António Guterres eleito sem cedências para o cargo de secretário-geral das Nações Unidas

“O Conselho de Segurança considerou recomendar à Assembleia Geral que o sr. António Guterres fosse apontado para [o cargo de] secretário-geral”, afirmou o embaixador da Rússia na ONU, Vitaly Churkin, esta quinta-feira, em conferência de imprensa.

 

 

Recorde-se que quem nomeia oficialmente o sucessor ao cargo de Ban Ki-moon é a Assembleia Geral da ONU, que à partida irá aceitar a recomendação do Conselho.

 

 

Questionado pelos jornalistas sobre o que tinha a dizer às mulheres do mundo que estariam à espera da nomeação de uma mulher, Churkin considerou que “o mais importante é ter o melhor candidato possível”, realçando que se tratou de um “processo justo” e onde se encorajou a candidatura de mulheres para a corrida ao cargo – tanto que 50% das candidaturas eram de mulheres.

 

 

O russo afirmou que o português tinha “o apoio do Conselho de Segurança”. Explicou ainda que houve uma união em torno do nome de Guterres e que esperava que essa união se traduzisse na decisão da Assembleia Geral.

 

 

Em resposta a uma pergunta de uma jornalista, Churkin enunciou várias qualidades de Guterres e que terão feito a diferença na sua nomeação: ter um vasto currículo nas Nações Unidas, isto é, ter sido Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados durante 10 anos, o que implicou “viajar pelo mundo” e testemunhar cenários difíceis; ter uma elevada experiência política, nomeadamente ter sido primeiro-ministro de Portugal. O embaixador disse ainda que Guterres era uma pessoa que “diz o que pensa” e “extrovertida”.

 

 

Relativamente a Kristalina Georgieva, considerada a rival do candidato português, o russo disse que a escolha de entrar tão tarde na corrida tinha sido dela e do governo da Bulgária

 

 

Já ontem Churkin tinha dito que o ex-primeiro-ministro português era “o candidato favorito” ao cargo, mas que só hoje iriam avançar formalmente com o seu nome. “Desejamos boa sorte ao sr. Guterres no cumprimento dos seus deveres como secretário-geral das Nações Unidas nos próximos cinco anos”, afirmou o russo.

 

 

Momentos antes de entrar para a votação, esta quinta-feira, o embaixador francês, François Delattre, disse que o português “era o líder certo para unir as nações”.

 

 

Conselho de Segurança unido em torno de Guterres

 

 

O presidente do Conselho de Segurança das ONU disse aos jornalistas, no final da sexta votação do Conselho de Segurança para secretário-geral, que o organismo iria  recomendar “por aclamação” o nome de António Guterres,  na quinta-feira.

 

 

“Hoje, depois da nossa sexta votação, temos um favorito claro e o seu nome é António Guterres. Decidimos avançar para um voto formal e esperamos fazê-lo por aclamação”, disse aos jornalistas Vitaly Churkin.

 

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Depois de uma hora e meia de encontro, pela primeira vez na história da organização os 15 embaixadores dos países com assento no Conselho de Segurança vieram falar aos jornalistas para anunciar o nome do português.

 

 

“Senhoras e senhores, estão a testemunhar uma cena histórica. Nunca foi feito desta forma. Este foi um processo de seleção muito importante”, disse o embaixador russo.

 

 

Momentos depois, a embaixadora dos Estados Unidos junto da ONU disse que os 15 países membros do Conselho de Segurança decidiram unir-se em volta de António Guterres devido às provas que deu na sua carreira e durante a campanha.

 

 

“As pessoas queriam unir-se em volta de uma pessoa que impressionou ao longo de todo o processo e impressionou a vários níveis de serviço”, disse Samantha Powell aos jornalistas.

 

 

António Guterres ficou à frente desta última votação com 13 “encoraja” e não recolheu nenhum veto.

 

 

Depois de cinco votações em que os votos dos 15 membros eram indiscriminados, os votos dos membros permanentes (China, Rússia, França, Reino Unido e Estados Unidos) foram destacados pela primeira vez, sendo assim possível perceber se havia algum veto.

 

 

António Guterres venceu as cinco primeiras votações para o cargo, que aconteceram a 21 de julho, 05 de agosto, 29 de agosto, 09 de setembro e 26 de setembro.

 

 

Depois de a resolução ser aprovada na quinta-feira pelo Conselho de Segurança, o nome de Guterres foi aprovado na Assembleia Geral da ONU.

 

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O novo secretário-geral da organização substitui Ban Ki-moon e entra em funções a 01 de janeiro de 2017.

 

 

António Guterres vai encarar o seu mandato de cinco anos na ONU na linha do seu antigo slogan: razão e coração.

 

 

O António Guterres futuro secretário-geral das Nações Unidas é igual ao António Guterres político. Num discurso de três minutos, o antigo primeiro-ministro demonstrou que vai encarar o seu mandato na ONU na linha de um antigo slogan seu: razão e coração.

