dia 15 de março de 1961 marca o início da guerra colonial. Depressa se estenderá a outros países: Guiné, em 1963, e Moçambique, em 1964.
Com o 25 de Abril surge grande expectativa, tanto nacional como internacionalmente, quanto ao futuro das colónias: o n.º 8 do Programa do MFA não era conclusivo a esse respeito e as declarações de membros da Junta de Salvação Nacional permanecem ambíguas. As pressões internacionais fazem-se sentir, principalmente por parte da ONU e da OUA. Os movimentos de libertação apelam à intensificação dos conflitos enquanto não obtivessem as concessões que pretendiam. O caso mais urgente parecia ser o da Guiné, onde a guerra era mais acesa. Após o fracasso das negociações de Londres, a 25 de maio, e de Argel, a 13 de junho, é assinado um acordo, também em Argel, entre a delegação portuguesa e os representantes do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde), no qual se reconhece de jure a independência da Guiné-Bissau e se reafirma o direito de Cabo Verde à autodeterminação e à independência. A transmissão de poderes na Guiné far-se-á no dia 10 de setembro de 1974 e o acordo para a independência de Cabo Verde é assinado a 19 de dezembro de 1974.
No caso de Moçambique começa por haver um encontro exploratório em Lusaca, no início de junho, entre Mário Soares e Samora Machel, presidente da FRELIMO (movimento eleito como interlocutor), que se salda num impasse. A 7 de setembro é assinado, em Lusaca, um acordo entre o governo português e a FRELIMO que, no essencial, estipula a proclamação da independência a 25 de junho de 1975.
Primeira página de “A Capital”, de 11 de novembro de 1975
Em Angola não há apenas um, mas três interlocutores: o MPLA, a UNITA e a FNLA, com grandes rivalidades entre si. No início de maio verificou-se os primeiros encontros exploratórios, mas só no início de 1975 estarão reunidas as condições necessários para um acordo entre o estado português e os dirigentes dos três movimentos de libertação, acordo esse que foi assinado em Alvor, a 15 de janeiro de 1975, e no qual se estabelece como data para a independência de Angola o dia 11 de novembro de 1975.
O acordo para a independência de S. Tomé e Príncipe é assinado em Argel, a 26 de novembro de 1974. Após várias negociações em Macau, que se revelam infrutíferas, o processo de descolonização de Timor é interrompido pela brutal invasão deste território por parte da Indonésia, em 7 de dezembro de 1975.
Em relação a Macau, as conversações entre Portugal e a China, de 30 de junho de 1986 a 26 de março de 1997, determinaram que o território passaria para a soberania chinesa em 20 de dezembro de 1999.
O território de Timor Leste viu reconhecida a independência a 28 de novembro, tendo sido dominado pela Indonésia até 2002.
Mas sobre estes assuntos ainda há muitos que não estão definitivamente encerrados.
Com que direito os militares portugueses do MFA entregaram Angola e Moçambique a partidos aliados da (hoje extinta) União Soviética?
Os manuais de História tratam o tema como encerrado, mas as perguntas incómodas mantêm a sua pertinência. Por que razão os povos das províncias ultramarinas nunca tiveram o direito de se pronunciar sobre o seu destino? A crise dos refugiados, vulgo “retornados”, era inevitável?
O império de D. João II foi abandonado à pressa, e o pouco que restava dele jazia perto do Padrão dos Descobrimentos, em contentores desconjuntados contendo as parcas posses que os portugueses ainda conseguiram salvar da guerra civil que se aproximava velozmente de Angola. Só para evacuar todos os portugueses de África foram necessários 905 voos, e a recém-nacionalizada TAP teve de dar uso até aos imponentes Boeing 747 recentemente adquiridos. Os EUA e a URSS também contribuíram, tanto para a desgraça que estava a acontecer, como com aviões para retirar do Ultramar, sobretudo de Angola, cidadãos cujo único “crime” era terem nascido portugueses. Também foram usados 27 navios, que transportaram 100 mil pessoas. Quinhentos anos depois, barcos modernos faziam a rota das caravelas, mas em sentido contrário.
Os custos económicos do abandono de 98% dos territórios portugueses foram gigantescos para os povos afectados. Em 1973, o Produto Nacional Bruto de Angola era de 2,7 mil milhões de dólares, e o de Moçambique de 3.1 mil milhões, segundo dados do Banco Mundial. Poucas anos mais tarde, eram apenas uma ínfima fracção desse valor. Por sua parte, Portugal passou de ter taxas de crescimento de 10% ao ano, para ter de receber o FMI pela primeira vez em 1977.
JM// The Portugal Times//23 de Setembro de 2016