 

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Foi em bom português, que no Palácio das Necessidades, lançou um “boas tardes”, para logo depois começar o primeiro discurso desde que foi aclamado como candidato a secretário-geral da ONU. “Para descrever aquilo que sinto neste momento só tenho duas palavras: humildade e gratidão“.

 

 

Guterres sabe ao que vai. Sabe dos “enormes desafios” que o esperam e da “terrível complexidade” do mundo que vai encontrar. Católico e socialista, não abdicou da gravata rosa nesta declaração e assumiu que vai para o cargo “para servir os mais vulneráveis, as vítimas dos conflitos, do terrorismo, das violações dos direitos, da pobreza, das injustiças deste mundo.”

 

 

Mas para isso é preciso poder. E o apoio dos mais fortes. Não foi ao acaso que começou o discurso pela “humildade“, dando a primeira palavra ao topo da ONU, onde moram os poderosos P5. Humildade em relação aos membros do Conselho de Segurança pela confiança que em mim exprimiram, mas também em relação à Assembleia-Geral das Nações Unidas e a todos os Estados-membros por ter decidido um processo de exemplar transparência e abertura”,disse o futuro secretário-geral. Foi a primeira vez que o secretário-geral passou por um processo tão democrático para ser eleito e Guterres, com racionalidade, quer capitalizar essa vitória.

 

 

Mas, pacificador, também quis enterrar um machado de uma guerra tardia e desleal que lhe podia ter custado o cargo: a entrada de Kristalina Georgieva na corrida quase na fase final do processo. E fê-lo ao manifestar igual humildade perante os “colegas candidatos pela inteligência, pela dedicação e cujo empenhamento na campanha muito contribuiu para o prestígio das Nações Unidas.”

 

 

Guterres já está a trabalhar no futuro. E é por isso que disse no discurso que foi “com muita emoção” que verificou que “o Conselho de Segurança pôde decidir pelo diálogo, com consenso, de forma atempada” a sua nomeação como secretário-geral. E deixou logo um desejo/aviso à mesa que manda na ONU“Gostaria de exprimir o sincero voto de que tal facto seja simbólico, que represente uma capacidade acrescida do Conselho de Segurança para a unidade e o consenso [que permitam] tomar a tempo as decisões que o mundo conturbado em que vivemos exigem.” Guterres já está a trabalhar.

 

 

Na mesma linha, manda um sinal para dentro da própria ONU. Mais uma vez manifestando “humildade para saber reconhecer a inspiração, a coragem e a generosidade de tantos e tantos trabalhadores das Nações Unidas e dos seus parceiros que afrontam os maiores perigos ao serviço da comunidade internacional.”

 

 

Racional, Guterres demonstra respeito pelo seu antecessor ao revelar que não quer que Ban Ki-moon seja visto como um secretário-geral cessante, sem poder. E por isso avisa: “Estou neste momento recomendado, mas não sou secretário-geral.” O português lembra que as Nações Unidas têm um secretário-geral. “Ele chama-se Ban Ki-moon. Quero aqui prestar-lhe homenagem e quero apelar a todos os Estados-membros para que colaborem ativamente, apoiem ativamente Ban Ki-moon na sua ação, nas suas iniciativas até ao final do seu mandato, para que este possa ser concluído com o maior êxito.”

 

 

Guterres falou sempre com as mãos no palanque e com uma pose muito estática, quase sem se movimentar. Primeiro em português, depois em inglês, francês e espanhol. Entrou sozinho numa sala cheia (havia dezenas de jornalistas portugueses e estrangeiros) e saiu ao lado do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, com quem esteve mais de uma hora antes da intervenção. À sua declaração assistiram também o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, e embaixador e presidente do Instituto Diplomático, Freitas Ferraz.

 

 

Apesar de saber que iria falar para todo o mundo, António Guterres optou por fazer a primeira intervenção em português. Dedicou também uma parte do discurso ao seu país. “Permitam-me uma palavra especialmente dirigida aos portugueses para exprimir o profundo reconhecimento“, disse o futuro secretário-geral da ONU, nomeando depois quem o ajudou: “Ao Presidente da República, ao Governo, ao ministro dos Negócios Estrangeiros, ao primeiro-ministro, aos partidos políticos, à Assembleia da República, aos diplomatas portugueses, àqueles que, em Nova Iorque, como o embaixador Mendonça Moura, conduziram uma campanha extremamente eficaz. A todos eles quero transmitir também uma palavra de profunda gratidão.”

 

 

Toda a história de António Guterres, de Donas para o mundo

 

 

 Com a sexta vitória consecutiva nas votações para definir o futuro secretário-geral da ONU, António Guterres está sentado na cadeira mais importante entre as instituições internacionais. Como conseguiu o antigo primeiro-ministro construir a lenda do génio diplomático e o que fez ele para querer ser “o árbitro do mundo”. Das leituras da Bíblia na igreja da aldeia, em Donas, aos corredores das Nações Unidas, em Nova Iorque.

 

 

O ambiente é tenso: o primeiro-ministro novato e desconhecido do distante e minúsculo Portugal não pode estar a falar a sério. Como se atreveria este tal Guterres dirigir-se, desta forma, completamente ao arrepio de todas as regras do protocolo, ao poderoso chefe de Estado e ditador da Indonésia, Hadji Mohamed Suharto? António Manuel de Oliveira Guterres, então com 46 anos, tinha sido há pouco eleito chefe do Governo português.

 

 

Naquele ano de 1996, o futuro homem-forte do importante organismo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) era ainda um ilustre desconhecido. Estamos em Banguecoque, capital da Tailândia, país anfitrião da importante cimeira Europa-Ásia. Os indonésios ameaçavam que se Portugal levantasse a questão de Timor-Leste (ex-colónia portuguesa que a Indonésia ocupava a ferro e fogo desde 1975), eles se retirariam imediatamente. John Major, primeiro–ministro conservador britânico, propõe que se algum problema político bilateral for levantado, a palavra deve ser cortada ao prevaricador. Guterres sente-se o bardo da aldeia de Astérix: ninguém o quer ouvir. E o inglês é o ferreiro da aldeia, pronto a desferir o maço sobre a cabeça do pobre bardo: “Não falarás, não falarás, não falarás!” Mas Guterres resiste. Não pode perder a oportunidade.

 

 

Tem um problema: a saída de cena daquele tigre asiático provocaria o fracasso da cimeira, sem que Timor ganhasse nada. Pior, podia ser contraproducente.

 

 

O que fazer? Numa reunião informal, em que todos estão presentes, tomado de uma inspiração, Guterres arrisca tudo, dirigindo-se diretamente a Suharto: “Liberte Xanana Gusmão [líder da resistência timorense, prisioneiro em Jacarta] e Portugal aceitará a abertura de secções de interesses dos nossos países em embaixadas amigas em Jacarta e Lisboa!” Ninguém estava à espera: nem os asiáticos, nem os europeus, nem a diplomacia portuguesa. Mas também ninguém podia acusar Guterres de ter levantado um problema: pelo contrário, ele estava “de boa-fé”, a contribuir “para uma solução”. Suharto nada disse -mas também não se retirou.

 

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Na abertura dos trabalhos, no dia seguinte, Guterres provoca alguns calafrios. Mostrando-se completamente de acordo com a decisão de serem excluídas da cimeira questões bilaterais entre os países presentes, avisa, porém, que no caso de Portugal, havia uma. Depois de um pequeno suspense, esclareceu: “É com a China, e trata-se da transferência de Macau. Mas isso está a decorrer pacificamente”. Parou um pouco. E depois rematou: “Já quanto à questão de Timor, não se trata de um caso bilateral, mas sim multilateral, no âmbito da ONU. Ora, já tive oportunidade de propor ao presidente Suharto uma saída para o problema, de forma a chegarmos a uma solução por etapas”.

 

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Sem que a cimeira sofresse danos nos seus objetivos comerciais, o caso de Timor passou a ser o tema dos media internacionais. A habilidade diplomática de Guterres iniciava a sua lenda.

 

 

Não é normal que um português que foi primeiro-ministro durante escassos seis anos e acabou da pior maneira, seja, agora, aos 67 anos, eleito por aclamação ao cargo de secretário-geral da ONU, depois de, na passada segunda-feira, ter vencido a terceira votação das audições aos candidatos. Para se impor assim, é porque tem qualquer coisa. É disso que tratamos aqui.

 

 

OS PADRES DA VIDA DELE

 

 

Mas não antecipemos. Enquanto saboreamos esta história de one night in Bangkok, para citar um popular tema dos anos 80, recuemos seis décadas, e mergulhemos no Portugal profundo, na igreja matriz da Donas, pequena aldeia do concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco. Vamos encontrar velhinhas extasiadas com as leituras brilhantes das passagens da Bíblia, nas missas modorrentas desses domingos de verão. O pequeno acólito, conhecido por Tonico, filho do Virgílio Dias Guterres e da Ilda Cândida de Oliveira, neto de um avô pouco tolerante para com ratos de sacristia, começa a brilhar para a sua primeira audiência. Embevecido, o pachorento pároco Alfredo Fernandes de Brito sabe que pode ter ali uma vocação. O pequeno Tonico pode, se quiser, ter uma carreira eclesiástica brilhante. Talvez hoje, se as orações do bom cura tivessem sido ouvidas, Guterres disputasse, não a secretaria-geral da ONU, mas a cadeira de São Pedro, em Roma…

 

 

Na verdade, as memórias do futuro secretário-geral da ONU estão mais no seleto bairro de São Miguel, em Lisboa. Frequentou o Liceu Camões, onde conheceu, entre outros, Carlos Santos Ferreira, amigo de uma vida. Carlos seria um importante quadro no futuro PS, ocupando elevados cargos de gestão em grandes empresas. Foi em casa do amigo, futuro colega de curso de Marcelo Rebelo de Sousa, que Guterres conheceu o atual Presidente da República. Percorreram juntos um percurso comum, durante a juventude, sob a batuta do mais influente personagem na formação da personalidade de Guterres, o padre franciscano Vítor Melícias. O “Frei Tuck” do guterrismo, conhecido por “confessor do regime”, seria recentemente chamado por Marcelo para participar na reunião ecuménica que promoveu na mesquita de Lisboa, no dia da sua tomada de posse.

 

 

A chave da génese da formação cívica de Guterres pode ser encontrada no “esquema 13”, documento saído do Concílio Vaticano II. A sua formação política dispersa-se entre leituras de Trotsky, ensinamentos de São Paulo e…, numa conferência “maçónica”, através da palestra de um importante membro do Grande Oriente Lusitano, que muito o marcou. Detamo-nos um pouco nestes dois momentos. Primeiro momento: o esquema 13 exorta à intervenção dos cristãos na política, dando testemunho do seu cristianismo.

 

 

Ao biógrafo de Guterres, Adelino Cunha, o antigo presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins, que foi seu ministro e o conheceu desde jovem, revela: “Há uma geração inteira de cristãos tocados pelo Concílio. Guterres era um dos mais brilhantes” (in António Guterres, Os Segredos do Poder, edições Aletheia, 2013). Marcelo Rebelo de Sousa disse, recentemente, num fórum internacional, e já em campanha por Guterres: “É a figura mais brilhante da minha geração”.

 

 

Segundo momento: pelos inícios de 70, Guterres assiste à palestra do colunista da Seara Nova e candidato às eleições pela CDE, em 1969, António Reis. E o que é que este maçon (cofundador do PS) tem a ver com a mensagem do Concílio? A palestra trata disso mesmo. António Reis desafia os católicos: sobretudo no quadro da ditadura portuguesa, não bastava seguir a mensagem de Cristo no recato dos altares. Era preciso agir.

 

 

UMA REVELAÇÃO DE JORGE COELHO

 

 

Vocação para ação, reconhece-lhe o seu amigo e colega de curso José Tribolet, que com ele competiu (e perdeu) para o título de melhor aluno do curso (Guterres vinha com média de 18 do liceu e saiu com média de 19 do Instituto Superior Técnico, como engenheiro eletrotécnico…).

 

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Ainda que reconheça que “de todos os cargos, o de primeiro-ministro era aquele para o qual estava menos talhado”. No entanto, Tribolet confessa: “Só depois da licenciatura, quando cheguei ao MIT, onde estão os melhores estudantes do mundo, é que percebi o tipo de inteligência do Guterres”. Tribolet recorda um colega inquieto: “Nas sessões de estudo, em casa dos pais, tínhamos o giradiscos a tocar música clássica, e enquanto resolvíamos problemas, o António girava a caneta, conduzindo a orquestra. Não parava quieto”. O signo Touro (nasceu a 30 de abril) prende-o à terra, mas abre-lhe o espírito para as artes… Tribolet reforça: “Não era o mais excelente a construir, a levar uma solução até ao fim. Só que, a partir do enunciado de um problema, via primeiro a sua solução: lia, percebia, intuía, e partia para outro problema”.

 

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Vasco Pulido Valente, esmagado pela retórica fluente, chamou-lhe “picareta falante”. Jaime Gama, nos tempos em que estavam afastados no PS, apontou-lhe uma espécie de “frenesim”. Nos primeiros tempos de Governo chegou a ser internado com um diagnóstico de síndroma vertiginoso. No Técnico, em estudante, provocara um enorme bug (como agora se diz) ou curto-circuito, como preferiam dizer os antigos, numa experiência eletrotécnica que correu mal. No Governo, preferiu os grandes palcos internacionais proporcionados pela presidência europeia e pela Agenda de Lisboa (onde foi percursor na aposta na inovação, no conhecimento e na educação como alavancas do desenvolvimento da União Europeia…) às chatices da política nacional e ao fardo da governação. Delegou poderes em superministros (Pina Moura, João Cravinho, Ferro Rodrigues, Jorge Coelho) e não contou com a kriptonite do pântano que já fervilhava. Em 1999, recebeu a notícia da maioria relativa (um empate 115-115 em número de deputados) como uma pesada derrota. Afinal, tinha feito tudo bem: foi o primeiro -e único -a completar uma legislatura com um governo minoritário (1995-1999). Manteve o estado de graça durante todo o mandato. Criou o rendimento mínimo garantido. Resolveu o problema de Timor. E até enviuvou perante a comoção nacional. Já que falamos nisso, talvez tenha sido esse, o fator humano, que o derrubou: Guterres demorou demasiado tempo a recompor-se, depois de perder Luísa Guterres (Zizas), psiquiatra, amor da sua vida, companheira de duas décadas e meia, mãe dos seus filhos (Pedro, 39 anos, e Mariana, 30), aquela a que o primeiro-ministro chamava o seu “conselho de estado privativo”.

 

 

Chega, neste momento, a hora do fracasso. Guterres, o homem que está em campanha pela secretaria-geral da ONU e que a maior parte dos portugueses gostaria de ver eleito, é, até agora, mesmo neste texto, demasiado perfeito para ser verdade. O que é que há de errado nele? Há muito. Para o País, o que houve de errado foi não ter percebido, a tempo e horas, que era preciso travar o curso do modelo económico, com base em endividamento e défice. Para a opinião pública, o que esteve errado foram trapalhadas como a do totonegócio, a coincineração ou a falta de autoridade no caso dos touros de morte, em Barrancos. Para os inimigos internos no PS, o errado foi a forma calculista como construiu a sua carreira, o modo esquivo como recusou ser general de Vítor Constâncio, de Jorge Sampaio e, até, de Mário Soares, quando solicitaram a sua competência para ocupar cargos ou candidatar-se a outros -ministro da Saúde, com Soares, ou presidente da Câmara de Lisboa, com Constâncio ou Sampaio. Para alguns dos seus amigos no partido, como Fernando Gomes, o que retiveram de errado foi a ilusão, seguida de amargura e a desilusão. Para os seus ministros, o que estava errado era a falta de frontalidade na hora das remodelações, com o expoente máximo no dia em que a sua ministra da Saúde, Manuela Arcanjo, soube, num debate parlamentar, pela oposição, que já estava demitida.

 

 

Quando anunciou, no Parlamento, que preferiria a espada à parede, não se revelou sincero, preferindo a parede, por exemplo, na elaboração de dois orçamentos limianos. E isso também foi um erro (que, aliás, reconhece hoje). O errado foi confundir autoridade com diálogo. O errado foi o azar de uma ponte caída (Entre-os-Rios) em que se exibe não com a energia de um Marquês de Pombal mas com os olhos tristes de um desistente.

 

 

No transe, perde o segundo pilar do guterrismo, depois de já ter perdido António Vitorino, demitido por uma questão menor. Jorge Coelho bateu com a porta, clamando que “a culpa não podia morrer solteira”. Coelho faz-nos hoje uma revelação: “Foi muito duro. Saí contra ele, contra a opinião dele e contra as ordens dele. Pediu-me por tudo para ficar. Tínhamos um projeto comum que, assim, ia ao fundo. Como foi”.

 

 

Tem, por ele, algumas atenuantes: aqueles em quem confiou terão apostado no seu desgaste, pensando na sucessão. Assumiu culpas, arcou com responsabilidades, e encaixou impropérios que não eram dele nem para ele. Brotaram-lhe lágrimas nos olhos quando o seu filho Pedro, ainda criança, o confrontou com um cartoon onde apunhalava pelas costas um camarada de partido.

 

 

E a própria gaffe do PIB, onde se enganou nas contas em direto, surge num momento de forte comoção, à saída da Unidade de Transplantes Hepáticos dos Hospitais Universitários de Coimbra, no momento em que já tinha percebido que a mulher precisava de um transplante. Ficou viúvo aos 50 anos e, no ano seguinte, quando precisava de uma maioria para respirar e tomar medidas difíceis, o eleitorado negou-lha. Zangou-se com o País, desinteressou-se. Depois da pesada derrota autárquica de 2001, demitiu-se.

 

 

Na hora do “pântano”, Guterres tinha, no seu íntimo, um favorito para a sucessão: chamava-se José Sócrates.

 

 

O OPUS DEI E A MOCIDADE PORTUGUESA

 

 

António Guterres voltava à vida civil, 28 anos depois. Estava de novo casado, agora com Catarina Vaz Pinto, e queria refazer a sua vida em moldes diferentes. Primeiro passo, limpar a cabeça, regressando ao voluntariado, numa iniciativa que nunca quis ver mediatizada. No bairro problemático da Quinta do Mocho, dava agora explicações de Matemática a alunos candidatos ao ingresso na universidade. Para isso, teve, ele próprio, de atualizar os seus conhecimentos.

 

 

Há muito, muito tempo, tinha sido pioneiro, ainda nos anos 60, no âmbito da Juventude Universitária Católica (JUC), no assistencialismo social e na denúncia da miséria. As barracas, os bairros degradados, o convívio com os miseráveis, como membro do CASU (Centro de Assistência Social Universitária). Em 1967, enormes cheias em Lisboa põem a nu a realidade do país: a falta de condições nos bairros pobres fazem centenas de vítimas.

 

 

A JUC edita um “caderno de reflexão” sobre as inundações. Entre os signatários está Lenicha Salema (hoje conhecida por Helena Roseta). António Guterres integra-se no grande movimento de assistência às vítimas e de denúncia das situações que a censura e o regime querem esconder da opinião pública nacional e internacional. Os jovens da JUC ficam debaixo de olho das autoridades, que os consideram “ativistas políticos subversivos”.

O seu mentor eclesiástico não é ainda Melícias, mas sim o padre Miguel Ponces de Carvalho.

 

 

O padre coordena as ações do CASU, no âmbito da JUC, e dá responsabilidades e autonomia a Guterres. O jovem não desilude: consegue de organismos da administração pública financiamento para iniciativas sociais.

 

 

Católico praticante e empenhado, Guterres dá nas vistas e sofre uma primeira abordagem por parte do Opus Dei.

 

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O recrutador é Adelino Amaro da Costa, futuro fundador, com Freitas do Amaral, do CDS. Guterres resiste. “Participei numa palestra do Opus”, conta a Adelino Cunha na obra já citada. Ele e o colega e amigo José Tribolet chegam a participar num retiro do Opus no Alentejo.

 

 

Três anos depois das cheias, em 1970, aceita colaborar numa ação da Mocidade Portuguesa, coordenada pelo padre António Alves de Campos.

 

 

Vive-se a primavera marcelista e as coisas estão mais distendidas. Para Guterres, a intenção era boa: recrutar jovens para causas de âmbito cristão e formação moral. Guterres é nomeado monitor do Curso Anual de Formação Moral e Religiosa. Não pertence à Mocidade, mas é compagnont de route.

 

 

O leitor um pouco mais jacobino já murmura: “Ele nunca me enganou…” Mas ainda é cedo para tirar conclusões. Num retiro nos Açores, um armador local, Câmara de Medeiros, conhecido por visconde do Botelho, encarrega-se de uma intervenção, no anfiteatro da universidadade.

 

 

Com fama de explorador de trabalhadores, é marcado homem a homem por Guterres, que o bombardeia com perguntas incómodas e um killer instinct que nem sempre revelaria, na política.

 

 

Agendada uma missa na capela particular da quinta do visconde, Guterres organiza o boicote geral: ninguém vai. Pouco depois, terminava a aventura na Mocidade Portuguesa.

 

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O padre Alves de Campos reconheceria, já depois do 25 de abril, o sentido prático de Guterres, quando reencontrou o seu antigo colaborador. “No PS?! Eu esperava que o meu amigo se tivesse inscrito no CDS, no máximo, no PSD… Mas o PS não é um comunismo adocicado?”. Guterres revelou o mesmo instinto utilitário que o levara a colaborar com a Mocidade, respondendo mais ou menos assim: “O PS é o partido que me dá mais possibilidades de pôr em prática as minhas ideias sociais”.

 

 

FUNDADOR DA DECO

 

 

Guterres irá completar a sua formação moral no Grupo da Luz, dinamizado por Vítor Melícias. Um fórum onde se refletia sobre o Concílio e sobre a vida social e política do País. Com Roberto Carneiro, Guterres já brinca aos governos, sobraçando sempre as pastas económicas. Fervilham ideias, projetos, maquinações… Na sequência do choque petrolífero de 1972, começa a conceber uma associação de defesa do consumidor, no âmbito da SEDES, grupo de reflexão de que o Grupo da Luz já fazia parte. Ora, se a SEDES produzia, sobretudo, documentos, Guterres funda a DECO, em parceria com Francisco da Mota Veiga. E é na sua casa, em Lisboa, que toma forma a criação da revista ProTeste, ainda hoje publicada pela associação.

 

 

A sua entrada no PS faz-se sem grande estrondo, pela mão de António Reis. Nessa altura, já deixou crescer um bigodinho em homenagem a Salvador Allende. Rapidamente dá nas vistas, pelo bigode, pelo ativismo e até pela coragem física, nos confrontos do PREC. Salgado Zenha, amigo e compadre de Mário Soares, tem ali um delfim -e um amigo. O casal Zenha e o casal Guterres serão viajantes incansáveis, seguindo roteiros minuciosamente preparados pelo futuro líder socialista. Em 1999, Guterres confessa à VISÃO que ficou a faltar a viagem de sonho a Angkor, no Camboja. Guterres, o viajante, Guterres, o especialista em História, Guterres, o cinéfilo (tem uma celebrada coleção de DVD e VHS com grandes filmes e se tivesse de escolher dois, seriam Casablanca e Citizen Kane). Guterres, o melómano, que obrigava os motoristas a usar algodão nos ouvidos para aguentarem viagens pelo País, ao som de árias de ópera aos berros, nos carros oficiais… Guterres, o guloso, que não dispensava os pastéis de nata no Falcon onde se deslocava pelos céus da Europa a negociar cimeiras e a tratar meia dúzia de primeiros-ministros por tu… Guterres, o “tuga” atípico que odeia bacalhau, eclético, culto, cosmopolita, poliglota. Guterres… o político.

 

 

O MITO DO PACTO SECRETO

 

 

Nos anos de contestação a Mário Soares, disponibiliza o sótão da sua casa, em Algés, para que o secretariado conspire contra o founding father. Destaca-se Vítor Constâncio, emerge Jorge Sampaio, Salgado Zenha não aguenta as noitadas e adormece na poltrona. O secretariado desautoriza o secretário-geral quando, contra sua vontade, decide pelo apoio à segunda candidatura presidencial de Ramalho Eanes, em 1980, já depois de Soares lho ter retirado. Soares suspende funções e só no congresso do ano seguinte retoma o partido e condena os proscritos a uma longa travessia do deserto. António Guterres recusará, em 1993, um lugarzinho na lista de candidatos por Braga, distrito que nem sequer conhece bem.

 

 

Um mito faz, entretanto, o seu caminho. Consta que, nos primórdios da democracia, reunidos num pacto secreto entre ativistas católicos, Guterres foi destacado para aderir ao PS, Marcelo ao PSD e Amaro da Costa ao CDS. Um deles, mais tarde ou mais cedo, tomaria o respetivo partido por dentro e chegaria ao poder. A história tem contornos pouco verosímeis: ninguém poderia adivinhar, em 1974, que o então PPD e o PS seriam os partidos alternantes no poder. Ou, muito menos, que o nóvel CDS, identificado com a direita, teria algum lugar de relevo no novo país a caminho do socialismo. A “peta” terá sido inventada por Marcelo, que a contou a Mário Soares. O pior é que o velho leão acreditou. E, durante uns tempos, tomou de ponta o desgraçado Guterres. Confrontado pelo socialista, o social-democrata desatou a rir às gargalhadas. Mas o mal estava feito. Uma traquinice mais elaborada do que os antigos toques à campainha da casa paterna de Guterres, protagonizados pelo atual PR, e seguidos de fuga, para desespero do pai Virgílio. A amigos, Marcelo conta que só tocava à campainha tão insistentemente para que o António, “um pouco preguiçoso”, levantasse “o rabo da cama”…

 

 

Quando, em 1991, Cavaco reforça a sua maioria, Jorge Sampaio, líder do PS demora a perceber que está acabado, como, antes dele, Vítor Constâncio. António Guterres lembra-lho estridentemente, aos microfones das televisões: “Estes resultados deixam-me em estado de choque”, profere, com a voz bem colocada. Para os sampaístas, era o beijo de Judas. Para os guterristas, a hora do “finalmente”. Chega ao Governo em 1995, acabando com dez anos de cavaquismo. Naturalmente.

 

 

Num jantar com os jornalistas que cobriram uma campanha virada para as pessoas, em que o publicitário brasileiro Edson Athaíde inventou o slogan “Razão e coração”, Guterres era premonitório: “Tenho muito gosto em despedir-me de vós, enquanto não começam a dizer mal de mim, nos jornais…”

 

 

QUANDO PERDE O COMBOIO

 

 

A boa imprensa nacional pode ter-lhe falhado, sobretudo no segundo governo. Mas a internacional nunca deixou de o exaltar. O prestígio do político português saiu reforçado quando liderou uma revolta dos países pequenos da União contra o diretório dos grandes. Foi antes da assinatura do Tratado de Nice, quando os franceses preconizavam uma hegemonia dos grandes nas votações decisivas na UE e Guterres bloqueou a decisão até ao fim. Um a um, conseguiu convencer outros países das suas razões e a Alemanha de Gerard Schroeder aquiesceu. A França, isolada, foi obrigada a negociar com Portugal, que ganhou o braço de ferro. Na presidência europeia, leva a bom porto a Agenda de Lisboa e mostra-se firme perante a emergência de um governo xenófobo na Áustria.

 

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Episódios que contribuíram para a surpresa de António Vitorino quando, em 1998, fez um périplo europeu, concitando apoios para a candidatura de Guterres à presidência da Internacional Socialista (cargo que viria mesmo a exercer). O Reino Unido e a Alemanha foram perentórios: “Presidente da IS? Ele dava era um excelente substituto de Jacques Santer, na presidência da Comissão Europeia!” O próprio Jacques Delors, já retirado, elegeu Guterres como o seu favorito.

 

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Num conselho europeu, realizado na Alemanha, os Quinze apoiam-no: é o homem ideal para conduzir a Europa na fase de abertura da União a Leste. Com eleições à porta, e convencido de que obteria maioria, viúvo recente com uma filha pequena em Lisboa, Guterres recusa. Perdeu o comboio, que não voltou a parar na mesma estação. E Durão Barroso apanhou-o no apeadeiro seguinte.

 

 

AMEAÇAS A CLINTON

 

 

Um veículo das Nações Unidas prossegue aos solavancos pela picada ugandesa, a poucos quilómetros da fronteira com o Sudão e nas margens do alto Nilo. Para de repente, para sintonizar melhor o telefone satélite.

 

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O alto-comissário para os refugiados dá uma entrevista telefónica, em direto, à CNN. António Guterres faz a sua primeira deslocação ao terreno, em missão daquele organismo da ONU. Pouco antes, dormira numa tenda de campanha, igual às do seu pessoal no terreno. Mostra uma rusticidade insuspeita.

 

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Estes refugiados de guerra, acossados pelos terroristas do Exército de Resistência do Senhor, não são muito diferentes dos refugiados das cheias de 1967 em Lisboa: as mesmas carências, o mesmo medo, a mesma fome, a exposição a doenças similares.

 

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Em breve contará com a parceria de uma grande estrela internacional, Angelina Jolie, que mediatizará a causa.

 

 

O seu prestígio internacional cimentara-se desde a célebre reunião de Banguecoque, com que abrimos este texto. Mas essa não foi a única ocasião em que Guterres teve Timor como alavanca da sua qualidade de figura emergente nos palcos internacionais. Após o referendo de 1999, em que os timorenses optaram pela independência, veio o refluxo da desforra indonésia. As milícias pró-Jacarta espalham o terror.

 

 

O Presidente Jorge Sampaio intervém, na CNN, num inglês perfeito. Os portugueses saem à rua, vestidos de branco, em gigantescos cordões humanos. Todos remam para o mesmo lado. Guterres pede aos EUA que forcem a Indonésia a aceitar a presença de uma missão militar da ONU.

 

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Mas o secretário de Estado americano, William Cohen, faz declarações a defender a posição indonésia e Guterres joga uma cartada forte. Manda chamar o embaixador dos EUA em Lisboa e exorta a América a escolher entre a Indonésia e um velho aliado da NATO. Telefona de seguida a Clinton e adverte-o de que a presença de tropas portuguesas na Bósnia e no Kosovo pode ser revista. Convence o presidente americano a dar uma vista de olhos às gigantescas manifestações em Lisboa, que já começam a resvalar para o antiamericanismo. Pouco depois, numa declaração a partir da Casa Branca, Clinton diz, de forma eufemística, que a Indonésia “deve aceitar a ajuda internacional.”

 

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Madeleine Albright, secretária de Estado de Clinton, viria a ser uma das vozes mais entusiastas da nomeação de Guterres para o ACNUR: “É uma personalidade internacional brilhante!”, profere a americana, com a autoridade de representar o país principal financiador da agência. Bill Clinton trata-o como “um grande amigo” e empenha-se na nomeação. Guterres disputa o lugar com sete adversários muito mais fortes dos que enfrenta hoje, uma verdadeira tropa de elite da política internacional de então. A 25 de maio de 2005, Kofi Annan anuncia a decisão. Entre os atributos reconhecidos a Guterres, o secretário-geral destaca o seu papel na resolução do problema de Timor, uma pedra antiga no sapato da ONU.

 

 

António Guterres teve, como modelo político, o antigo primeiro-ministro social-democrata sueco, Olof Palme. Mas, para um crente como ele, é de outro sueco a frase que pode guiá-lo no provável desafio que se lhe depara. O 2º secretário-geral da ONU (1953-1961), Dag Hammasskjold, disse, um dia: “Este cargo não foi criado para levar a Humanidade ao paraíso, mas para a livrar do inferno”.

 

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Os timorenses, por exemplo, sabem o que isso é: ao proporcionar-lhes uma via para a independência, Guterres não lhes deu o céu, mas tê-los-á salvado do inferno da ocupação. Um dia, quando regressar ao seu Fundão, o provável sucessor de Ban Ki-moon poderá revisitar a sala da câmara local, onde depositou todas as ofertas institucionais que recebeu enquanto primeiro-ministro. Lá estará a bandeira portuguesa que um velho timorense enterrou no quintal da sua casa, em 1975, para lha entregar quando visitou o território, em abril de 2000. Naquela noite, em Banguecoque, Shuarto não respondeu ao repto do atrevido governante português. Agora, já é tarde.

 

 

TPT com: AFP//Denis Balibouse//Reuters//Luís Filipe//Editor Executivo//Visão//Filipe Fialho, Inês Rarazote e Sara Sá//Visão//Rui Pedro Antunes//Observador// 6 de Outubro de 2016

 

 

 

 

 

 

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